Por Alice Vieira
HÁ MUITOS, muitos anos, eu tive a vossa idade.
“Ainda havia dinossauros?”, perguntou-me há dias o meu neto
mais novo.
Não, realmente JÁ não havia dinossauros.
Mas AINDA não havia televisão, nem computador, nem
telemóvel, nem iPOD, nem MP3, nem Playstation, nem uma série de outras
maravilhas, indispensáveis na nossa vida actual.
Mas o facto de elas não existirem não impediu que – no meio
de uma infância difícil, solitária e pouco afectuosa - eu fosse uma criança
feliz.
E essa felicidade devo-a aos livros que li — e, muito
especialmente, aos livros de um senhor chamado Adolfo Simões Muller.
Adolfo Simões Muller sabia muitas histórias, e levou toda a
sua vida a contar histórias.
Os seus livros estavam cheios de heróis, de artistas, de
exploradores, de aventureiros, e ele contava as suas histórias como se eles
vivessem mesmo ali ao nosso lado, como se, de repente, entrassem pela nossa
casa dentro, como se fossem nossos amigos, com quem pudéssemos passar a tarde
inteira a conversar.
As personagens dos seus livros foram os amigos verdadeiros
que tive na minha infância.
Atacada sempre por muitas doenças, eu sonhava com a noite em que Florence Nightingale
(enfermeira inglesa, famosa pela sua actuação na Guerra da Crimeia, no séc. 19,
e personagem de “A Lâmpada Que Não Se Apaga”) chegasse à beira da minha cama,
pusesse a mão na minha testa e espantasse a febre para muito longe.
E quando vinha o frio, eu recordava sempre a cena em que
Madame Curie (cientista, que descobriu o rádio, Prémio Nobel por duas vezes, e
personagem de “A Pedra Mágica e a Princesinha Doente”) estudante quase na
miséria, quando se deitava punha a cadeira do quarto em cima da cama, para ter
a ilusão de mais calor.
Com os livros de Adolfo Simões Muller, eu aprendi que a
nossa vida era aquilo que nós conseguíssemos fazer dela.
Com o “Príncipe do Mar” (que têm agora em vossas mãos), eu
aprendi a ter orgulho do povo a que pertenço — que se meteu à aventura sobre
águas desconhecidas, rumo a terras desconhecidas, ouvindo as vozes de então
garantir que a linha do horizonte era o fim do mundo, e que para lá do fim do
mundo havia só dragões.
Mas o Infante D. Henrique sabia que nada disso era verdade,
que havia muitas terras para lá daquela linha que a nossa vista alcançava, e
descobri-las foi o sonho e o trabalho de toda a sua vida.
E a realização desse sonho foi tão importante que, com
tantos infantes que a nossa história teve, ainda hoje quando dizemos “O
Infante” — é sempre a ele que nos referimos.
Os livros do Adolfo Simões Muller têm atravessado gerações.
Os meus filhos leram-nos, e deram-nos aos filhos que depois tiveram.
É bem possível que os teus pais e os teus avós os tenham
também lido.
Agora é a vossa vez.
E só lhes peço que, depois de lerem (e relerem…) este “Príncipe
do Rio”, o guardem com muito cuidado na vossa estante.
Para um dia chegar em bom estado às mãos dos vossos filhos,
e deles às mãos dos vossos netos.
Que, muito possivelmente irão olhar para vocês e perguntar:
- No vosso tempo ainda havia dinossauros?...