tag:blogger.com,1999:blog-9098737229621045122024-03-13T15:08:04.104+00:00As madrugadasAlice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.comBlogger156125tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-21403854880230112272018-01-26T19:32:00.002+00:002018-01-26T19:32:50.096+00:00LIVROS PARA DEITAR FORA<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por Alice Vieira</span></div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Confesso: </b>não sou capaz de deitar livros fora. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">De resto, eu pertenço a uma geração que tem muita dificuldade em deitar fora seja o que for. Por isso os objectos se vão acumulando e eu perguntando-me “o que é que faço a isto?”. Já pensei em fazer uma trouxa e ir vendê-los para a Feira da Ladra, mas os meus horários não me permitem ficar lá uma data de horas à espera de ver aparecer multidões interessadas em galhardetes, quadros com o brasão de juntas de freguesia de terras que nem sei onde ficam, frascos de perfume há muito vazios, amostras de tecidos, restos de lãs que nem para quadrados de mantas de patchwork já servem, etc.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mesmo assim, de vez em quando tapo a vista com a mão, encho-me de coragem, e reúno sacos a abarrotar de lixarada, e venho colocá-los à noite ao lado dos contentores, não vá passar alguém que ainda lhes descubra serventia. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas livros é que não.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Livros não sou mesmo capaz.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O pior é que, para lá de receber muitos livros (os meus amigos pertencem quase todos ao ramo…), eu ainda sou uma compradora compulsiva! Compro livros porque são de autores de que eu gosto, ou porque li uma crítica que me entusiasmou, ou até — assumo…— porque têm capas que são um espanto… Mas às vezes, prometem muito e dão pouco.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Então, periodicamente, encho caixotes de livros que vou enviando para bibliotecas ou escolas: livros que sei que nunca mais vou reler, livros que tenho em várias reedições, ou até livros de que eu, pessoalmente, até posso não gostar mas entendo que outros amem de paixão. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas não é desses que estou a falar: refiro-me àqueles que não mereceriam (se eu fosse capaz…) outro destino a não ser o lixo. Tão maus, ou tão inúteis, ou tão fora de prazo que não me passa pela cabeça dá-los nem ao meu pior inimigo. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nos primeiros tempos da revolução, quando, de repente, descobrimos que podíamos viajar para os países até então proibidos da Europa de Leste, era fatal: regressávamos todos de lá vergados ao peso de toneladas de volumes encadernados com todas as intervenções dos camaradas nos diversos órgãos de soberania dos seus países. E — requinte dos requintes! — muitos deles na língua original. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Lembro-me de ter tido de comprar um saco só para nele enfiar os discursos do camarada Jivkov, que me ofereceram na minha primeira ida à Bulgária.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Digam-me: o que é que eu lhes faço?<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Contava o meu querido Alçada Baptista que uma das suas tias, ao ver-se confrontada com a pergunta de uma das criadas (“o que é que eu faço às listas velhas do telefone?”) terá respondido: “dê a um pobrezinho.”<o:p></o:p></span></div>
</div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se calhar, vou seguir-lhe o exemplo. Tal como eu, ela também era de um tempo em que não se deitava nada fora.</span></div>
</div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-14571231010864091712018-01-20T13:40:00.001+00:002018-01-20T13:40:42.176+00:00O Carro Azul<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por Alice Vieira</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>Às vezes penso </b>no meu velho carro azul e sinto assim uma saudade estúpida como se de alguma pessoa amiga se tratasse e não de um simples automóvel, velho de muitos anos, completamente a cair de podre quando, há muito tempo, não tive outro remédio senão largá-lo numa oficina de sucata. O meu carro azul participou activamente nos momentos mais importantes da minha juventude: carregou toneladas de propaganda nas crises académicas, foi cúmplice de paixões proibidas, transportou este mundo e o outro, ouviu discursos de cinema e de literatura, lamentos de jornalistas em começo de carreira, quando a censura cortava o sangue que tentavam fazer escorrer pelas veias dos seus textos — ou muito simplesmente angústias banais do dia a dia lisboeta no princípio dos anos sessenta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O carro azul, no fundo, pertencia um pouco a todos que lá entravam, uma sala comum onde tudo se discutia.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No entanto, embora pertencendo a todos, o carro azul pertencia sobretudo ao Luís Feist, meu colega de Faculdade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O Luís era meu amigo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Muito meu amigo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tão amigo que era o único — mas absolutamente o único--a quem eu passava o carro azul para as mãos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Bastava que, no meio do anfiteatro da faculdade de Letras, ele se sentasse ao meu lado e murmurasse “precisava que tu...” — para logo eu enfiar a mão pela carteira e lhe entregar as chaves. Nunca me disse para onde ia, nunca lho perguntei. À hora marcada o carro azul estava sempre diante da porta da faculdade, com um ar completamente inocente, como se nunca dali tivesse saído.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Por isso o meu carro azul também teve uma outra vida que eu não conheci, e terá sido cúmplice de outros sonhos, ouvido outras conversas, assistido a outros encontros e desencontros.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Durante todos os anos que se seguiram, muito depois de ambos termos largado a faculdade, sempre que eu encontrava o Luís o carro saltava para o meio das nossas conversas, como se falássemos de um parente comum, que agora raramente dava notícias. Acho mesmo que foi o velho carro azul que nos manteve amigos estes anos todos, sem necessidade de nos vermos ou de nos falarmos muitas vezes, separados pelas correrias da vida e do trabalho.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas quando nos encontrávamos, era como se ele tivesse acabado de me entregar as chaves do carro, e se preparasse para as pedir de novo na manhã seguinte. Por isso quando li no jornal a notícia da morte do Luís, não acreditei. Deviam ter-se enganado de certeza.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A esta hora deve ele andar no meu velho carro azul por esse mundo a matar saudades.+++ Se nunca me disse para onde ia, também não ia dizer agora.</span></div>
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Do livro de crónicas <i>Só Duas Coisas Que Entre Tantas Me Afligiram</i></span>Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-75584869303077223022018-01-19T13:41:00.000+00:002018-01-20T13:42:15.508+00:00Falando de Felicidade<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Por Alice Vieira </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><b>LI JÁ NÃO SEI ONDE</b> que a Assembleia Geral das Nações Unidas decretou que o dia 20 de Março vai ser o Dia Internacional da Felicidade. A ideia partiu, ao que parece, do minúsculo reino do Butão que, em vez do PIB (Produto Interno Bruto), adota como estatística oficial a “Felicidade Nacional Bruta”. Isto em português soa um bocado mal, espero que em butanês (ou na língua que lá se fala) soe bastante melhor…</span><br />
<span style="color: blue;">Que bom, num mundo com tanta tragédia, haver um dia consagrado à Felicidade. (E, já agora, um pequeno parêntesis perfeitamente pessoal: deixem-me felicitar quem teve a ideia de o colocar no dia 20 de março, dia em que eu faço anos, o que me vai dar, a partir de agora, ainda muito mais razões para o festejar... Adiante). No dia 20 de Março, como todos sabemos, acaba o inverno. O que significa também que a Felicidade vai ficar ligada à primavera.</span><br />
<span style="color: blue;">E, em tempos de crise e de depressão, como a que vivemos, nunca é demais lembrá-lo.</span><br />
<span style="color: blue;">Mas, deixem-me confessar, que também não me agradava lá muito uma felicidade como a que se vive no Butão.</span><br />
<span style="color: blue;">Há dias, zapando pelos canais do cabo, vi um documentário sobre o Butão. O Butão é um reino minúsculo, completamente isolado e fechado ao mundo (o que as montanhas onde está instalado propiciam), onde as pessoas vivem da agricultura como na Idade Média, dividindo o seu tempo entre o trabalho na terra e as idas aos templos. Preservam esse isolamento para que, segundo afirmam, nada possa alterar a tradição e os rituais. Estrangeiro é bicho muito raro por lá.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Tem, realmente, uma paisagem deslumbrante, mosteiros magníficos - e uma única estrada a atravessar o país. Se calhar, a felicidade também tem a ver com um trânsito sem complicações, e o completo desconhecimento do que é hora de ponta. Praticamente não se usa dinheiro, não há consumo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">No Butão é-se feliz porque - convenhamos - também não se pode ser outra coisa. E é isso que me apavora.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Que mérito poderá ter a minha luta pela felicidade se não tenho de combater a infelicidade?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Que mérito terá a minha realização pessoal e profissional se não tenho muita coisa que me realize?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Como posso discutir ideias se não há nada para discutir?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">E de que falam as pessoas quando se juntam — se não há dívidas do Passos Coelho, prisão do Sócrates, a Troika, a família Salgado a amar-se apaixonadamente, o Belmiro a ir para a reforma, o Porto a ver se chega aos calcanhares do Benfica, a canção que mandámos para a Eurovisão e que nem para ir ao Festival da Bandalhoeira servia (com todo o meu respeito pela Bandalhoeira, claro) - essas coisas que fazem a felicidade das pessoas à mesa do café.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Como se pode ser herói se não há obstáculos para vencer?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Como poderíamos desejar tanto a primavera, se não houvesse inverno?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">É claro que é muito bom que se encontre um dia no ano para se questionar a nossa Felicidade (ou a falta dela). Mas aflige-me muita a felicidade por decreto.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Por isso, em vez de pensar no Butão (apesar da nossa crise brava e das aparentes maravilhas deles, a meio do documentário eu já estava completamente deprimida…), e no sorriso permanente colado à boca dos habitantes, prefiro, apesar de tudo, voltar à terra, a esta nossa terrível, desesperante, complicada terra onde vivemos, a braços com esta terrível, desesperante, complicada crise que ninguém sabe onde nos leva – e pensar antes na minha amiga Helena Marujo que acredita, contra ventos, troikas , BES e marés, que todos fomos feitos para a Felicidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">A Helena Marujo é uma cientista conceituada, não escreve livros de auto-ajuda – e, com o marido, Luis Miguel Neto, fundou há uns dois anos, o Instituto da Felicidade. E uma das suas ações mais importantes foi a elaboração de um estudo sobre a felicidade dos portugueses – ideia que lhe veio quando andava a estudar as causas da depressão entre crianças e adolescentes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"> Eu sei que há dois anos ainda não estávamos tão mal como agora, mas a verdade — como de resto ela salienta logo no início — é que nunca estivemos bem… Fomos sempre o povo da desgraça, do fado, o “país cabisbaixo”, como lhe chamou o poeta Alexandre O’Neil. E o que é preciso — seja em que tempo for – é procurarmos novas perspetivas de realização, novas maneiras de viver o dia a dia, novos interesses, novas disponibilidades, um novo olhar para quem vive ao nosso lado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Carlos Drummond de Andrade escreveu uma vez que “há duas épocas na vida, - a infância e a velhice - em que a felicidade está numa caixa de bombons”…</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Pois é preciso saber encontrar, também para outras idades, a respetiva caixa de bombons…</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Custa, eu sei - mas antes isso que ser feliz por obrigação legal.</span></div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-79463865036424721842013-08-29T09:10:00.000+01:002013-08-31T21:26:14.201+01:00A MEMÓRIA APAGADA<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]-->
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]-->
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Por Alice
Vieira</span>
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;"><b>HOJE, </b>pela
primeira vez na minha vida, sinto-me velha.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Tenho o
telemóvel na mão e estou há horas a olhar para ele sem saber o que fazer. Acabo
por largá-lo, aqueles para quem eu queria ligar já não me vão atender – e, para
além deles, já não há mais ninguém capaz de entender a minha não sei se fúria,
não sei se raiva, não sei se impotência. A minha — isso sei — grande tristeza.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Dói-me esta
perda de memória que vai atacando a nossa sociedade a um ritmo cada vez mais
vertiginoso.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Acabo de
chegar da Escola Francisco Arruda, onde acho que já não entrava há mais de 40
anos. Ótimas instalações, tudo a cheirar a novo.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">A escola
Francisco Arruda foi o “sonho” de um homem chamado Calvet de Magalhães, um dos
maiores pedagogos deste país que, nesses anos 50 da sua fundação, a transformou
num oásis de educação e de cultura. Pioneiro de muitas causas (a integração de
alunos deficientes foi uma das suas grandes lutas), foi sobretudo um animador
cultural num tempo onde o desânimo imperava. A escola estava então rodeada de
bairros de lata e, todos os sábados, ele abria as portas a toda a comunidade. E
havia exibição de filmes, palestras, ateliers de olaria, histórias contadas aos
miúdos, etc. Era uma maravilha ver aquela escola cheia de gente, que a
considerava sua. </span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Hoje isso
pode parecer habitual, naquele tempo não era.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">O Prof.Calvet
foi ainda fundador da Associação Portuguesa para a Educação pela Arte, que
durante anos manteve uma atividade regular, destacando-se a publicação de uma
coleção de histórias infantis, sempre ilustradas pelos meninos da Francisco
Arruda. E aí se integrava a organização de um concurso, a nível nacional,
chamado “O Natal Visto pelas Crianças”, a que o <i>Diário de Lisboa</i> se associava.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">É aí que eu
entro — a fazer a ligação entre as reuniões do júri, e a publicação dos textos
nas páginas do jornal.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">É difícil entender
hoje a importância desse concurso. Para já, o júri era de peso: para além do
Prof. Calvet, como organizador, José Gomes Ferreira, Matilde Rosa Araújo, Maria
Lúcia Namorado, Alice Gomes, Rocha de Sousa, António Domingues. E eu, na
verdura dos meus 18 anos, a ouvi-los, a aprender com eles, a rir muito com
eles. Vinham caixotes de textos do país inteiro, as reuniões eram
prolongadíssimas e duravam muitos dias — mas eram sempre uma festa. Lia-se cada
texto como se fosse candidato ao Prémio Nobel — e quando se chegava àquela
altura dramática dos 11 anos, em que os meninos já estão formatados pela escola
e dizem todos os mesmos lugares- comuns e era difícil encontrar um melhor que
outro, a voz do Zé Gomes:”ó Matilde, leia lá em voz alta que, na sua voz, tudo
é uma maraviha!”</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Depois um
dia, de repente, o prof. Calvet de Magalhães diz-me:”no sábado vais ler
histórias aos miúdos lá na minha escola.” Pensei que estava a brincar comigo,
eu nunca tinha escrito uma história na minha vida, nem me lembrava de alguma
vez ter contado histórias fosse a quem fosse. Ri-me, fiz-me desentendida, mas
ele: ”sábado de manhã, não faltes!”</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">E lá fui.
Sei que escrevi uma história mas não me lembro de mais nada, a não ser de me
ver diante de um ginásio a transbordar de gente, e eu num palco, em frente de
um microfone a tentar ler o que levava escrito numas folhas de papel. </span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Lembro-me
que levava um vestido cor de laranja. Lembro-me de ter ouvido muitas palmas. E
lembro-me do Prof. Calvet a dizer: ”para a semana cá te espero”.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Foram as
primeiras histórias que escrevi, para muitos daqueles sábados de festa, que se
prolongaram por muitos anos.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">O Prof.
Calvet foi diretor da Francisco Arruda até à sua morte: na turbulência da
revolução, quando começou de repente a ver a “sua” escola transformada, e no ar
a ameaça de deixar de ser seu diretor, não aguentou e suicidou-se.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">O Pror.
Calvet de Magalhães faria em Março cem anos.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">E eu sempre
pensei que, no seu centenário, o país lhe fizesse a homenagem que ele merece.
Mas Março passou — e nada aconteceu. </span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Então pensei
que possivelmente a Escola se teria encarregado disso.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">Mas a Escola
nem sequer tem uma placa com o seu nome em lado algum. Nem o seu nome foi dado,
como seria de toda a justiça, à biblioteca. Entra-se ali e é como se ele nunca
tivesse existido.</span></span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="line-height: 115%;">E eu chego a
casa a pensar nesta falta de memória coletiva — e pego no telemóvel para dizer
à Matilde, ao Zé Gomes, à Maria Lúcia, à Natércia Rocha, ao Mário, à Maria do
Sameiro, “vocês já viram que ninguém se lembrou do centenário do Prof. Calvet?”,
mas não digo, porque já todos morreram, e eu fico, entre as paredes da minha
sala, sem saber com quem partilhar raivas e mágoas. E sem saber o que fazer no
meio deste silêncio vergonhoso.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"><span style="line-height: 115%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>«Senior» de 18 Jul 13</span></span></div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-91294875943559925242013-08-15T09:07:00.000+01:002013-08-15T09:07:00.158+01:00A LISTA<span style="color: blue;">Por Alice Vieira</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;"><b>RECEBI </b>ontem
um postal de um amigo muito querido, que anda agora por terras de Espanha. Três
linhas, não mais – mas o suficiente para me iluminar o dia que, diga-se, andava
assim um bocado para o fusco.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Penso muitas
vezes no que seria de mim sem esta presença constante dos amigos .</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Amigos que
escrevem cartas e postais: o Manel ensina-me o nome de todas as plantas que
cultiva lá em A-dos-Negros, acho que ainda não perdeu a esperança de me ver
ingressar no clube dos jovens agricultores; a Cristina manda-me desenhos e a
luz da ria vem com eles; a Marina descobre verdadeiras preciosidades do tempo
em que que éramos crianças; o António manda postais de todos os lugares onde
faz exposições; o Eduardo fala-me do seu Porto que ele tão bem fotografou; etc…</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Amigos que
telefonam às horas mais improváveis — sem terem nada de transcendente para me
dizer…</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Amigos que
me trazem pedras ou conchas ou folhas dos lugares por onde andaram, porque
sabem que essas são as verdadeiras prendas, as que não têm preço, as que
possuem real significado, as que guardo para sempre.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Claro que
lhes pago na mesma moeda — porque tem de haver sempre tempo para um amigo, se
não nos quisermos arriscar a um dia acordarmos e verificarmos que estamos
sozinhos.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Pocuramos
então os amigos… e qu’é deles?</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Então depois
começam as lamúrias, ai que ingratos, ai que insensíveis, ai que isto, ai que
aquilo — sem nos perguntarmos se a culpa também não terá sido nossa. </span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Porque uma
boa rede de amigos prepara-se com antecedência </span><span style="font-size: 13.0pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 14.0pt;">(naquele tempo em que
pensamos que vamos ser jovens para sempre…)</span><span style="line-height: 115%;">, cultiva-se, aumenta-se, se possível . Não tem explicação a
quantidade de amigos que fiz nestes últimos anos. Amigos de verdade,
disponíveis, com quem é muito bom estar à mesa (na minha casa ou na deles) pela
noite fora, naquela conversa mole que anima as nossas almas.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Ora diga-me
lá: há quanto tempo não escreve a um amigo?</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">A sério,
escrever mesmo. Com “papel e tinta, caneta e mata-borrão” , como cantava a
Tonicha no “Resineiro” de boa memória.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Não são
precisos grandes discursos, às vezes duas ou três linhas são o suficiente –
exactamente como no postal que recebi ontem.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Um postal a
dizer estou aqui, pensei em ti, não estamos sozinhos.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Não sei se
conhecem as canções de um brasileiro chamado Oswaldo Montenegro. Basta ir ao
Youtube e procurar. Mas, para aqueles que ainda não estão muito familiarizados
com essas modernices, vou aqui deixar algumas estrofes de “A Lista, uma das
canções dele de que mais gosto — e em que devíamos reflectir um pouco.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Aí vai:</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">“Faça uma
lista dos grandes amigos/que você mais via há dez anos atrás/quantos você ainda
vê todo o dia/quantos você já não encontra mais/faça uma lista dos sonhos que
tinha/quantos você desistiu de sonhar/(…)onde você ainda se reconhece/ na foto
passada ou no espelho de agora?/ hoje é do jeito que achou que seria?/ quantos
amigos você jogou fora?/quantas mentiras você condenava/quantas você teve de
cometer/quantos defeitos sanados com o tempo/ eram o melhor que havia em você/
quantas canções que você não cantava/ hoje assobia para sobreviver/quantas
pessoas que você amava/hoje acredita que amam você?” </span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Se não nos
precavemos, com o andar dos tempos isto é o que acontece a quase toda a gente.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Por isso
vamos lá fazer a lista, e chamar os amigos que esquecemos (enquanto os podemos
chamar…), e inventar motivos para estarmos juntos (um concerto, uma peça de
teatro, um café na Baixa ) e para celebrar.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Para
celebrar o quê? </span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Tudo. </span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Seja o que
for. </span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">O nosso dia
de anos. O dia da santa do nosso nome.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Comprei há
um ano uma mesa nova para a minha casa de jantar—e ainda não parei de fazer
jantaritos com amigos para festejar o acontecimento!</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">E não
esquecer a carta ou o postal. Mesmo que não tenham grandes novidades para dar. </span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Um dia,
teria ele para aí uns sete anos, o meu filho foi de viagem com amigos. “Escreve
um postal!”, recomendei-lhe imediatamente.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Escreveu.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">Assim: “mãe,
não tenho nada para dizer, beijinhos”.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">É o postal
que anda sempre na minha carteira, já lá vão quase 40 anos.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue;"><span style="line-height: 115%;">É o que eu
digo: às vezes bastam meia dúzia de palavras para iluminar os nossos dias.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">«Sénior» de
20 Jun 13</span></span></div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-67038861967875162562013-08-01T09:11:00.003+01:002013-08-01T13:43:18.922+01:00CÁ POR MIM<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">Por Alice
Vieira
</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"></span></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;"><b>PELA
PRIMEIRA</b> vez na minha vida faço parte de uma equipa que está a fazer nascer um
novo jornal. Todos aqueles por onde passei tinham já dezenas e dezenas de anos
de trabalho, tradição e público.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Desta vez é
uma aventura.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">E também, ao
que se diz, este é um jornal destinado àqueles a quem já cantaram os “parabéns
a você” muitas e muitas vezes.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Ótimo. Sinal
de que estão vivos – coisa de que nem todos os vivos se podem gabar.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Mas esta
coisa da idade é sempre muito relativa…”Coitado, já tinha uma certa idade”, diz-se
normalmente quando morre alguém não muito novo. </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Mas eu nunca
percebi o que é ter “uma certa idade”. </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Tenho sempre
diante dos meus olhos – colado na parede onde também estão coladas as
fotografias dos homens da minha vida, entre os quais os netos… - um postal que
em tempos um amigo me enviou de Berkeley e que, numa tradução tão aproximada
quanto possível, diz: “Que idade terias se não soubesses a idade que tens?”</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">E posso
garantir-lhes que a resposta varia todos os dias.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Neste
momento, por exemplo, a tentar sair de uma gripe que parece ter-se apaixonado
inabalavelmente por mim, se eu não soubesse a idade que tenho era bem capaz de
jurar que andava aí pelos 200, mais Manuel de Oliveira, menos Manuel de
Oliveira.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Mas antes de
a gripe me ter atacado, eu diria que andava aí pelos 30 ou 40. </span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">“Esse é que
é o teu mal! Pensas que tens 20 anos, e não tens! ”, refilava ontem a minha
filha, quando entrou no meu quarto para me deixar os remédios na mesa-de-cabeceira.
(Não liguem. No fundo, no fundo, mas lá mesmo bem no fundo o que ela queria
dizer era “coitadinha, estás doentinha e a morrer” e<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>fazer-me tap tap na cabeça.)</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Isto tudo só
para dizer que velhice é coisa muito discutível. E que, por mais que se refile
e se entre em depressão, ainda não se inventou outro meio de se viver muito
tempo.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Mas para os
que, às vezes, estão quase a sucumbir a esse peso da idade, nada melhor do que
ligarem para o Canal Parlamento, e olharem para aquelas bancadas: há deputados
(não, não vou dizer o nome de nenhum embora às vezes bem me apeteça), aí na
casa dos 30/40, que eu juro que já nasceram com 100 anos em cada ombro: falam
com 100 anos em cada palavra; exibem ar de mau com 100 anos em cada
sobrancelha.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Se calhar a
maioria de nós, que entramos agora nesta extraordinária aventura de fazer um
jornal como este, não estará nos seus, digamos, verdes anos de adolescência e
juventude. Pois não. Mas, sem nenhuma espécie de saudosismo, assiste-nos a
todos a enorme vantagem de termos conhecido o antes e o agora.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">A maioria de
nós foi do tempo da caneta, das máquinas de escrever com aquelas fitas metade
vermelhas metade azuis, que era preciso fazer render ao máximo porque eram
caras e o chefe fazia sempre cara feia quando era preciso requisitar alguma — mas
também é do tempo dos computadores.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">A maioria de
nós foi do tempo do chumbo, das velhas rotativas, das linotypes, da maquetagem
a régua e esquadro nas enorme folhas de papel — mas também é do tempo das
páginas formatadas no écran.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">A maioria de
nós foi do tempo em que o jornalismo se aprendia com os mais velhos, ali na
tarimba, com os nossos erros, com as dezenas de vezes que tínhamos de rescrever
a notícia e nem pensávamos que algum dia viria a ser de outra maneira — mas
também é do tempo das escolas de jornalismo.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Isto para
não falar da maior diferença de todas: a maioria de nós foi do tempo da
censura, das páginas retalhadas pelo lápis azul, da angústia de perder as ligações
se os jornais se atrasassem - mas também é do tempo da liberdade.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Mas, ó
gente, o que eu queria mesmo dizer – e juro que ninguém me encomendou o
discurso nem sequer falei com os chefes – era que, e parafraseando o título de
um filme dos Irmãos Coen, “Este jornal não é para velhos”!</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;">Pois, se
calhar não vamos ter aqui todos os dias notícias e reportagens do Justin Bieber
(tadinho, acho que lhe foi apreendida droga no carro, vejam lá!, só tenho
coisas que me ralem…</span><span style="font-size: xx-small; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 16.0pt;">),nem me estou a ver de plantão à casa da Venda do
Pinheiro — mas não falharemos certamente o que acharmos de interesse, seja qual
for a nossa idade, e seja qual for a idade que tem quem nos vai ler.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: xx-small; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 16.0pt;">Cá por mim, irei escrever com o mesmo espírito com que
escrevi em todos os jornais por onde andei.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: xx-small; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 16.0pt;">E, já agora, bem podemos aproveitar um slogan que ainda aí
estampado na parte de trás dos assentos de muitos táxis -“Entre no dia com um
sorriso!” — e entrar também neste jornal com um enorme sorriso.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: xx-small; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 16.0pt;">Pelo menos de quinze em quinze dias, a vida vai sorrir-lhes
um bocadinho mais.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: xx-small; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 16.0pt;">Cá por mim, farei tudo por isso.</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small; line-height: 115%;"><i>In</i> «Sénior» de 23 Mai 13</span></span></div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-9187362905166300562013-03-25T09:22:00.003+00:002013-03-25T09:24:01.677+00:00O SENHOR QUE CONTAVA HISTÓRIAS<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]-->
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if !mso]><img src="//img2.blogblog.com/img/video_object.png" style="background-color: #b2b2b2; " class="BLOGGER-object-element tr_noresize tr_placeholder" id="ieooui" data-original-id="ieooui" />
<style>
st1\:*{behavior:url(#ieooui) }
</style>
<![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]-->
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Por Alice Vieira</span></div>
<span style="color: blue;">
</span>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"></span><span style="color: blue;"><b>HÁ MUITOS,</b> muitos anos, eu tive a vossa idade.</span>
</div>
<span style="color: blue;"></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">“Ainda havia dinossauros?”, perguntou-me há dias o meu neto
mais novo. </span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Não, realmente JÁ não havia dinossauros.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Mas AINDA não havia televisão, nem computador, nem
telemóvel, nem iPOD, nem MP3, nem Playstation, nem uma série de outras
maravilhas, indispensáveis na nossa vida actual.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Mas o facto de elas não existirem não impediu que – no meio
de uma infância difícil, solitária e pouco afectuosa - eu fosse uma criança
feliz.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">E essa felicidade devo-a aos livros que li — e, muito
especialmente, aos livros de um senhor chamado Adolfo Simões Muller.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Adolfo Simões Muller sabia muitas histórias, e levou toda a
sua vida a contar histórias.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Os seus livros estavam cheios de heróis, de artistas, de
exploradores, de aventureiros, e ele contava as suas histórias como se eles
vivessem mesmo ali ao nosso lado, como se, de repente, entrassem pela nossa
casa dentro, como se fossem nossos amigos, com quem pudéssemos passar a tarde
inteira a conversar.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">As personagens dos seus livros foram os amigos verdadeiros
que tive na minha infância.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Atacada sempre por muitas doenças, eu sonhava com a noite em que Florence Nightingale
(enfermeira inglesa, famosa pela sua actuação na Guerra da Crimeia, no séc. 19,
e personagem de “A Lâmpada Que Não Se Apaga”) chegasse à beira da minha cama,
pusesse a mão na minha testa e espantasse a febre para muito longe.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">E quando vinha o frio, eu recordava sempre a cena em que
Madame Curie (cientista, que descobriu o rádio, Prémio Nobel por duas vezes, e
personagem de “A Pedra Mágica e a Princesinha Doente”) estudante quase na
miséria, quando se deitava punha a cadeira do quarto em cima da cama, para ter
a ilusão de mais calor.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Com os livros de Adolfo Simões Muller, eu aprendi que a
nossa vida era aquilo que nós conseguíssemos fazer dela.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Com o “Príncipe do Mar” (que têm agora em vossas mãos), eu
aprendi a ter orgulho do povo a que pertenço — que se meteu à aventura sobre
águas desconhecidas, rumo a terras desconhecidas, ouvindo as vozes de então
garantir que a linha do horizonte era o fim do mundo, e que para lá do fim do
mundo havia só dragões.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Mas o Infante D. Henrique sabia que nada disso era verdade,
que havia muitas terras para lá daquela linha que a nossa vista alcançava, e
descobri-las foi o sonho e o trabalho de toda a sua vida.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">E a realização desse sonho foi tão importante que, com
tantos infantes que a nossa história teve, ainda hoje quando dizemos “O
Infante” — é sempre a ele que nos referimos.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Os livros do Adolfo Simões Muller têm atravessado gerações.
Os meus filhos leram-nos, e deram-nos aos filhos que depois tiveram.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">É bem possível que os teus pais e os teus avós os tenham
também lido. </span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Agora é a vossa vez. </span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">E só lhes peço que, depois de lerem (e relerem…) este “Príncipe
do Rio”, o guardem com muito cuidado na vossa estante.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Para um dia chegar em bom estado às mãos dos vossos filhos,
e deles às mãos dos vossos netos.</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Que, muito possivelmente irão olhar para vocês e perguntar:</span></div>
<span style="color: blue;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">- No vosso tempo ainda havia dinossauros?...</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-12895474451171061402013-03-16T09:29:00.002+00:002013-03-16T09:31:23.579+00:00UM BREVE RECADO PARA AS EDUCADORAS DE INFÂNCIA<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]-->
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]-->
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;"> </span><span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Por Alice Vieira</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;"></span><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">ELAS
CHEGARAM</span></b><span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;"> agora junto de ti.</span>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Elas pensavam que o mundo cabia inteiro nas
paredes da sua casa, e que quem lá vivia eram os seus únicos habitantes. Terás
de mostrar-lhes que não é verdade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Elas têm poucas palavras para nomear o que as
rodeia. Terás de as ajudar a encontrar as que faltam.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Elas vão ver o mundo com as cores que tu
puseres em cada som e em cada gesto.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Elas vão olhar para ti, aprender o teu nome,
chamar-te por tudo e por nada, geralmente por nada. Que é sempre tudo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Vais mostrar-lhes como se vive com os outros,
como se aceita quem não é igual a nós, tal como se aceita um desenho pintado
com todas as cores do arco-íris.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Vais aprender a ter de lhes dizer muitas vezes
“ não”, sem te deixares levar pelo seu beicinho irresistível.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Mas vais também dizer-lhes muitas vezes “sim” e
sentir que é para ti que elas sorriem e estendem as mãos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Vais levá-las ao jardim quando há sol, vais
empurrar baloiços que chegam ao céu, vais assoar narizes cem vezes ao dia, vais
fazê-las aprender a gostar de sopa, vais ler-lhes histórias e ensinar-lhes que
todas as meninas têm direito a ser princesas, e todos os meninos têm direito a
ser piratas das Caraíbas. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Elas vão ser, naquele pequeno universo diário,
os filhos que tens em casa, ou na escola, ou não tens, ou esperas vir a ter
mais tarde.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">E por vezes podes sentir uns ligeiros remorsos
por teres para elas o tempo que não tens para os teus.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Elas levam-te nos olhos quando à tarde as vêm
buscar. E esperas que te levem também no coração.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Elas vão acreditar em ti como acreditam nas
fadas e no Pai Natal.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Elas vão pôr-te os nervos à flor da pele e
fazer-te esquecer, por vezes, o que aprendeste, e perder a paciência que sempre
julgaste inesgotável.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Elas vão fazer-te suspirar pela hora do
regresso a casa, vão fazer-te levar muitas vezes as mãos à cabeça e proferir
intimamente palavras impronunciáveis. Porque elas são crianças. E porque tu és
humana.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;">Resumindo: elas vão-te fazer feliz para o resto
da tua vida.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;"> -</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia; font-size: 11.0pt;"><i>Para um prefácio de uma agenda das Educadoras de
Infância</i><span style="color: blue;"></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-34157195233707179752013-03-07T07:25:00.002+00:002013-03-07T07:25:22.766+00:00CHÁ DAS CINCO<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]-->
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]-->
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;"></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Por Alice Vieira</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">DIZEM</span></b><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;"> que foi um
imperador chinês que o descobriu.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Preocupado com longas epidemias que
assolavam o império, ordenou que toda a gente bebesse água sempre fervida.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Um dia, estava ele à sombra de uma
árvore e pediu água. Lá lhe trouxeram a água a ferver, e ele teve de esperar
alguns minutos, pois até mesmo quem é imperador não aguenta água a escaldar
pela goela abaixo. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Enquanto esperava, não reparou que umas
folhas da árvore tinham caído para dentro do copo (chávena? caneca? malga?) e a
água tinha ficado um bocado para o castanho. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O natural seria – sobretudo rodeado de
epidemias por todos os lados… - que deitasse fora aquela mistela e voltasse a
pedir mais água fervida, e nós nunca viríamos a saber de nada.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Mas não. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Ou porque a vista já não estivesse lá
muito apurada, ou porque a sede fosse insuportável, ou porque – e eu aposto
nesta... — pensou que a um imperador nada de mal podia acontecer, o certo é que
bebeu tudo. E até gostou!</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">E como não morreu nem lhe aconteceu nada
de grave nos dias seguintes, deve ter chegado à conclusão de que a planta não
era venenosa e vá de se aproveitar dela.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Não sabemos que árvore seria exatamente
aquela (Lapsang Su Chong, seria??) mas aquele foi o primeiro chá que se bebeu
no mundo inteiro.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Também há quem tire o imperador dessa
história e diga, muito simplesmente, que desde tempos muito antigos os monges
budistas cultivavam chá nos Himalaias.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Seja como for, depois entra muita gente
ao barulho, até que aparecemos nós, portugueses, que, ao chegarmos ao oriente,
pegámos no chá e trouxemo-lo para o porto de Lisboa – donde partiu para outros
mundos. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Como sempre, tivemos tudo nas mãos, e
perdemos para outros, sobretudo para os holandeses.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Adiante.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O mais importante é que os pais do
british “five o’ clock tea” – somos nós.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">É por nossa causa que os ingleses andam
sempre de caneca na mão, e que não há personagem de livro, filme ou série
britânica que, a dado momento, não diga "let’s have a cup of tea".</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Já pensaram no inspetor Maigret ou em
qualquer polícia americano a pedir chazinho??? </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Tudo porque no século XVII, a nossa
princesa D. Catarina de Bragança, filha de D. João IV, quando foi para a corte
inglesa casar com Carlos II, instituiu esse hábito. Às cinco da tarde, chazinho
para a rainha e suas damas.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">As minhas velhas tias eram burguesas e
republicanas, mas isso não as impediu, séculos mais tarde, de seguirem o
exemplo de D. Catarina: tocavam a campainha (vocês ainda são do tempo em que
havia campainhas colocadas em todas as salas das nossas casas?), a criada
aparecia e elas diziam “ Emília, traga o chá.”</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Nunca lhes passou pela cabeça irem à
cozinha pedi-lo, e muito menos fazê-lo…</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">E depois seguia-se todo um ritual, de folhas
de chá, de bules escaldados, de chávenas de Vista Alegre.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Aprendi com elas que todas as doenças se
podiam curar com chá — de cavalinha, de tília, de macela, de camomila, de
carqueja, do hipericão do Gerês, de perpétuas roxas, de cascas de cebola, de
pés de cereja, de raiz de valeriana, de erva-do-diabo, de hortelã, de hibisco,
de calêndula… digam-me a maleita e eu receito o chá.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Nessa altura não me lembro de ouvir
falar em chá verde, branco ou vermelho. Ou bem que era chá – preto, forte, a
escaldar e sempre sem açúcar – ou bem que era “chá de” : a primeira vez que
tomei contacto com a palavra ”tisana” foi nos livros do Poirot (que era belga!)
e tive de ir ao dicionário ver o que era.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Para lá de ter herdado das tias a
sabedoria do chá, herdei-lhes também os bules, para os quais de vez em quando
olho. Mas confesso que hoje em dia já os uso pouco: a água a ferver é deitada
na caneca e dispenso os rituais.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">As tias devem dar voltas no túmulo.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">D. Catarina também.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>-</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">In Revista “Epicuro”, Out. 12 </span></div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-23493019280161068282013-03-04T08:24:00.003+00:002013-03-04T08:24:43.185+00:00Ruy Belo<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]-->
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]--><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Por Alice Vieira</span></span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><b><span style="color: blue; line-height: 115%;">CONHECI </span></b><span style="color: blue; line-height: 115%;">o Ruy Belo quando ambos entrámos para a
Faculdade de Letras de Lisboa, em 1961.</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Eu era uma jovem ainda a
cheirar à infância do liceu; ele, dez anos mais velho, já tinha uma série de
cursos no currículo, um doutoramento feito em Roma, um livro de poemas
publicado. </span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;"> A princípio fazia-me confusão que uma pessoa
como ele ainda insistisse em estudar mais, e se tivesse de novo matriculado numa
faculdade, e andasse ali junto dos caloiros ( e todos juntos estaríamos quando,
pouco tempo depois, rebentou a greve académica, que nos uniu ainda mais.)</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Mas a nossa faculdade fazia-se
muito mais no bar de Letras, onde a Menina Manuela tirava bicas, e onde as
mesas se enchiam de gente que falava, discutia, acreditava que era possível
fazer do país um lugar onde – como ele dizia pelo meio desse primeiro livro – “
um dia haverá barcos e seremos livres”</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Às vezes, de repente, o Ruy
exclamava:</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">“Tenho de ir para casa”.</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">E levantava-se da mesa e saía.</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">E eu sabia que era um poema
que estava a chegar. Nunca conheci nenhum poeta a quem a inspiração chegasse
assim.</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Mas o Ruy era também a pessoa
mais desorientada que alguma vez conheci na vida…</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Nunca me hei-de esquecer do
dia em que ele insistiu em ir buscar-me a casa para irmos…? À distância destes
anos todos não me lembro exatamente onde iríamos, mas possivelmente a uma
exposição de pintura na Galeria 111, que era o poiso de todos nós. Mas
lembro-me de ter dito “eu levo o meu carro” (o meu carro era, na altura, o
carro onde se amontoava toda a gente, “que saudades do tempo em que, para nós,
“mini” era o teu carro e não uma cerveja”, dizia há dias o Jorge Silva Melo,
nosso comum amigo…), e de ele ter respondido “desta vez vamos no meu”.</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Eu vivia então na Av. António
Augusto de Aguiar – e até hoje me lembro do pânico que senti quando o Ruy,
metendo a primeira para arrancar, começa a subir a Av. Fontes Pereira de Melo —
em sentido contrário.</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">“Ó Ruy, não é por este lado!”,
gritava eu, e os carros que vinham contra nós a buzinarem feitos doidos, e ele
“deixa estar que isto é rápido!”</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Era nos anos 60, claro. Se
fosse hoje, com o trânsito de hoje, aquele teria sido o nosso último dia de
vida.</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Depois o curso acabou, as
nossas vidas levaram rumos diferentes, mas nunca deixei de estar em contacto
com ele, e às vezes aparecia cá por casa, ou vinha jantar (quase sempre em dia
diferente daquele que tinha sido combinado…).</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Lembro-me de como me indignei
quando não o deixaram entrar como professor na faculdade, e ele teve de ir dar
aulas num curso noturno de uma escola do então Ensino Técnico, no Cacém.</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Lembro-me de ouvir a sua voz
magoada: “à noite, quando chego a casa, custa-me tanto subir as escadas…”</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">Hoje, enquanto recordo tudo
isto, tenho na minha frente um postal da Fonte de Neptuno, em Madrid, que ele
me escreveu, na sua letra tremida quando, nos anos 70, lá era leitor.</span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">“O meu quarto na Casa do
Brasil é o nº 15-A. Escreve-me, por favor” </span></span></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">
</span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="color: blue; line-height: 115%;">E agora, para onde lhe poderei
escrever?</span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-37757306126261540212012-12-22T10:11:00.001+00:002012-12-23T10:42:42.225+00:00OS GLADÍOLOS<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Por Alice Vieira</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><b>NEM SABIA </b>bem por que ali estava.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Vingança, raiva, ou nenhuma razão em especial. Tinha dado de caras com a notícia no jornal, enquanto bebia o café e, de repente, vê-se a pagar a bica, a correr até à praça de táxis mais próxima, enfiar-se no carro, fechar os olhos, e deixar-se embalar até ouvir o homem dizer “cá estamos, minha senhora”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Na rua em frente da igreja há uma florista. Pede gladíolos, mas dizem-lhe que já tiveram mas já não têm. Compra uma rosa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">A igreja está cheia, como já esperava que estivesse.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Tem muita pena de não trazer gladíolos. Um enorme ramo de gladíolos, como os que ele lhe entregava, sorriso manso nos lábios, quando regressava a casa, e lhe pedia desculpa pela pancada, pelos insultos, chegando mesmo a receitar-lhe pomadas infalíveis para as nódoas negras--prometendo nunca mais voltar ao mesmo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Ela punha os gladíolos na jarra, e durante uma semana havia paz.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">“Figura pública junta sempre mais gente no funeral do que em vida”, pensa, olhando para tantas pessoas que se acotovelavam à entrada da igreja, porque lá dentro já não cabia mais ninguém ou porque, simplesmente, não tinham podido resistir ao apelo do cigarro. Pessoas que, muito provavelmente, nunca lhe teriam dirigido sequer a palavra se alguma vez o tivessem encontrado na rua.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Alguns, mais velhos, olham para ela, ainda a reconhecem e acenam ligeiramente a cabeça.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Vagos conhecimentos, apenas. Os seus amigos verdadeiros, os que a tinham amparado nos tempos difíceis da separação, nunca ali estariam.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Entra na igreja, tentando a custo chegar até ao caixão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Quer vê-lo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Nunca mais o tinha visto, desde o dia em que se tinham encontrado no tribunal para o divórcio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">“Ainda te vais arrepender”, murmurara ele nessa altura. “O que és tu sem mim, não me dizes?”</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Ela nem respondera. Fizera questão de deixar muito claro que não queria dele nem um centavo, o advogado aos berros, “mas a senhora não está a ver que ele vai ser condenado e pagar-lhe uma boa quantia?”, e ela a insistir, “nem um centavo desse homem, antes esfregar escadas a vida inteira.”</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Tinha-se aguentado. Com a ajuda dos pais ao princípio, por si própria logo depois, na empresa onde esteve até se reformar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">É difícil chegar até ao caixão, há muita gente em volta e ninguém parece querer sair dali.
Olha para o banco onde se senta a família. Só conhece a mulher das fotos nas revistas. E espera que ninguém a reconheça a ela, já passaram tantos anos e, de certeza, que ele não guardou fotografias desse tempo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Olha para a mulher, franzina, sem a pintura que habitualmente ostenta nos retratos e, de repente, tem vontade de se sentar a seu lado, de lhe perguntar como correram aqueles anos todos, quantas vezes ele a atirou ao chão, e a espancou, e a insultou, e a ameaçou com facas - dando-lhe flores a seguir.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Olha para a cara dela, tentando encontrar marcas de antigas agressões, mas os cremes tudo apagam. Pena não haver cremes que também apagassem a dor e a humilhação e a revolta — que uma vida inteira não chegava para apagar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">A mulher tira um lenço da carteira e passa-o pela cara. Depois olha para ela.
$$Ficam as duas a olhar uma para a outra, em silêncio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Depois desviam os olhos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Vai a sair quando, num impulso, volta atrás e deixa a rosa no colo da mulher.
$$E voltam a olhar-se fixamente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">“Obrigada”, diz-lhe ela, numa voz quase inaudível.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Ela sai a correr, não sem antes olhar para o caixão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;">O morto quase nem se vê, ao peso de tantos gladíolos.</span></div>
-<br />
«Activa» - Dezembro de 2012Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-10220709972768960692012-12-08T09:28:00.004+00:002012-12-08T09:28:42.620+00:00UM NÚMERO DIFERENTE<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]-->
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]-->
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;"></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Por Alice Vieira</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">ESTE
É O Nº 500</span></b><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;"> da “Audácia”. Este é um número muito especial e, por isso,
estamos todos em festa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">A “Audácia” nasceu em Novembro de 1966 -
o que significa que está quase, quase a fazer 46 anos. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O que significa que os seus leitores
atuais ainda nem eram sonhados quando ela apareceu. E, se calhar, nem a maioria
dos pais.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Em 1966 o mundo era outro. Nós éramos
outros. A maneira de fazer revistas era outra.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Nada destas máquinas sofisticadas que
agora nos poupam tanto trabalho e tantas horas de esforço.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Lembro-me muito bem desse ano de 1966.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Eu tinha 23 anos, um curso acabado há
dois, a família toda a insistir para que eu fosse professora (pois não era para
isso que, segundo toda a gente, eu tinha estudado?), e eu, muito a contragosto,
a ensinar um alemão rudimentar a alunos que queriam seguir Direito e precisavam
de fazer exame de alemão e de ter ao menos 10 para poderem aceder à
Universidade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Foi a primeira e única vez que eu
ensinei o que quer que fosse a alguém.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Eu já trabalhava no jornal – mas, para a
família, jornalista era profissão que nenhuma menina decente e de boas famílias
poderia escolher. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Jornalista era profissão de homens.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Feios, porcos, sujos e maus.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Mas esse foi o ano em que eu decidi que
era preciso arriscar e não ter medo de escolher o que queria fazer da minha
vida – mesmo que os outros abanassem a cabeça ou me virassem as costas.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Há alturas em que tem de ser assim.
Porque ninguém vive a nossa vida por nós. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">E é por isso que, de cada vez que
pronuncio a palavra “audácia”, me lembro da audácia que tive em largar tudo, de
um momento para o outro, nesse ano de 1966: profissão, família, casa, conforto,
segurança, despreocupação.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Tive a audácia de arriscar.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Depois – porque estas coisas acabam
sempre por ser recompensadas…-- tive a felicidade de encontrar alguém, com quem
partilhei quase 40 anos da minha vida, e que também nunca teve medo de arriscar,
quando sabia que estava em jogo a liberdade, a coerência, a justiça, um futuro
que sonhávamos bem melhor.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Pediram-me para hoje aqui falar dele.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Porque Mário Castrim escreveu na
“Audácia” nos últimos anos da sua vida e, por isso, festejar este nº 500 é
também festejar todos os que nesta revista têm trabalhado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Mas, para mim, é tarefa muito
complicada. É muito difícil falar de alguém de quem estive (e continuo a
estar…) tão próxima.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Basta ler os seus textos – e as crónicas
publicadas aqui na “Audácia” estão, felizmente, reunidas em livro — para se
perceber a pessoa que ele era.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Trabalhou — trabalhámos… - muitos anos
da nossa vida sob a censura.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Aqueles que já nasceram em liberdade têm
dificuldade em entender o que isso era.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O que era não se poder falar nem escrever
sobre aquilo que queríamos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O que era “o lápis azul” a cortar
páginas de alto a baixo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O que era vermos completamente deturpado
tudo o que escrevíamos (bastava o “lápis azul” cortar um “não”, por exemplo…)</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O que era haver gente cujo nome nem
sequer se podia mencionar.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Muitos foram desistindo. Por cansaço.
Pela sensação de inutilidade. Pelo risco. (Abril vinha muito longe ainda…)</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Mas o Mário nunca desistiu. Nem quando o
telefone tocava cá em casa de madrugada, com ameaças. (Ainda hoje me custa
atender um telefone que toca noite dentro…)</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Talvez que a infância difícil que teve o
tivesse preparado, e de que maneira, para a luta. A infância -- boa ou má
–molda sempre as nossas vidas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O Mário entrou para o sanatório do Outão
aos 9 anos de idade – e saiu de lá dez anos depois.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Dez anos de afastamento da família, que
vivia longe, de amigos, da vida normal de uma criança.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Dez anos em que sonhava com livros,
muitos livros que pudesse ler à vontade, que o ajudassem a suportar dias e
noites difíceis.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Acho que a única coisa que pedia, nesse
tempo, eram livros.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Um dia o sanatório foi visitado por um
grupo de dirigentes do Benfica, que iam conversar sobretudo com os miúdos,
tentar, por momentos, fazê-los participar da vida que corria lá por fora.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">- O que é que tu gostavas mais que te
dessem? – perguntaram-lhe. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">- “A Cidade e as Serras”, do Eça de
Queiroz — respondeu ele.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Imagino o ar espantado da comitiva…</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O que é certo é que, dias depois,
chegava ao Sanatório do Outão um caixote com as obras completas do Eça de
Queiroz e do Camilo Castelo Branco.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">E esta foi a razão que tornou o Mário
num benfiquista ferrenho até ao fim da sua vida.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">E a vontade de nunca se deixar vencer
pela doença foi sempre uma constante: estudou sozinho e pediu para fazer exames
no sanatório, e fez. Quando saiu do Outão, quase com 20 anos, vinha disposto a
ser professor – e foi.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Ainda hoje encontro velhos alunos dele
que vêm ter comigo para me contarem como eram as aulas do “professor Fonseca”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">E depois o jornalismo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">A escrita de livros.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O resto da sua vida.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">E isto é o pouco, o muito pouco, que sou
capaz de dizer dele.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O resto é só meu.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: black; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Revista “Audácia”, Out.12</span></div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-4072453072519089922012-11-25T17:30:00.007+00:002012-11-25T17:32:57.908+00:00AS SAUDADES DA CASA<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]-->
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]-->
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Por Alice Vieira</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">E
DE REPENTE</span></b><span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;"> a casa voltou a ficar silenciosa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">De um momento para o outro, os objetos
regressaram todos ao seu lugar habitual, o piano fechou-se, deixou de haver
sapatos largados pelo meio da casa de banho e dos quartos, acabaram-se as
risadas à meia noite (“meninos! Já deviam estar a dormir há que horas!”), o
frigorífico readquiriu o seu ritmo pacato e parou de ser esvaziado de cinco em
cinco minutos, a despensa readquiriu o seu ar honesto e saudável, sem pacotes
de batatas fritas nem garrafas de coca-cola, os livros de histórias encontraram
de novo o seu lugar na estante, os “Simpsons” e a “Family Guy” desapareceram
dos serões televisivos, </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">E a casa voltou ao que era, antes de os
netos todos terem chegado para se apoderarem dela durante um mês inteiro. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Olho para os quartos, para a cozinha,
para o corredor – e acho que a casa se deve ter sentido muito bem. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Durante este mês, ela deve ter pensado
que tinha finalmente regressado ao antigamente da nossa vida, quando havia
sempre gente a chegar e gente a partir, e a voz do meu filho, pequenino, a
perguntar logo de manhã ao meu ouvido “mãe, temos hóspedes?”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">A seguir ao 25 de Abril de 1974, o ritmo
da casa serenou. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Quer dizer: a casa ficou, a partir dessa
altura, a pertencer menos aos adultos e mais às crianças – e raro era o dia de
anos em que, no fim da festa, eu não tivesse de ligar aos pais, a pedir que os
deixassem cá ficar a dormir. (Aqui tenho de partilhar a responsabilidade com o
meu marido, que inventava grutas de lobos na sala, fazia jogos de futebol no
corredor — acabando toda a gente a desenhar ou a escrever o que lhe passasse
pela cabeça numa parede mágica que havia reservada para isso mesmo. Hoje,
lavada e pintada desde que o meu filho foi para universidade, é uma parede
igual às outras…)</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">A Ana Rita ficou célebre até hoje (em
que já deve ser mãe de filhos crescidos…) por cá ter dormido quase uma semana,
até que foi preciso o pai vir pôr ordem naquilo e arrastá-la de cá por um
braço...Quase todos os anos encontro a tia na Feira do Livro, e recordamos
sempre essa odisseia…</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Mas antes de 1974, os tempos eram muito
difíceis, e raro era o dia em que não nos batiam à porta amigos que precisavam
de cá ficar uma noite, duas noites, sabiam lá eles e nós quantas noites… Às
vezes partiam de manhã cedo, e nunca mais tínhamos notícias deles.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O quarto do fundo estava sempre
disponível (lembras-te, Rogério? Lembras-te, Isabel? Lembras-te, Daniel?
Lembras-te, Armindo? e por aí fora…)<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e,
quando não estava, havia sempre uma cama vaga, ou chão livre para nele se
estenderem colchões-camas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Uma noite, o Armando bateu à nossa
porta.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Eu nunca tinha visto o Armando.
Conhecia-o apenas dos textos que ele mandava para o suplemento “Juvenil” do
jornal “Diário de Lisboa”, onde eu trabalhava.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Quer dizer: do Armando, as únicas coisas
que eu sabia era que escrevia muito bem, e que vivia nos Carvalhos, perto do
Porto.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Ele à porta e eu sem saber quem era
aquele que, em hora tão pouco apropriada, me batia ao ferrolho.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Ele, “sou o Armando”, e eu só a pensar
“pelo amor de Deus, vai-te embora, vai-te embora!”, e ele, coitado, só a
repetir o nome e a dizer “desculpa, mas preciso de cá ficar esta noite!”— e a
olhar para mim, estranhando certamente o ar de poucos (de nenhuns…) amigos que
via na minha cara, caramba!, nem um sorriso, nem um “entra amigo, a casa é
tua!”, nada.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">O Armando a olhar para mim, e eu,
apoiada à ombreira da porta, só a respirar fundo, a respirar muito fundo, a
respirar fundíssimo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Afastei-me e fiz-lhe sinal que entrasse.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Ele entrou, e ali ficou, com um saco aos
pés, esperando que eu dissesse alguma coisa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Passados alguns minutos, e depois de ter
novamente respirado muito fundo, apontei-lhe o armário que ficava mesmo no fim
do corredor: </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">- Sabes fazer uma cama, não sabes?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Ele acenou que sim.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">- Então olha, os lençóis estão ali, o
cobertor também, faz a cama onde quiseres, fica o tempo que quiseres, sai
quando quiseres — que eu tenho de ir já para a maternidade!</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">A minha filha nascia horas depois.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Acho que o Armando nunca chegou a
conhecê-la – mas, durante anos a fio, nunca se esqueceu de lhe mandar os
parabéns.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia; mso-bidi-font-family: Arial;">Devia ser de tudo isto que a casa tinha
saudades.</span><br />
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;">Revista “Audácia”, Nov. 12</span></div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-34594683555003915202012-10-20T11:44:00.000+01:002012-10-20T11:49:25.944+01:00Manuel António Pina<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]-->
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]-->
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-mfFHAf6713g/UIJ49_CZdVI/AAAAAAAAAGw/E9NF_79hpz0/s1600/MAP+foto.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="http://2.bp.blogspot.com/-mfFHAf6713g/UIJ49_CZdVI/AAAAAAAAAGw/E9NF_79hpz0/s320/MAP+foto.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #3366ff; font-family: Georgia;"></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">Por Alice Vieira</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: Georgia;">AS NOVAS</span></b><span style="font-family: Georgia;"> tecnologias têm isto de bom: quando
estamos longe e temos saudades dos amigos, elas se encarregam de nos aproximar.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">De cada vez que eu estava fora do país, mandava um sms ao Manuel
António Pina. Porque normalmente estava em congresso, em encontro literário, em
escola ou biblioteca e queria trocar impressões, género “já cá estiveste?”, “O
que é isto?”, etc. Porque, normalmente, por razões daquilo que escrevíamos, eu
e o Pina andávamos pelos mesmos sítios.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">Um dia — vá-se lá saber porquê…- eu aterrei na cidade francesa
de Périgueux, num Encontro de Literatura Gourmet!!!</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">Sms logo para o Pina: “o que é isto?”</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">Respondeu-me que também já lá tinha estado e até tinha gostado,
— e faz-me um estranho pedido: “por favor, vai à Rua tal, é uma rampa e mesmo
no fim, à esquina, há uma casa pequena, há de estar uma velha à porta com uma
gata castanha, diz-lhe que lhe mando um abraço.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">Pensei que estava a brincar comigo mas, num intervalo do
congresso, lá fui.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">Encontrei a rua, a rampa, a esquina, a casa, a velha, a gata.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">Tudo como ele tinha dito.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">Lá lhe expliquei a história (“sou portuguesa, e um escritor
português meu amigo pediu-me…” etc…) — e logo a velha se abre num enorme
sorriso: o Pina tinha estado em Périgueux há uns tempos e, nos seus passeios
pela cidade, tinha-a visto à porta com a gata. Parou no passeio, foi ter com ela
e ali tinham ficado tempos infindos, a conversarem…sobre gatos.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">O Pina adorava gatos.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><span style="font-family: Georgia;">Espero que o céu esteja cheio deles.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Georgia;">NOTA
(CMR): procurando uma fotografia para ilustrar as palavras da Alice,
encontrei esta, [<a href="https://educar.wordpress.com/2012/10/19/in-memoriam-manuel-antonio-pina-1943-2012/">aqui</a>]. Acho que fica bem…</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #3366ff; font-family: Georgia;"></span><span style="color: #3366ff; font-family: Georgia; line-height: 115%; mso-bidi-font-size: 16.0pt;"></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-26885764749920917032012-10-08T10:01:00.003+01:002012-10-08T10:02:48.394+01:00MUSEU DE CERA<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]--><br />
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if !mso]><img src="//img2.blogblog.com/img/video_object.png" style="background-color: #b2b2b2; " class="BLOGGER-object-element tr_noresize tr_placeholder" id="ieooui" data-original-id="ieooui" />
<style>
st1\:*{behavior:url(#ieooui) }
</style>
<![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]-->
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Por Alice Vieira</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: blue; font-family: Georgia;">HÁ MUITO</span></b><span style="color: blue; font-family: Georgia;"> tempo que não subia aquela rua.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Durante muitos anos trabalhara ali perto, conhecia-lhe os cantos e
recantos, tascas e cafés, mercearias onde tudo se vendia, alfarrabistas e casas
de velas, tabacarias a transbordarem de revistas de croché e de culinária, num
tempo em que o <i>jet-set</i> ainda não tinha sido descoberto. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Há muito lixo pelas esquinas e, nos degraus das portas, garrafas
vazias de cerveja marcam o rasto das noites.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">O velho elevador está em obras. Quem quiser trepar a colina terá de contar
apenas com a força das pernas, e este continua a ser um bairro de gente velha.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Na manhã em que sobe a rua, tem quase a certeza de reconhecer toda
a gente, de tal maneira todos se parecem com os que, há mais de trinta anos, se
cruzavam com ela. Se lhes desse os bons dias, como se atravessasse uma rua da
aldeia, todos lhe responderiam.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Há mais de trinta anos aquele lugar era quase uma aldeia.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Era ali que nasciam todos os jornais. Ou quase todos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Era um lugar que cheirava a chumbo, porque as novas tecnologias nem
sequer ainda se sonhavam, e —nunca conseguira perceber porquê — a açúcar
queimado .<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Dos jornais saía sempre a mesma gente, que se encontrava à mesma
hora, nas mesmas tascas e nos mesmos cafés.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Mesmo os que se arrastavam pelas esquinas ou se colavam horas
infindas aos balcões dos cafés, e que não liam jornais, mesmo essas os
conheciam a todos pelos nomes. Reduzidos à sua expressão mais simples: o Sôr
Armando, o Sô Pedro, a D. Antónia, e por aí fora.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Continua a subir a rua, na pastelaria da esquerda há, como sempre,
um velhote a comprar uma caixa pequenina de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">petits-fours</i>
que depois atira para dentro de um saco de plástico.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Porque aquele é o reino dos sacos de plástico.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">As velhas saem de casa com sacos de plástico, entram nas lojas e
nos cafés, e regressam ainda com mais sacos de plástico.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">As velhas daquele lugar sempre tiveram muitos sacos de plástico e
muitas doenças. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Ela entra no café onde há mais de trinta anos entrava todos os
dias, pouca coisa mudou, consegue até sentar-se na que foi, durante todos esses
anos, a sua mesa, há apenas umas estranhas pinturas verdes na parede, e outro
sistema de pagamento: com a bica e a água entregam-lhe um cartão numerado, que
apresentará na caixa registadora, à saída.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Às 10 da manhã, tem o número 065. Não sabe a que horas abre agora o
café, por isso não tem ideia se a afluência foi muita ou pouca.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">E as velhas também não mudaram. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Olha para elas e é capaz de jurar que se disser “Ó D. Isilda” ou “ó
D.Felisbela”, ou “ó Menina Odete” – elas respondem. E que lhe hão de contar as
mesmas histórias de filhos ingratos, e que lhe hão de perguntar se “a vidinha
vai bem” e, com um sorrisinho cúmplice à beira dos lábios, avisá-la de quem
avistam ao fundo da rua.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Ao balcão do café fazem, como sempre, o ponto da situação. O que
lhes dói mais, o que lhes dói menos. Mas o pior de tudo são sempre, como sempre
foram, os nervos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Queixam-se dos médicos que não as entendem, dos remédios que não
fazem nada, das noras que-para-ali-estão, e rematam sempre com a frase de fazer
calar o pessoal :” eu é que me sinto.”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Levanta-se da mesa, vai pagar.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Enquanto lhe fazem o troco, ainda olha para cada uma das velhas, à
espera de as ouvir dizer, olhando através da janela,” olhe que o Sô Mário já
ali vem”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">Na rua, há uma loja em frente chamada “Flower Power”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">“Bem vinda ao século XXI”, disse baixinho.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Georgia;">- </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Georgia;"><span style="font-size: x-small;">«ACTIVA» de Outubro 2012 </span></span></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-4560435996044021042012-09-07T12:45:00.002+01:002012-09-07T12:46:38.151+01:00A DOR DE CABEÇA<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if !mso]><img src="//img2.blogblog.com/img/video_object.png" style="background-color: #b2b2b2; " class="BLOGGER-object-element tr_noresize tr_placeholder" id="ieooui" data-original-id="ieooui" />
<style>
st1\:*{behavior:url(#ieooui) }
</style>
<![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]-->
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman";"></span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Por Alice Vieira</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: "Times New Roman";">NEM SABIA</span></b><span style="font-family: "Times New Roman";"> há quanto tempo não entrava naquele
jardim, perto da casa onde nascera. Ou antes: do sítio onde nascera, já que a
casa há muito se transformara num stand de automóveis.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Uma vez passou
por lá e ficou feita parva a olhar para a montra, pensando se o lugar da cama
da mãe seria ali onde então se exibia um Aston Martin em todo o seu esplendor,
ou, se calhar, lá mais para o fundo, onde se situava a secretária do vendedor .</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Riu-se e o
vendedor, lá de dentro, franziu os olhos, certamente nunca devia ter visto
ninguém rir diante da montra, e ela desceu logo a rua, não fosse ele chegar à
porta e perguntar “deseja alguma coisa?”, e ela “nasci onde o senhor está
sentado.”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Mas nem mesmo
nessa altura se lembra de ter entrado no jardim.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">De resto o
jardim estava então quase em
ruínas. Os jornais traziam notícias e fotos,acabando todos a
insultar a Câmara, que não fazia o que lhe competia. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Nunca mais se
lembrara do assunto. O seu lugar de nascimento dizia-lhe muito pouco, até
porque, segundo lhe contavam, tinha saído de lá aos quinze dias de idade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Mas agora os
netos andavam num curso de férias ali perto, e não havia outro sítio onde ela
pudesse passar o tempo até serem horas de os ir buscar.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Alegrou-se com a
recuperação do jardim (“ jardins abandonados só ficam bem nos poemas românticos
e nas fotografias a preto e branco”, dizia muitas vezes) mas a dor de cabeça,aliada
a um cansaço que ultimamente se agravava, quase a impedia de ver tudo como
desejaria. O sol feria-lhe a vista, e teve de se sentar numa das cadeiras da
pequena esplanada debaixo do enorme jacarandá, sem flor mas com sombra.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Em seu redor – e
isso lembra-se de ser “imagem de marca” daquele bairro – muitos mendigos, por
ali arrastando miséria e sujidade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">No meio do
jardim, um parque infantil, onde as crianças gritavam e os adultos ainda
gritavam mais do que elas, “Ruben, não caias! Ó Sónia,se atiras outra vez a
bola lá para fora, a avó não ta vai buscar! Ai valha-me Deus, que são horas de
ir fazer o almoço!”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Os gritos ainda
lhe aumentam a enxaqueca (Odeia a palavra mas, quando está mesmo muito
atacada<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>é só assim que se lhe refere,
para tudo ser ainda pior..) Deixa cair a cabeça entre as mãos, fecha os olhos,
deseja que aquelas duas horas passem depressa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">De repente ouve
uma voz muito perto de si, sente um estranho bafo rente à sua cara:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">“Precisa de
alguma coisa?”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Abre os olhos e
dá de caras com um dos mendigos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">“Quer que lhe vá
buscar um copo de água ao quiosque?”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Nem consegue
responder e já ele se arrasta até ao quiosque, onde há um jarro e copos no
parapeito, e vê-o encher cuidadosamente o copo até acima. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">E ela não quer
ver a sujidade das mãos, e da barba e do cabelo, e não quer sentir o cheiro de
há pouco, não quer mesmo mas não consegue, e ele traz o copo até à sua mesa,
devagarinho para que não se entorne.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">“Beba que lhe
vai fazer bem”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">E ela a olhar para
as mãos dele, para sujidade das unhas, para os farrapos daquilo que um dia terá
sido um casaco, e ele, estendendo-lhe o copo:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">“Vá, beba”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Agarra no copo e
bebe a água toda de uma vez.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Ele sorri e ela
sorri também.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Quando se lembra
de lhe perguntar o nome, já ele tinha desaparecido. Vê-o, ao ,longe, a tirar
qualquer coisa de um caixote do lixo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">São horas de ir
buscar os netos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">Há-de
contar-lhes esta história. Até para eles aprenderem a maneira mais rápida e eficaz
de curar uma dor de cabeça.</span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman";">- </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman";">«ACTIVA» de Setembro
2012</span></div>
Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-79328040672246177712012-08-03T20:23:00.004+01:002012-08-03T20:26:36.613+01:00AS NAUS DAS DESCOBERTAS<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Por Alice Vieira</span><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";"></span></b><br />
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">TINHA</span></b><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";"> sido um verdadeiro sufoco,
ela na rua e de repente a pensar</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">“esqueci-me das chaves e do telemóvel em casa”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">A quem pedir ajuda, e como pedi-la? Mesmo com cabines telefónicas
nos passeios e moedas nos bolsos, desde que se inventaram os telemóveis que ela
nunca mais soube nenhum número de cor, está tudo na memória, ela a viver pela
memória de uma máquina, ao que isto chegou.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Mas foi sufoco breve, felizmente não estava longe de casa quando
deu pela falta, e pôde rapidamente voltar atrás e entrar no café, que desde
sempre guarda uma cópia das suas chaves para uma qualquer emergência. Como
esta.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Ainda bebeu uma tranquila bica antes de voltar a casa para buscar o
que esquecera, meditando, como sempre em ocasiões semelhantes, na dependência
em que todos vivemos de máquinas e tralhas afins.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Vem-lhe à memória o tempo longínquo em que o primeiro telefone
móvel entrara lá em casa. Uma
maravilha da técnica. Tirava-se do descanso e podia-se levar pela casa toda, e
falar confortavelmente estiraçado na cama, ou na sala, ou na cozinha, enquanto
se mexia a sopa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Tinha sido o filho quem mais vibrara com o objeto. Agora podia
enfiar-se no quarto, sem dar cavaco a ninguém, e passar horas com as suas
diversas namoradas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Preocupava-a aquele filho, sem nunca pegar num livro, naquela casa
onde eles estavam por todo o lado e onde ninguém podia passar sem eles.
Ninguém, menos ele, claro, que pelos vistos passava mesmo muito bem, porque a
verdade é que tinha boas notas e não chumbava.. Mas ler não era,
definitivamente, o seu passatempo favorito.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Por isso ela se lembra do ar de espanto que fez no dia em que ele
lhe perguntou:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Mãe, onde estão “As Naus”?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Nem percebera.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Onde está o quê?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- “As Naus”, mãe. Aquele livro do Lobo Antunes.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Não quis mostrar demasiado o seu espanto, o rapaz ainda era capaz
de se arrepender, e tirou-o da prateleira. Tinha estado muito recentemente a
pôr a sua estante em ordem, sabia onde o tinha colocado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">O filho pegou no livro, enfiou-se pelo quarto, fechou a porta e lá
ficou.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Nos dias seguintes “As Naus” lá continuavam na mesa de cabeceira. Um
dia achou por bem voltar a pô-lo na prateleira.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">À noite, o filho, meio zangado:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Mãe, qu’é das “Naus”?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Pelos vistos a leitura do romance entusiasmava-o.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Um dia arriscou:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Estás a gostar das “Naus”?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Foi a vez de ele a olhar espantado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Das “Naus”?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Sim, do romance do Lobo Antunes.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Ah!!</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Foi um enorme “Ah” que se devia ter ouvido pela casa toda.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Depois foi buscar o livro e abriu-o na primeira página, onde se
viam uns números escritos a lápis.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Tás a ver, mãe... É que há dias, quando tu andavas a fazer a
arrumação dos livros, a Teresa ligou e eu precisava de tomar nota do número do
telefone dela. E isto era a única coisa que eu tinha à mão. Como nunca sei o
telefone dela, preciso sempre de ver aqui.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Ainda pensou em dar-lhe uma agenda – mas desistiu. Pegar num livro
era bem melhor. Até podia ser que ele se entusiasmasse e passasse da primeira
página. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Como de resto veio a acontecer, não por causa de “As Naus” mas por
causa de uma namorada que lhe disse:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Ou tu lês o que eu leio, ou nada feito.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Casaram, são muito felizes, têm 5 filhos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">( “As Naus” continuam com o número de telefone escrito a lápis, já
um bocado sumido, que os anos não perdoam.)</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="color: black; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; line-height: 115%;">«Activa» de Agosto de 2012</span>Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-77819204769530035212012-07-17T21:06:00.001+01:002012-07-17T21:06:10.092+01:00FÉRIAS GRANDES<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Por Alice Vieira</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">JÁ NÃO</span></b><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";"> sabia as vezes que tinha
feito, desfeito e refeito a mala.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Raio de tempo… --murmurou.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">O marido largou o jornal e as palavras cruzadas e sorriu:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Ninguém te entende…Se chove é porque chove, se faz sol é porque
faz sol…</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Deixou-se cair no sofá. Não era nada disso e ele sabia. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- O que eu queria era o tempo certo. Fiável. Dantes, quando íamos
de férias no verão, levávamos roupa leve, um guarda-chuva, vá lá, por mera
precaução, mas nunca enchíamos a mala de camisolas, casacos, meias…</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">No verão anterior nunca conseguira largar o casaco de fazenda.
Mesmo as pessoas daquela praia do norte, habituadas a pouco calor, diziam que
nunca se lembravam de um tempo assim, o vento a levar tudo atrás, tempestades
de areia, as pessoas dias inteiros enfiadas em casa. Lembra-se
até que a Goretti, amiga de há muitos anos, lhe tinha telefonado a dizer “se
quiseres lareira, arranja-se!”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Só por vergonha não aceitou.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- O que eu queria…</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- O que tu querias – riu o marido -- era ser criança, confessa!
Quatro meses de férias, um verão que nunca mais acabava, as ”férias grandes”
dizíamos nós, sem preocupações nenhumas…Mas isso, minha querida, isso era o
paraíso, e já devias saber que, quando nos tornamos adultos, os paraísos
desaparecem.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Regressou às palavras cruzadas, repetindo:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Era mesmo o paraíso.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Ela voltou a enfiar mais umas camisolas na mala.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";"> Sempre que o verão aparecia
no calendário (e, cada vez mais , só mesmo no calendário) vinha-lhe aquela
estúpida saudade da infância, ela que nunca tinha saudades de nada, muito menos
da infância, ficava amarrada à recordação da quinta, do grande plátano diante
da casa, da ruazinha orlada de cedros que levava ao muro que dava para a outra
quinta, onde vivia a família do António.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">O António vivia sempre enfiado lá em casa, lia os números atrasados
da “Mecânica Popular” que os irmãos dela colecionavam e iam deixando na quinta,
quando chegava a hora de voltar para Lisboa, e fazia coisas complicadíssimas
com as peças do Meccano.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Hei de ser engenheiro…-- garantia ele</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Mas houve um dia em que ele largou a revista e o Meccano e lhe
disse:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Vamos dar uma volta.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Os pais tinham saído, a caseira andava distraída no galinheiro, os
irmãos tinham pegado nas bicicletas e desaparecido.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Foi na ruazinha dos cedros que então o António lhe perguntou:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Queres ser minha namorada?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">E ela sem saber o que responder, porque acabara de fazer 12 anos e
nunca tinha tido um namorado. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Mas durante aquele verão foram namorados.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">E foi um verão muito quente, e os dias eram enormes, e as noites
parecia que ardiam.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Até que um dia o pai chegou muito zangado a casa, porque tinha
ouvido não sei o quê no café, mandou a mãe fazer as malas e voltaram para
Lisboa mais cedo do que era habitual. Nunca o pai lhe disse o que acontecera,
mas a verdade é que ela nunca mais voltou a ver o António, que nas férias
seguintes já não morava naquela casa ao lado do muro da rua dos cedros.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Às vezes dá consigo a pensar no que lhe terá acontecido, se será
engenheiro, se terá emigrado, se estará casado e pai de família. Como era
possível as pessoas desaparecerem assim das nossas vidas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Deve ter suspirado com muita força porque o marido perguntou:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">- Disseste alguma coisa?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Não respondeu.</span></div>
<div style="border-bottom: solid windowtext 1.0pt; border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-element: para-border-div; padding: 0cm 0cm 1.0pt 0cm;">
<div class="MsoNormal" style="border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-padding-alt: 0cm 0cm 1.0pt 0cm; padding: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">Pensava ainda na palavra
“paraíso”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-padding-alt: 0cm 0cm 1.0pt 0cm; padding: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";">-</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman";">«Activa» de Julho 2012</span><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman";"></span></div>
</div>Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-88033224894583126852012-07-08T18:59:00.001+01:002012-07-17T21:06:31.211+01:00A PRAIA, HÁ MUITOS ANOS<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Por Alice Vieira</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; line-height: 115%;">MUITAS</span><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;"> vezes penso como foi
que nós – ou seja, todos os que já temos para lá de 50 anos – conseguimos
sobreviver. </span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Como foi que conseguimos ser crianças, adolescentes,
andar na escola, aprender. Como foi que conseguimos ser gente sem nos terem
levado ao psicólogo. Como foi que crescemos mais ou menos saudáveis, sem
ficarmos traumatizados por esse tempo pré-histórico em que – segundo os padrões
de hoje – nada havia.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Para vocês deve ser praticamente impossível imaginar
um mundo sem telemóveis, sem computadores, sem <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Power-points</i>, sem tv interativa, sem <i style="mso-bidi-font-style: normal;">downloads</i>, sem i-Pad ou i-Pod, ou i-Outra Coisa Qualquer. Um mundo
sem discotecas, sem mochilas às costas, sem inter-rails, sem férias em Lloret
del Mar, sem Erasmus. </span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Até a mim – juro – me custa a acreditar.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Mas existiu.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">E sobrevivemos.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">E fomos tão felizes como vocês. Só que de outra
maneira.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Quando chegam os meses de verão, por exemplo,
lembro-me das minhas idas à praia, quando eu era muito criança. Vivíamos perto
de Sintra mas, não sei porquê, os adultos lá de casa não seguiam, como destino
comum de quem vivia naqueles lugares, para a Praia das Maçãs. </span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Não. </span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Armavam-se como se fôssemos para uma expedição para
o deserto, e marchávamos para a Praia do Guincho.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Há 60 anos, a Praia do Guincho não existia. Ou seja,
existia um imenso areal deserto, um mar bravo de meter medo ao susto, dunas
onde os pescadores tinham construído umas minúsculas casotas para se abrigarem
em caso de tempestade maior – e mais nada. Rigorosamente mais nada.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Nem pessoas, evidentemente, a não ser os pescadores
na sua faina.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Ah, por acaso havia também um barracão mal amanhado
no cimo das arribas, junto à estrada, que era uma espécie de restaurante de um
senhor galego chamado Muxaxo, que gostava muito de nós porque éramos os únicos
a descer à praia (e se era complicado descer por aquelas rochas até chegarmos
ao areal!).</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Fazia sempre muito mau tempo no Guincho. Mesmo
quando fazia bom tempo no resto do país. Muito vento, muito frio e — nunca
percebi porquê – enxames de abelhas desvairadas a atacar os invasores…</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Então os adultos lá de casa, todas as manhãs, antes
de sairmos, telefonavam para a barraca do Sr. Muxaxo para saber como estava o
tempo. E o Sr. Américo ou a Josefa (que eram os únicos empregados) lá nos
serviam de boletim meteorológico.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Mas mesmo que as precisões não fossem das melhores –
raramente eram… – a gente marchava para lá. Era preciso haver uma tempestade
muito, muito, mas mesmo muito grande para desistirmos. (E não, os adultos lá de
casa nunca pensaram que podíamos apanhar resfriados ou gripes. E a verdade é
que nunca apanhámos.) Connosco marchavam também mantas, cadeiras de verga,
casacos, repelentes de insetos, mas não me lembro de alguma vez termos levado
protetor solar. </span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">As onze da manhã eram o ponto mais dramático do dia.
Nós, os miúdos da casa, até tremíamos, mas nem pensar em fugir ou dizer que
não. </span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Era a hora em que chegava o Sr. António. </span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">O Sr. António pescava robalos, que vendia aos
adultos da casa e, depois de feito o negócio, olhava para nós, esfregava as
mãos e dizia “vamos lá a isto”.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">E nós todos íamos atrás dele até à beira mar.
Punha-nos em linha e depois, com uma das mãos apertava-nos o nariz e com a
outra rodeava-nos o corpo e atirava-nos ao mar – e a gente que se
desenvencilhasse. Lá longe, ao abrigo da barraca de lona, os adultos da casa
nem se dignavam olhar. </span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Gritávamos, esbracejávamos, engolíamos litros e
litros de água salgada, faltava-nos o ar -- mas foi assim que nós todos
aprendemos a nadar na perfeição. Porque quem escapa ao mar do Guincho escapa a
todos os mares do mundo. </span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">E nenhum de nós ficou traumatizado.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">Vou muito pouco ao Guincho, mas tenho sempre muitas
saudades desse tempo, e sobretudo do sorriso do Sr. Américo e da Josefa. Nunca
me lembro deles sem estarem a sorrir para nós. Sorriam muito, sorriam sempre.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;"> Hoje o
progresso dá-nos muitas coisas melhores – mas acho que as pessoas sorriem
menos.</span></h1>
<h1 style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
<span style="color: windowtext; font-family: "Times New Roman"; font-size: 11pt; font-weight: normal; line-height: 115%;">(<i style="mso-bidi-font-style: normal;">In</i>
“Audácia”, revista juvenil dos Missionários Combonianos, número de Junho 2012)</span></h1>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-right: 2.2pt; text-align: justify;">
</div>Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-8801567394328934562012-06-15T16:06:00.001+01:002012-07-17T21:06:51.951+01:00Mário Castrim<div style="color: blue; text-align: justify;">
Por Alice Vieira </div>
<div style="color: blue; text-align: justify;">
AMIGOS </div>
<div style="color: blue; text-align: justify;">
Mário Castrim morreu há dez anos. Lembrando a data, a Editora Caminho vai apresentar dois dos seus livros –a reedição de “ESTAS SÃO AS LETRAS” e “VIAGENS NA CASA” – no próximo dia 20 deste mês de Junho, às 18h30m, na Livraria Bucholz.<br />
A apresentação será feita pelo escritor António Carlos Cortez, e haverá amigos que irão recordá-lo.<br />
Gostaríamos que fosse um encontro festivo e que, tanto os que foram seus amigos, como os que já não o conheceram, nos acompanhassem.
Esperamos por todos (e não, não há jogo de futebol nesse dia…)</div>Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-34815433026705540022012-06-09T13:14:00.000+01:002012-06-09T13:18:32.722+01:00FICA…FICA…FICA…<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Por Alice Vieira </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">AQUILO</span></b><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;"> andava a matraquear-lhe na cabeça,
dias e noites a fio, ela nem acreditava nessas coisas de sonhos e presságios, e
mais não sei o quê, mas a verdade é que tinha de haver qualquer razão, não
podia ser por acaso que uma pessoa, de repente, desatava a recordar um filme
visto há mais de 50 anos, nem sequer um grande filme, nada de “ we’ll always
have Paris” ou “you can whistle, can you?”, nem sequer “me tarzan, you jane”,
filme anódino de que nem recordava o título.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Até tinha ligado ao
Francisco a perguntar que filme seria, mas ele não lhe deu grande ajuda,
preocupado em arranjar verbas para o novo projeto.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">A bem dizer, ela não se recordava de nada. Nem dos atores, nem da
história. Nada de nada, a não ser aquela cena (seria no princípio da história?
Seria no fim?) e aquela palavra, continuamente repetida: “fica, fica, fica!”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Vê a cena nitidamente, e a preto e branco. A mesa da cozinha, os
pais, os três filhos, e o que estava para ser adotado. Lembra-se que era um
miúdo muito complicado, muito difícil de aturar, e muito doente (que doença é
que não recordava, mas andava de muletas), e aquela era a altura em que se ia
decidir se ele ficaria a viver com eles ou não. Havia um jarro para onde cada
um tinha deitado um papelinho com o seu ”voto” : “stay” (fica) ou “go” (vai).
Depois, um deles (já não recorda qual),entregou a jarra ao miúdo, para que ele
desdobrasse os papelinhos e lesse a sentença. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">O miúdo olha para os papelinhos mas não reage. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">“Só sei ler termómetros”, murmura.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Então, sem qualquer troca de palavras, sem sequer uma troca de
olhares, uma das outras crianças faz o trabalho. Pega nos papelinhos e vai
lendo em voz alta, à medida que os desdobra, “stay…stay…stay…” – enquanto a
câmara foca o que realmente está escrito em todos: “go…go… go..”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Lembra-se de ter chorado que nem uma madalena a ver aquilo. Quase
tanto como com a morte da mãe do Bambi.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Mas agora já não é criança, e não entende por que, de repente,
aquilo não lhe sai da cabeça.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Foi então que ele ligou.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Ela teve dificuldade em conhecer-lhe a voz, mas de repente
lembrou-se de que o Sporting tinha ganho, e ele devia estar em casa de amigos a
festejar, e já devia ter bebido um pouco mais, como sempre fazia, no tempo em
que ainda viviam juntos. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">“Se eu tivesse vergonha na cara nem lhe respondia”, pensou, mas a
verdade é que lhe respondeu, como se nada se tivesse passado naqueles anos
todos em que ele não dera sinal de vida. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">E ele, com a voz doce que o álcool sempre lhe dava, a dizer coisas
parvas, a perguntar por amigos de há anos, e ela só a ver a cena do filme, e a
repetir “vai…vai…vai…”,mas lá bem dentro dela a vontade de dizer “
fica…fica…fica…” , e ele nem merecia nem nada, não era doentinho nem andava de
muletas nem ia ser adotado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Mas pela janela vinha o cheiro das laranjeiras do quintal, e era verão,
e o mundo estava todo lá fora.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Acabaram por combinar um jantar lá em casa ( “fica…fica…fica…”)
para dali a dias.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Deu consigo a rir que nem uma doida e, depois dos beijinhos da
praxe e do “ligo amanhã”, tinha tantas saudades tuas”, desliga, abre o computador
e manda um mail ao Francisco:</span></div>
<div style="border-bottom: solid windowtext 1.0pt; border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-element: para-border-div; padding: 0cm 0cm 1.0pt 0cm;">
<div class="MsoNormal" style="border: none; line-height: 200%; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-padding-alt: 0cm 0cm 1.0pt 0cm; padding: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">“ainda está de pé o convite para escrever a tal telenovela?”</span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">-<i> </i></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; line-height: 200%;"><i>In </i>“Activa”, Junho 2012</span></div>
</div>Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-72719284821533715482012-06-02T08:41:00.001+01:002012-06-02T08:45:40.543+01:00O CHEIRO DO JASMIM<br />
<span style="color: blue;">Por Alice Vieira</span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;"><b>ERA SEMPRE</b> a mesma coisa, estava pior que os
cãezinhos de Pavlov, e já tinha tido mais que tempo de se esquecer de tudo
isso.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;">Toda a gente morta há já um ror de anos, e ela
sempre a lembrar-se do mesmo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;">A rapariga a deitar-lhe o chá na chávena e ela,
mesmo sem querer, a recusar, “não, jasmim não!” </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;">É por isso que lá em casa as pessoas dizem que
ela é alérgica ao jasmim, coisa que a nora, vegetariana de nascença, não
entende e, nos primeiros anos de pertencer à família, ainda protestava “ nunca
vi ninguém alérgico ao jasmim!”.Como ninguém nunca lhe respondeu, acabou por
desistir. Mas, ao fim destes anos todos, ainda a olha com desconfiança, e abana
a cabeça de cada vez que entram num restaurante chinês e ela recusa o chá.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Alergia. Claro. Que outra explicação poderia dar que os
outros aceitassem sem lhe chamarem doida?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Mas sabe que nunca poderá esquecer aqueles enormes dias de
verão, a voz cantada de Joaquina (Quininha, era assim que elas todas chamavam
àquela tia mais nova, naquele tempo em que as meninas usavam diminutivos e
laços na cabeça), eles todos na esplanada diante da praia, à espera de se irem
vestir para o jantar.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Era também no tempo em que as meninas acompanhavam a família
nos hotéis de verão e tinham de se vestir a preceito para o jantar. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">E pôr novas fitas no cabelo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Dia e noite o ar tinha sempre o mesmo cheiro.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Cheiro a jasmim, explicava Quininha.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Um cheiro que rebentava de todos os jardins, que entrava nas
pessoas, que se entranhava na roupa, que se misturava com as gargalhadas de
quem acreditava que era impossível envelhecer um dia.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Quininha dizia então:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">“O jasmim é que é o culpado das desgraças que por aí
acontecem.”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Ela era muito pequena e não percebia por que é que a tia
dizia aquilo, e por que é que as irmãs mais velhas desatavam a rir. Desgraças
eram desgraças, e na catequese estavam sempre a repetir que Deus castiga quem
se ri das desgraças dos outros.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Quininha sorria e continuava na dela:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">“Este cheiro a jasmim é o diabo…Quando entra em nós, já não
podemos fazer nada...”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Uma vez ela olhou para a tia tão fixamente que esta achou-se
na obrigação de explicar melhor, tia é tia.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">“ Nunca te chegues perto, Joaninha! Nunca! O cheiro do
jasmim é veneno!”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">“Veneno dos que fazem muito mal?”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">“Veneno dos que matam”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">E as irmãs riam, riam, e caíam as fitas do cabelo, e a mãe
fingia que não ouvia, e a avó, tentando disfarçar um sorriso, olhava para
Quininha e murmurava:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">“ Ai, rapariga, não tens mesmo juízo nenhum…” </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;">Depois passaram muitos anos, as pessoas foram
descobrindo que afinal se envelhecia, que o mundo não era já aquele imenso
jardim de verão diante do mar, com o cheio a jasmim a prolongar a felicidade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;">As pessoas foram morrendo, outras nascendo. E
ela, instintivamente, recuando sempre, quando se falava em jasmim. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;">Como os cãezinhos de Pavlov.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;"> Um dia,
no verão, disse para a filha:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;">“O jasmim é que é o culpado de muitas desgraças
que acontecem!”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;">Mas os tempos (e as filhas) eram diferentes. E
Elsa respondera que a comunicação social, essa sim, essa é que era a culpada de
toda as desgraças.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;">Nunca mais falou em jasmim.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;">A não ser para dizer que é alérgica, quando
tentam encher-lhe a chávena de chá.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 5.5pt; margin-right: 1.75pt; margin-top: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="color: blue;"> -</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: black; margin: 0cm 1.75pt 0.0001pt 5.5pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="color: blue;"> </span><i style="mso-bidi-font-style: normal;">In</i> “Activa”, Maio 2012</div>Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-69570426349220742642012-05-15T10:45:00.000+01:002012-05-28T17:09:36.770+01:00O BAR DO RICK<span style="color: white;">.</span><br />
<div style="color: #3333ff; text-align: justify;">
Por Alice Vieira<br />
<br />
<span style="font-weight: bold;">QUANDO</span> eu era nova lembro-me de ter lido um romance do Augusto Abelaira em que uma das personagens, homem sem tempo para lides caseiras e com muitas outras coisas em que pensar, jantava sempre dois ovos estrelados, comidos diretamente da frigideira.<br />
De cada vez que estrelo ovos, lembro-me sempre disso, como se fosse uma cena transcendente e extraordinária, e fico com uma vontade doida de reler o livro. (Mas nunca tenho tempo, porque há sempre montes de livros que temos de ler, e as releituras vão ficando para tempos cada vez mais distantes).<br />
Mas a verdade é que há coisas assim, meio tontas às vezes, que estão sempre a vir à nossa cabeça, sem qualquer razão aparente.<br />
Lugares imaginados de que lemos tão rigorosas descrições em livros que acreditamos que existem mesmo a sério, e prometemos visitar assim que pudermos.<br />
Frases perfeitamente banais que recordamos de alguns filmes.<br />
Cantos de ruas sem nada que as distinga de outras, mas que ficam na nossa memória.(Havia uma rua no Bairro Alto, perto do antigo jornal “Diário de Lisboa”, que cheirava a açúcar queimado. É sempre esse cheiro que me entra pelo nariz quando lá passo ainda hoje – e ela não cheira a nada, segundo juram as outras pessoas.)<br />
Ou ainda aqueles sítios onde nunca estivemos, mas reconhecemos assim que lá chegamos. ( Isto tem um nome científico, é a sensação de “déjà vu”, ou seja, de já termos visto aquilo)<br />
Há muitos anos ia eu numa excursão a Marrocos. Fazia um calor insuportável, era Agosto. Ninguém, no seu juízo perfeito, vai a Marrocos em Agosto. Mas eu fui, e aguentei aquele forno com a ideia de, no fim da viagem – assim estava no programa – acabarmos em Casablanca.<br />
Vocês são todos muito novos, mas os velhotes como eu nunca poderão esquecer um filme dos anos 40 chamado “Casablanca”. Para muitos, foi e continua a ser o filme da nossa vida.<br />
Porque se estava em guerra e aquele era um filme contra a guerra, e ganhavam os bons.<br />
Porque Lisboa aparecia como um destino ansiado por todos : o lugar onde se podia apanhar um avião para a liberdade.<br />
Porque o Humphrey Bogart , que se chamava Rick e tinha um bar, acendia cigarros a olhar para a Ingrid Bergman, que se chamava Ilse, e não se queimava, e murmurava em voz rouca “here’s looking at you, kid”, qualquer coisa como “ estou a olhar para ti, miúda”, e recordava Paris como lugar único de amores eternos .<br />
E porque Sam tocava ao piano “As Time Goes By”, no bar do Rick, e quando entravam os alemães cantava-se a “Marselhesa” e nós nunca tínhamos visto nada assim, e ficávamos com vontade de fazer muitas coisas heroicas e de nunca deixar que os maus vencessem.<br />
Durante anos e anos tinha sonhado ir a Casablanca ver o bar do Rick. Sabia exatamente onde ficava, tinha na memória as suas paredes brancas, o portão de ferro forjado, os velhos sentados cá fora.<br />
Assim que a excursão chegou à cidade, não pensei noutra coisa.<br />
O guia era espetacular . Sabe-se lá porquê, tinha simpatizado comigo e com mais um casal inglês muito jovem, e, no fim do seu horário de serviço, despia a djellaba , vestia-se à europeu, e ia connosco ver coisas que não vinham nos programas turísticos.<br />
“Leva-me ao Bar do Rick!” – pedi-lhe, logo na primeira noite em Casablanca.<br />
Nunca esquecerei a gargalhada que lhe ouvi.<br />
“Outra!...” – repetia ele, sem parar de rir.<br />
Quando finalmente se recompôs, informou-me que todos os estrangeiros – sobretudo as estrangeiras…- assim que chegavam a Casablanca, vinham doidas para se enfiar no bar do Rick, possivelmente à espera do fantasma do Humphrey Bogart a acender cigarros sem olhar para eles, a sonhar com um avião para Lisboa, e para sempre preso à eternidade de um amor em Paris.<br />
“O pior…”, explicou ele, “o pior… o pior é que não há nenhum bar do Rick em Casablanca! Nem nunca houve!”<br />
“Como não há! Claro que há! “, insistia eu. “Sei perfeitamente onde é, acho mesmo que até passámos por ele no autocarro, quando chegámos esta tarde!”<br />
Mas a verdade, a dura verdade, é que não havia mesmo.<br />
Tudo tinha sido uma reconstituição. Tudo tinha sido filmado nos estúdios americanos, onde o filme era realizado.<br />
Acho que nunca me recompus da desilusão. Pior: acho mesmo, à distância de mais de trinta anos, que o guia me enganou escandalosamente, e que, lá bem pelo meio das sinuosas ruas de Casablanca, o bar do Rick continua ainda agora à minha espera, com os acordes da Marselhesa a darem-nos ânimo para fazermos muitas coisas heróicas e para que os maus não vençam.</div>
<br />
Revista juvenil “Audácia”, Maio 2012Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-56438725430667826292012-05-02T14:41:00.000+01:002012-05-02T14:41:00.102+01:00Rainha precisa-se<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
</w:Compatibility>
<w:BrowserLevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel>
</w:WordDocument>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" LatentStyleCount="156">
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin:0cm;
mso-para-margin-bottom:.0001pt;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:10.0pt;
font-family:"Times New Roman";
mso-ansi-language:#0400;
mso-fareast-language:#0400;
mso-bidi-language:#0400;}
</style>
<![endif]-->
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="color: blue;">Por Catarina
Fonseca</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<b>O MUNDO</b> tem
mais uma rainha. Chama-se, como qualquer plebeia ali da Musgueira, Estela
Sílvia (o Sílvia ser da avó não é desculpa) e é sueca. Isto para vos dizer que,
estando eu nessa altura na Suécia, tiveram que me amarrar para não comprar
todas as revistas – em sueco – com a história da Lilla (pequena) Estelle. </div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
À vinda,
fiquei na sala de embarque a remoer em duas coisas: por que é que eu, uma
republicana convicta, era tão fã de realeza, e porque é que não havia uma
sex-shop no aeroporto. Já estava imaginar uma data de suecos em delírio a
embarcarem com bonecas insufláveis e algemas de renda. Bem, não se entusiasmem
que o tema não é esse.</div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
No tempo da
minha avó, ela e as amigas votavam todas as semanas na Maria de Lurdes Resende
para Rainha da Rádio. E eu era obrigada a ler a ‘Hola!’ em voz alta de fio a
pavio, revista que começava invariavelmente com um artigo com a princesa
Carolina en um rincón de su hogar. </div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Hoje não
temos nada assim. Falta-nos isso, que não era pimbice, era a nossa necessidade
de rainhas. A nossa necessidade de cor-de-rosismo na vida. De vestidos e tiaras
e princesas Disney. Temos a ‘Caras’, mas não é a mesma coisa. E temos os
Óscares, mas é pouco, porque os atores e atrizes não estão suficientemente
longe de nós para funcionarem como sonho. São só um sonhozinho. Assim
pequenito, como a Lilla Estela. </div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
O T.S. Eliot
dizia que a Humanidade não consegue aguentar demasiada realidade. Às vezes,
sinto que é isso que temos agora. Demasiada realidade. Já não aguento revistas
a mandarem-me poupar e a dizerem-me como é que eu hei de ser feliz mesmo assim
pobre como estou, ou sobre pessoas que deram a volta à crise criando
fantásticos negócios. </div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Quero a
rainha a que tenho direito. Não quero uma Lilla Estela adotada. Tenho vontade
de raptar a Lilla Estela aos suecos.</div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Depois li um
artigo espanhol sobre japoneses sem sexo. Um em cada três japoneses não tem
sexo não porque não haja japonesas, mas porque, basicamente, dá trabalho. Dá
mais trabalho satisfazer a namorada do que passar horas a ver filmes porno,
jogar jogos de vídeo porno ou, cúmulo da originalidade, ir a Cafés de Gatos
(literalmente, não gatos como o Bradley Cooper) apaziguar a falta de relações
humanas acariciando felinos. Também para estes japoneses o mundo é demasiada
realidade, mas responder com uma substituição total não foi uma boa ideia... </div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Resultado:
as japonesas estão a dar em malucas (os japoneses presume-se que já tenham
dado, há muito tempo) e as ocidentais fazem a si próprias a pergunta: será que
este cenário é uma exceção ou uma previsão? </div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Isto
aparentemente não tem nada a ver com rainhas porque ainda não se fez nenhum
documentário sobre rainhas sem sexo (imaginem as dificuldades burocráticas, se
para apanhar a princesa Carolina en un rincón de su hogar já não deve ter sido
fácil) mas mostra como fantasia a mais também não é nada bom. Claro que mostra
muito mais como temos cada vez mais dificuldade em nos darmos aos outros, em
percebermos que não somos perfeitos e não podemos exigir isso a ninguém, mas
que ainda não se inventou nenhum jogo de computador que substitua a pele (e não
estou a falar da pele de gato). </div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Conclusão:
cuidado com as fantasias que arranja, mas não deixem de as ter, porque neste
mundo de troikas, é isso que nos protege. E sejam românticos: realizem o sonho
de alguma mulher (ou homem) que conheçam e mandem-lhe flores (não virtuais). E
boa primavera. </div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
«Passiva» de
Abril de 2012</div>Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-909873722962104512.post-18670716927238801332012-04-28T14:38:00.002+01:002012-04-28T14:39:40.716+01:00O fim do mundo (e dos feriados, que é pior)<br /><div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;">Por Catarina Fonseca</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;"><b>ÀS VEZES,</b> uma pessoa está sem
inspiração. Acordei assim. Raio de país mais cinzento. Raio de mês mais vazio.
Há dias que mais vale voltar para a cama. Tristemente, este não foi um deles.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;">Corri o Facebook à procura de
iluminação. Nada. Tirando fado, crise e futebol, nada. Então lembrei-me da
secção que o Miguel Esteves Cardoso tinha no ‘Independente’. Chamava-se
‘Encomendação das almas’, onde os leitores lhe davam o mote.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;">A má notícia foi quando
descobri que ninguém se lembrava da ‘Encomendação das Almas’. Os cotas têm
memória curta. O Google ainda não era nascido. E os mais novos nem sabem o que
foi o ‘Independente’. A boa notícia, é que pelo menos assim podia plagiar à
vontade. Pedi então a amigos e conhecidos que me ‘encomendassem’ qualquer
coisinha.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;">Prestimosamente, assim fizeram.
Passei a tarde a rir. Houve temas a sério: por que é que as mulheres riem mais
do que os homens; pessoas que foram morar para o campo; porque é que se
constroem tantas igrejas que parecem hospitais psiquiátricos finlandeses. Houve
temas a gozar com a minha cara e o meu drama: Como passar uma tarde de Inverno
a colecionar selos; A plantação de cebolas e os fundos comunitários do QREN; A
literatura búlgara na segunda metade do século XVIII; como fazer mergulho na
costa da Jordânia; A importância do sudoku nas salas de embarque dos
aeroportos; porque é que as mulheres não sabem mudar o pneu de um carro (hmmm.
E quantos homens saberão?); A vida e obra de Ângela Merkel em quatro volumes;
Uma ode ao António Zambujo; Uma ode ao Jerónimo de Sousa; As amantes do
ministro húngaro dos negócios estrangeiros; O impacto da Bimby nos homens que
vivem sozinhos. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;">Quando a malta começou a votar
em massa nas cebolas e nas amantes do ministro húngaro, achei que era tempo de
falar daquilo que mais oprime os portugueses: o roubo dos feriados.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;">Não sei que raio de contas
eles fizeram, mas não me parece que quatro dias façam um rombo assim tão grande
na economia do país. É tão ridículo como a meia hora de trabalho extra. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;">Quem é que queremos enganar?
Toda a gente sabe que ninguém passa o 5 de Outubro a meditar na República ou o
1 de Dezembro a dizer ‘ai que bom que não somos espanhóis’, e contam-se pelos
dedos os fiéis que celebram o Corpo de Deus. Mas a malta precisa de balões de
oxigénio para ir mantendo a sanidade num país onde ela não é muito acarinhada. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;">O que interessa é que isto é o
princípio do fim: qualquer dia tiram-nos os 25 de Abril (nada de instigar o
povo à revolução), o 1º de Maio (o dia do trabalhador deve ser passado,
precisamente, a trabalhar), o Carnaval (já chega de palhaçadas), o Dia de
Portugal (qual Portugal?) e todos os feriados religiosos (afinal, isto é um
Estado laico) exceto o Natal, que é bom para o comércio. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="color: blue; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia;">De qualquer maneira, nada
disto interessa. A minha colega Bárbara que fez o artigo do fim do mundo acaba
de me dizer que não adianta nada o saquinho dos terramotos porque isto vai
mesmo tudo a eito, e nada vai voltar a ser o mesmo. Ó céus. E achava eu que
janeiro era um mês sem graça.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Georgia;">«Passiva» de Janeiro de 2012 </span></div>Alice Vieirahttp://www.blogger.com/profile/15979845333067098044noreply@blogger.com0