Por Alice Vieira
PARA ESQUECER maleitas e desgraças afins, nada melhor do que enchermo-nos de coragem…e desatar a rasgar papéis.
Mas às vezes temos de parar.
Porque de repente nos cai nas mãos, vinda sabe-se lá donde, memória de um tempo que julgávamos esquecido, ou em que já não pensávamos há anos.
Uma fotografia.
Olho para ela e lembro-me de tudo.
E porque os nossos chefes de redacção nos ensinavam que devíamos sempre escrever todos os elementos nas costas das fotografias, esta, que tem o carimbo do DN, diz-me que foi tirada no Teatro da Trindade, a 20 de Setembro de 1978, pelo meu camarada de redacção Luís Saraiva. Os fotografados são Anna Máscolo e Anton Dolin.
Acho que me lembro deste dia do princípio ao fim. Da entrevistas que fiz a ambos, da conversa que se prolongou tarde fora, da verdadeira força da natureza que era (e é…) a Anna, ao lado da aparente fragilidade do Anton Dolin - e eu nas nuvens, porque estava a falar com dois monstros da dança. Fiquei amiga da Anna até hoje.
Sorrio para a fotografia, e tenho a certeza de que nenhum chefe de redacção me daria hoje uma página inteira do jornal do dia (e o DN tinha ainda aquele formato gigantesco!) para eu encher com uma conversa sobre Dança.
E porque estas coisas andam todas ligadas, penso no pouco espaço que há hoje para a cultura, na pouca atenção dos governantes – como se ela fosse dispensável, uma espécie de traste que herdámos dos antepassados e estamos mortinhos por deitar fora. Daí que nem me espante a ideia de acabar com o Ministério da Cultura.
E agora deixem-me terminar esta crónica com uma história do século passado.
Durante a guerra, a Inglaterra fazia esforços titânicos para se aguentar com as despesas. Um dia propuseram a Churchill, para ajudar o “esforço de guerra”, como então se dizia, cortes muito substanciais na cultura.
Churchill recusou. Sem a cultura, “what are we fighting for?” (“por que é que estamos a lutar?”)
Outro tempo, claro.
Outra gente também.
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«JN» de 3 Jun 11
PARA ESQUECER maleitas e desgraças afins, nada melhor do que enchermo-nos de coragem…e desatar a rasgar papéis.
Mas às vezes temos de parar.
Porque de repente nos cai nas mãos, vinda sabe-se lá donde, memória de um tempo que julgávamos esquecido, ou em que já não pensávamos há anos.
Uma fotografia.
Olho para ela e lembro-me de tudo.
E porque os nossos chefes de redacção nos ensinavam que devíamos sempre escrever todos os elementos nas costas das fotografias, esta, que tem o carimbo do DN, diz-me que foi tirada no Teatro da Trindade, a 20 de Setembro de 1978, pelo meu camarada de redacção Luís Saraiva. Os fotografados são Anna Máscolo e Anton Dolin.
Acho que me lembro deste dia do princípio ao fim. Da entrevistas que fiz a ambos, da conversa que se prolongou tarde fora, da verdadeira força da natureza que era (e é…) a Anna, ao lado da aparente fragilidade do Anton Dolin - e eu nas nuvens, porque estava a falar com dois monstros da dança. Fiquei amiga da Anna até hoje.
Sorrio para a fotografia, e tenho a certeza de que nenhum chefe de redacção me daria hoje uma página inteira do jornal do dia (e o DN tinha ainda aquele formato gigantesco!) para eu encher com uma conversa sobre Dança.
E porque estas coisas andam todas ligadas, penso no pouco espaço que há hoje para a cultura, na pouca atenção dos governantes – como se ela fosse dispensável, uma espécie de traste que herdámos dos antepassados e estamos mortinhos por deitar fora. Daí que nem me espante a ideia de acabar com o Ministério da Cultura.
E agora deixem-me terminar esta crónica com uma história do século passado.
Durante a guerra, a Inglaterra fazia esforços titânicos para se aguentar com as despesas. Um dia propuseram a Churchill, para ajudar o “esforço de guerra”, como então se dizia, cortes muito substanciais na cultura.
Churchill recusou. Sem a cultura, “what are we fighting for?” (“por que é que estamos a lutar?”)
Outro tempo, claro.
Outra gente também.
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