domingo, 27 de novembro de 2011

Recursos humanos

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Por Catarina Fonseca

AGORA JÁ NÃO SAÍMOS a dois, mas a três (e quando não a quatro) – eu, tu e o teu telemóvel. Desde quando é que começámos a precisar tanto de nos ‘partilhar’?

Toda a gente que me conhece sabe que eu sou uma facebookiana convicta. Mas esta coisa que há agora de só existirmos enquanto existimos para os outros assusta-me. No outro dia liga-me uma amiga minha a contar esta cena comovente: uma tarde destas de verão foi com um admirador beber um copo a uma esplanada. Vieram as bebidas, e ela vê-o sacar do telemóvel e tirar uma fotografia ao copo do daikiri. Passam-se minutos e minutos, e ele não larga o telemóvel. Às tantas, ela lá pergunta: - Olha lá, tu estás no Facebook? - E estava! Tinha postado a foto do copo mais uma legenda do tipo ‘Ai que lindo pôr do sol, como eu estou aqui bem’, e estava na converseta com os amigos e amigas, sem lhe ligar nenhuma a ela.

‘O que mais me deprimiu’, dizia ela, ‘é ele achar que devia tirar a foto ao copo...’

Percebi nos dias seguintes, quando contava esta história, que estes menages à trois – eu, tu e o teu telemóvel – eram recorrentes, e que a cena de postarem a foto do copo enquanto tomavam o dito era tão comum que só podia mesmo ter escapado à pessoa mais distraída do universo (eu). A partir daí, fui a desconfiança em pessoa. Desenvolvi um reflexo de Pavlov sempre que via um telemóvel. Nos dias seguintes, rosnava quando avistava um Nokia. Fez-me meditar nesta necessidade de nos ‘partilharmos’ constantemente com os outros. Sempre me ensinaram que existimos sozinhos – myself and my Creator – (eu e o meu Criador, dizia o Dr. Johnson, que é um fantástico exemplo para uma ateia, mas vocês percebem) Existimos e somos nós inteiros sem precisar do olhar dos outros. Agora já não...

A cena do telemóvel, além de recorrente, tem ‘adendas’ ainda mais requintadas. “Eu e o meu namorado estávamos completamente apaixonados”, contou-me outra amiga. “Até que, em pleno fim de semana romântico, ele me fez essa cena do telemóvel. Achei estranho, não me perguntes porquê. Cheguei a casa, e criei um alter ego no Facebook. Ele ‘amigou-me’ logo, claro que sem saber que era eu. Então perguntei-lhe se era comprometido. Resposta dele: Sou, mas não hei de ser por muito tempo...”

Fiquei a pensar até que ponto esta facilidade de comunicações – telemóveis, facebooks, mailes – nos está a afastar das conversas difíceis. Conheço várias pessoas que foram despedidas por mail – o mesmo para todas, note-se – sem que o patrão se tivesse dado sequer ao trabalho de lhes ligar, quanto mais ter uma conversa cara a cara (e ainda teve a lata de acrescentar: ‘Apareça quando quiser, está em sua casa’ e não era uma piada).

O ‘cara a cara’ sempre nos assustou, mas agora temos possibilidade de fugir dele, e fugimos sem que isso nos tire o sono. Já não há pessoas, há ‘recursos humanos’ – duas palavras que, não sei se repararam, são mutuamente exclusivas: quando somos um ‘recurso’, qual é a humanidade possível? Como dizia a Lídia Jorge, já não há museus, há ‘equipamentos culturais’. Podem dizer-me que isso são só palavras. Mas são as palavras que constroem o nosso mundo.

Cansada de pensar, que está demasiado calor para isso, fui ‘partilhar’ tudo isto com a minha amiga Tininha, que é uma alma sábia. Ela ouve (ou talvez não), levanta uma sobrancelha e recita: ‘Toda à vida fui pastor, toda a vida guardei gado, e tenho uma cova no peito ai ai de me encostar ao cajado.’

É o que dá tentar discutir sociologia com insensíveis.

«Activa» de Agosto 2011

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

ENTÃO É ASSIM

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Por Alice Vieira

A IRMÃ dizia-lhe sempre “não te metas!”, mas nunca fazia caso.
Naquele dia também não. Olhou para o miúdo a arrumar carros, sujo, calças esburacadas, corpo que não devia ver água há eternidades, e meteu logo conversa. A princípio as respostas não passaram de grunhidos acompanhados de encolher de ombros, mas ao fim de algum tempo já sabia que largara a escola, não tinha poiso certo, andava por ali a fazer pela vida.

- E não gostavas de voltar à escola?

Novo encolher de ombros, e um assobio para um possível freguês.
Ela não desistia às primeiras e por ali ficou, a tentar conhecer mais da vida do rapaz que, por essa altura, já sabia que se chamava Chico.
Assim que chegou a casa agarrou-se ao telefone e ao computador, ligou para meio mundo e mandou mensagens para o outro meio, mexeu todos os cordéis e guitas que estavam ao seu alcance, meteu a paróquia e a empresa ao barulho – e, em poucas semanas, o Chico voltava à escola, e dormia num centro de acolhimento.
De vez em quando aparecia-lhe em casa à hora de jantar. Aproveitava para ter uma refeição decente enquanto lhe dava notícias, e às vezes ficavam algum tempo na conversa.
Depois deixou de aparecer, o que ela nem estranhou, quando chegam a homens têm outras prioridades na vida.
Um dia bateram à porta.
Foi abrir.
Um homem sorria para ela.

- Então já não se lembra de mim? Sou o Chico!

Grandes exclamações, grandes abraços, “deixa-me olhar bem para ti!”, ele a pedir desculpa de nunca mais ter dito nada “mas a vida não tá fácil!”, e logo a seguir explica ao que vem:

- Então é assim: vou-me casar e queria convidá-la para madrinha!
Ela espanta-se, se “a vida não tá fácil” e com esta crise, como vai ser? Ele tranquiliza-a e diz que há uns tempos que tem a vida estabilizada - “graças a si, tudo graças a si!” — trabalha num ferro-velho que pertence a um vizinho.

Ela estremeceu ligeiramente ao ouvir a palavra “ferro-velho”, teria ficado mais satisfeita se ele falasse de empresa, escritório, supermercado, call-center, enfim… Mas recompôs-se.
Aceita o convite, toma nota do dia, da hora e da igreja.
E no dia, na hora e na igreja certa lá está.
Não há grandes rituais preparatórios, o Chico aparece num carro e a noiva logo no carro atrás. Ele abre-lhe a porta e, antes de entrarem na igreja, vai apresentá-la.

- Esta é a Hortense!

Ela sorri para a noiva, a noiva sorri para ela, desengraçadinha mesmo pelo meio de quilómetros de tule a enfaixar-lhe a cara.
Sobem lentamente as escadarias da igreja, e ela começa a ouvir ruídos estranhos, olha em volta mas não vê nada, mas os ruídos continuam, ruídos de latas, de arames que se entrechocam, uma coisa assim…
Torna a virar a cabeça para ver se percebe donde vêm, olha para as escadas e, de repente, descobre que, à sua frente, a noiva se movimenta em duas próteses.
Não quer que ninguém perceba o seu choque, não quer voltar a olhar, a cabeça gira em todas as direcções, mas o Chico deu por isso.
Volta-se para trás, sorri-lhe, pisca o olho e murmura:

- Então…Foi o que se pôde arranjar…

Quando ao fim da tarde chegou a casa, a irmã ligou:

- Então, o casório?

Ela deu uma gargalhada.

- Não sei se terão muitos meninos, mas que vão ser felizes para sempre não tenho dúvidas!

E foi à procura de uma moldura para pôr o retrato que o Chico prometera mandar.

«ACTIVA» de Nov 2011

sábado, 19 de novembro de 2011

Amigas salva-vidas

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Por Catarina Fonseca

OS AMIGOS são a nossa rede afetiva: como sobreviveríamos, sem eles?

Penso muitas vezes que, se não tivesse amigos, a minha vida seria desesperada. É verdade que também penso isso se não tivesse sobrinhos, mãe, bacalhau à Brás, livros, festinhas e chocolate branco (não necessariamente por esta ordem) mas isso agora não interessa nada.

É triste mas só me vêm frases kitsch à cabeça, como a dos amigos serem a família que se escolhe, ou que os amigos estão connosco mesmo quando não estão. Ter amigos é um bocadinho como estar apaixonado, mas sem os AVCs da paixão (ai tomem lá mais esta kitsch, isto hoje vai ser sem dó nem piedade). Se bem que há várias formas de se exercer uma amizade. Lembro-me de uma altura em que andava em baixo, e de ter dito à minha amiga Cristina, “Olha, posso ligar-te quando estiver desesperada?”. Depois comecei a ver a conta de telemóvel, e reformulei: “Olha, posso só pensar em ligar-te quando estiver desesperada?”

Há amigas que eu tenho há mais de 20 anos e que sobreviveram a casamentos e filhos e separações. Há quem tenha reencontrado e com quem tenha construído uma amizade que nunca tivemos quando éramos crianças ranhosas. Há quem eu tenha amado em pequena e se tenha afastado até não ter quase pontos de encontro comigo. Há as pessoas com quem trabalho, que eu não escolhi como não escolhi a minha família, mas que são a minha segunda família.

Também tenho amigos ‘virtuais’, que me animam de manhã quando acordei com nuvens, que têm sempre um ‘like’ para me sustentar. Ai irrita-me tanto aquela teoria que há agora de que o Facebook leva à solidão! Até porque geralmente quem diz isso é quem lá não está. Quem é solitário por definição nunca deixa de o ser, com ou sem FB.

É verdade que temos cada vez menos paciência para os outros. Uma coisa que me irrita é quando eu digo ‘Não querem vir jantar comigo? ‘ e respondem: ‘Ai não, vem tu cá a casa’. Mas a culpa não é do Facebook. Nunca deixei de ver os meus amigos ‘reais’ por causa dos ‘virtuais’. Pelo contrário: vejo-os muito mais agora. Conheço muito mais gente ‘em carne e osso’ desde que tenho gente – quê? Desossada? – a falar comigo. Há pessoas que eu nunca teria conhecido sem o FB, e sem as quais a minha vida agora – como sem chocolate branco e sem sobrinhos – seria desesperada. Todas as oportunidades para fazer amigos são boas: porquê perder mais esta, num mundo em que as pessoas já se encontram tão pouco? Entre não ter amigos nenhuns e ter um amigo internético, o que é que escolhiam? E entre ter só amigos ‘reais’ e ter os mesmos amigos reais mais outros amigos ‘virtuais’, o que é que escolhiam? E entre ter só amigos reais e ter amigos virtuais e mais amigos reais que começaram em virtuais, o que é que escolhiam?

Olhem, vão lá ligar aos vossos amigos. Não façam como eu, e não pensem só em ligar-lhes.

(Como já repararam, desta vez não estou sozinha. Estas são a Tininha e a Catarina. Estão aqui em representação das minhas amigas todas porque são as que consegui agarrar assim de repente sem que pudessem fugir – inda quiseram evadir-se mas o edifício é ‘inteligente’ e as janelas não abrem - e porque lhes disse que as desamigava se recusassem, e elas não tiveram outro remédio senão concordar de boa vontade).

«Activa» de Julho 2011

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

ÓDIO VELHO

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Por Alice Vieira

DE VEZ em quando ouvia-se a voz da mãe, do canto da sala:

- Não se esqueçam de levar o cão à rua.
- Esteja descansada – respondia ela, ou alguém que andasse por perto.

Raramente a mãe dizia fosse o que fosse.
Sentada diante da porta de vidro que dava para o jardim, ali ficava manhãs inteiras, silenciosa.
Nem mesmo quando às vezes os miúdos iam lá a casa ela mostrava algum tipo de emoção. Só o cão a preocupava.
Se não fosse o cuidado com o cão, Teresa era bem capaz de supor que ela perdera o uso da fala. Mas o médico já lhe dissera que era assim mesmo, e que muita sorte eles tinham de ela não ser violenta ou agressiva, como muitas nas suas condições.
Não havia cão nenhum lá em casa.
Nunca tinha havido cão nenhum lá em casa.
O pai sempre detestara animais (“animais só no Jardim Zoológico e em jaulas!”) e nem pensar em contradizê-lo. Quando morreu, Teresa e os irmãos já tinham todos saído de casa e, quando um deles sugeriu que um cão talvez fosse uma boa companhia para a mãe, agora sozinha naquele casarão, ainda para mais com jardim, ela disse zangou-se e disse que tinha mais que fazer do que criar animais, que além disso eram uma prisão.
Ninguém mais tocou no assunto, e o cão passou à história.
Às vezes Teresa punha música. Sentia que a rádio a enervava ligeiramente, por isso decidira-se por músicas calmas, uma ou outra ária de ópera, de que ela fora sempre fanática. Desde criança que se lembrava de ir a reboque dos pais e dos irmãos para o camarote no S. Carlos, e tentar, muitas vezes sem resultado, ficar acordada até ao fim.
Naquela tarde caíra-lhe no colo um CD que há dias Gabriel lhe dera. O irmão mais velho fôra o único a herdar a paixão da ópera, e vibrava imenso quando conseguia encontrar gravações históricas ou de intérpretes já esquecidos.
Como aquela, de uma brasileira de que ela nunca tinha ouvido falar - a bem dizer, em termos de Brasil, ela era mais Caetano e Bethânia - mas que o irmão garantia ter sido, no seu tempo, mais popular que a Callas.
Mostrou-o à mãe, que quase nem olhou para ele.

- A mãe alguma vez ouviu falar desta cantora? Bidu Saião… Nome estranho… Mas o Gabriel diz que o pai gostava muito…

Nem teve tempo de acabar a frase. Com uma energia há muito desaparecida, a mãe arranca-lhe o CD das mãos e atira-o pela porta fora.
Mais calma, murmura apenas:

- Se alguma vez a vires na escada, nunca a cumprimentes.

À noite, quando o irmão passou por lá, como sempre fazia antes de ir para casa,Teresa contou-lhe a história.

- Ódio velho não cansa, nunca ouviste dizer? –riu-se ele.
- Mas ela alguma vez conheceu esta .…
- Bidu Saião. Não, claro que não. Mas o nosso pai passava a vida a dizer “ a Fernandinha é tal qual a Bidu Saião…E canta tão bem como ela…
- A Fernandinha?
- Tu eras pequena e não te lembras. Era a nossa vizinha de cima, quando morávamos nas Avenidas Novas. Acho que estudava no conservatório. Lembro-me muito bem de o pai ficar imenso tempo à varanda, a olhar para cima, quando ela cantava…

Riram-se os dois.
Antes de sair, Gabriel foi até junto da mãe e murmurou:

- Com que então, ainda se lembra da Bidú Saião…

Mas a mãe já tinha regressado o seu mundo. Fez-lhe uma festa, sorriu, e disse:

- Não te esqueças de levar o cão à rua

ACTIVA de Outubro de 2011

sábado, 5 de novembro de 2011

A MALA DA ALICE - UM DESCONTO JUSTO

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Por Alice Vieira

APESAR de todas as maravilhas electrónicas que fazem tudo, a minha mala ainda anda cheia de coisas que, para a maior parte das pessoas, são olhadas como dignas de estar em museu.
Agendas.
De papel mesmo, e capas duras.
Aquela onde tenho os meus dias todos marcados até ao fim de 2012; e aquela onde assento todos os telefones e moradas e mails - e o que eu me rio quando algum amigo me telefona, desesperado porque o telemóvel lhe “comeu” todos os endereços…
“Tu, que tens os telefones de toda a gente, diz-me lá…” – e lá ficam a tomar nota.
Mas, para lá das agendas, e de toneladas de fotografias, e de postais e bilhetes que, por qualquer motivo especial, amigos especiais me mandaram e andam sempre comigo – trago sempre um calendário.
Normalmente é um amigo coleccionador que mos fornece porque eu, a bem dizer, nem sei onde é que eles hoje se vendem.
Dantes sabia: na tabacaria da D. Rita.
Mas a tabacaria da D. Rita há um ano que se transformou numa agência imobiliária.
Felizmente que, no ano passado, ainda ninguém no bairro pensava que a D. Rita teria de fechar as portas, ela ainda teve tempo de atender uma senhora de muita idade que entrou e perguntou:

- Tem calendários?

A D. Rita nem estava a perceber, há que tempos ninguém lhe pedia calendários, e ainda perguntou se era para consultar ou para comprar mesmo, mas a voz da senhora não admitia dúvidas, “claro que é para comprar, para que é que eu havia de querer consultar um calendário a meio da tarde?”
A D. Rita lá deu uma vista de olhos pela loja, onde raio teria ela enfiado os calendários, Janeiro não tardava e era bom que os tivesse mais à mão.
Lá os descobriu no cimo de tudo, devia ter sido o marido a atirá-los para lá, esticou-se e agarrou num deles.

- Pronto, aí o tem. São dois euros.

A senhora deu uma gargalhada.

- Você deve pensar que eu estou maluca… Dar dois euros por esta porcaria?

A D. Rita olhou bem para ela, uma rede finíssima por sobre o cabelo todo branco, quilos de pó de arroz sobre as rugas, casaco a imitar pele, decerto mais por falta de dinheiro que por convicções ecológicas, e lá se vai defendendo, dizendo que é um calendário muito resistente, plastificado, com uma bonita ilustração, e além disso chega até ao ano 2015, “isto a bem dizer até são cinco calendários num só! Está a ver? Cinco calendários! Fica-lhe a 40 cêntimos cada um! A bem dizer, até poupa!”
Lembro-me que estava ao canto da tabacaria, e até me comecei a rir porque aquela conversa toda parecia um anúncio de champô ou creme de banho, dois em um, mas a senhora olhou para mim e não achou graça.

- Olhe bem para a minha cara – disse ela, e tanto eu como a D. Rita obedecemos. Como nenhuma de nós dissesse nada, ali feitas parvas a olhar para ela, perguntou:
- Que idade é que me dão?

Continuámos em silêncio

- Estou quase com 90 – disse ela.

Aí a D. Rita desatou naquela conversa idiota, “ai mas nem parece nada!, eu sou muito mais nova que a senhora e ando para aqui toda torta, com a minha ciática que dá cabo de mim, e então quando vem o inverno a bronquite não me larga, e a sinusite é…
A senhora cortou-lhe o rol de desgraças:

- Mais me ajuda. Se você, que é nova, já está assim, imagine o que seria de mim se durasse mais cinco anos! Claro que não duro! E vocês acham que vou dar dinheiro por uma coisa que quase de certeza não vou usar? Para que quero eu um calendário que dure cinco anos, se de certeza eu não vou durar mais cinco anos?

A D. Rita já não sabia que mais havia de dizer

- Então fazemos assim – disse a senhora – eu levo o calendário se me fizer um desconto.
- Um desconto? Mas o calendário custa dois euros! E serve para cinco anos! Praticamente fica a 40 cêntimos cada…
- Eu ainda sei fazer contas. Mas quero um desconto. Um desconto pelos calendários que não vou ter tempo de usar.

Parou por momentos e depois murmurou:

- É justo, não é?

A D. Rita olhou para ela, e depois para o calendário, que afinal eram cinco, e de novo para ela, esperando que, apesar da ciática e da bronquite, o ano de 2015 as encontrasse ali de novo, entre jornais, revistas, papelada – sem poder imaginar que, dali a uns tempos, viria uma agência imobiliária fechar-lhe a porta e empurrá-la para novas paragens.

- Justíssimo – disse, passando-lhe o calendário para as mãos.
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AUDÁCIA de Nov 2011