Por Alice Vieira
- Ó PROFESSORA, que prazer levá-la no meu táxi!”
Depois de um dia de muito trabalho, agrada-me ser recebida tão efusivamente, embora emende o tratamento, e diga que não sou professora, mas ele ri-se e diz “claro que é, então eu não sei!, até já foi à escola dos meus netos!”
Desisto, enquanto ele fala, olhando de vez em quando pelo retrovisor a ver se estou a segui-lo.
Conta-me a vida toda, desde os tempos difíceis de infância numa aldeia perto da Guarda, onde só se lembra de ter calçado sapatos no dia em que foi fazer o exame da 4ª classe, até à ida para África e o regresso em 75.
Tudo para me explicar o amor pela sua professora, e o desgosto que sentiu quando ela morreu, “igual ao que senti pela morte da minha mãe”, garante.
“Porque, ó Professora!, a nossa professora de instrução primária era mesmo importante! Agora é que já ninguém lhes liga nada, mas no meu tempo – olha pelo retrovisor e corrige--”no nosso tempo, a escola era uma coisa séria. E o que a gente aprendia!...”
Volta a olhar pelo retrovisor e eu aceno com a cabeça, claro, uma 4ª classe tirada há 50 e tal anos era outra coisa, e ele dá quase um salto, “outra coisa?? Era um curso superior! A gente saía a saber tudo! A gente fazia problemas complicados, a gente sabia rios, sabia serras…”
Nova piscadela pelo retrovisor.
“Ó professora, ainda se lembra das serras? Era assim, deixe cá ver… Peneda, Suajo, Gerês, Arga…” E lá vai ele serras acima, serras abaixo, entre curvas e contracurvas, e de repente estou a chegar a casa, e ele “Nogueira, Bornes, Marão…”, e eu “é já aí nessa esquina!”, e ele “Mogadouro, Moncorvo, Gralheira…”, e eu, “é mesmo aqui!”, e ele lá trava às quatro rodas, felizmente não há ninguém atrás de nós, pago, dá-me o troco, deseja-me muitas felicidades e, enquanto abro a porta, remata: “Leomil, Marofa e Lapa!”
Já vou a entrar em casa e ele, da janela do táxi, ainda grita “Era um curso superior, ó Professora!”
Certamente já a atacar as serras de outro sistema.
«JN» de 8 Abr 11
- Ó PROFESSORA, que prazer levá-la no meu táxi!”
Depois de um dia de muito trabalho, agrada-me ser recebida tão efusivamente, embora emende o tratamento, e diga que não sou professora, mas ele ri-se e diz “claro que é, então eu não sei!, até já foi à escola dos meus netos!”
Desisto, enquanto ele fala, olhando de vez em quando pelo retrovisor a ver se estou a segui-lo.
Conta-me a vida toda, desde os tempos difíceis de infância numa aldeia perto da Guarda, onde só se lembra de ter calçado sapatos no dia em que foi fazer o exame da 4ª classe, até à ida para África e o regresso em 75.
Tudo para me explicar o amor pela sua professora, e o desgosto que sentiu quando ela morreu, “igual ao que senti pela morte da minha mãe”, garante.
“Porque, ó Professora!, a nossa professora de instrução primária era mesmo importante! Agora é que já ninguém lhes liga nada, mas no meu tempo – olha pelo retrovisor e corrige--”no nosso tempo, a escola era uma coisa séria. E o que a gente aprendia!...”
Volta a olhar pelo retrovisor e eu aceno com a cabeça, claro, uma 4ª classe tirada há 50 e tal anos era outra coisa, e ele dá quase um salto, “outra coisa?? Era um curso superior! A gente saía a saber tudo! A gente fazia problemas complicados, a gente sabia rios, sabia serras…”
Nova piscadela pelo retrovisor.
“Ó professora, ainda se lembra das serras? Era assim, deixe cá ver… Peneda, Suajo, Gerês, Arga…” E lá vai ele serras acima, serras abaixo, entre curvas e contracurvas, e de repente estou a chegar a casa, e ele “Nogueira, Bornes, Marão…”, e eu “é já aí nessa esquina!”, e ele “Mogadouro, Moncorvo, Gralheira…”, e eu, “é mesmo aqui!”, e ele lá trava às quatro rodas, felizmente não há ninguém atrás de nós, pago, dá-me o troco, deseja-me muitas felicidades e, enquanto abro a porta, remata: “Leomil, Marofa e Lapa!”
Já vou a entrar em casa e ele, da janela do táxi, ainda grita “Era um curso superior, ó Professora!”
Certamente já a atacar as serras de outro sistema.
Olhe cara Alice Vieira, para lhe ser franco, declaro-me de completo acordo com o taxista que a conduziu.
ResponderEliminarProfessor, pode ser qualquer um que se disponha transmitir-nos, ceder-nos, oferecer-nos um conhecimento.
Para esta disponibilidade de dar o saber que se possui, encontro paralelo nos movimentos circulares de rotação e de translação que a Terra efectua, sobre o seu eixo, o que dá origem ao aparecimento do dia e da noite, e em volta do sol, que dá origem às estações do ano.
Afinal de contas, uma dinâmica cósmica a que estamos sujeitos e condicionados, mas que resulta em evolução.
Um curso de superior qualidade, sem dúvida, Senhor taxista!
;)