Por Alice Vieira
POR TODA a parte se ouvem as mesmas notícias.
Nas rádios, nas televisões, nos jornais.
Atenas a ferro e fogo.
Ouço palavras como “Syntagma” e “Omonia” – e, de repente, estou sentada numa das suas esplanadas, bebo café, e os meus filhos, que ainda não têm dez anos, bebem copos de leite e riem porque vieram acompanhados de enormes copos de água, coisa que em Lisboa não acontece.
Acabámos de chegar de mais uma ida ao Parthénon, estamos cansados.
Aterrámos em Atenas há uma semana, no meio de um mês de dezembro claríssimo e de uma aragem quase morna.
Eles esmeram-se a dizer “kaliméra” quando entram na sala do pequeno almoço do hotel, e “kalispéra” no café onde lancham, embaralha-se-lhes um bocado a língua no “eukaristó”, acham divertido que à laranja se chame uma palavra tão parecida com Portugal, e não param de rir quando ouvem dizer que “sim” é “ne”, “uma coisa que se está mesmo a ver que é não!”
É a sua primeira viagem de adultos. Nada de Badajoz ou Mondariz, onde às vezes vão, de carro, nas férias grandes.
Desta vez meteu avião, transbordo para outro avião, e pisar uma terra de língua estranha, que eles conhecem apenas das histórias que o pai lhes conta.
Estamos em Atenas sem nenhum programa, na época baixa, com raros turistas. Não nos integrámos em nenhuma excursão, ninguém orienta os nossos passos nem gere o nosso tempo.
Por isso todos os dias subimos à Acrópole, aquelas escadas todas, as oliveiras de um lado e doutro, e eles a correrem por ali acima.
(Nem nos passa pela cabeça que um dia isso venha a ser proibido, e os visitantes tenham de ficar a olhar tudo de muito longe…)
Temos o privilégio de contar com a amizade de Teresa, uma guia só para nós – que fala um espanhol que conseguimos entender, e que os chama os dois pelo nome, assim que nos vê aparecer, depois de lhes ter explicado que têm ambos nomes de origem grega.
Senta-se no meio deles e fala-lhes de Péricles, e do que significa a palavra “democracia”. E fala dos heróis e dos deuses, e inventa histórias para todas aquelas pedras.
Para cada dia tem sempre uma história diferente.
Subir e descer a Acrópole dá-nos um cansaço bom, ao fim da tarde. E por isso nos sentamos na esplanada, o Soldado Desconhecido lá ao longe, a guarda nos seus trajos típicos.
Dentro de dias voltamos a casa, Dezembro vai a meio e há que preparar o natal familiar.
As crianças acabam de beber o leite, olham em volta, sabem que certamente não voltarão aqui tão cedo.
Então oiço a voz do meu filho, a perguntar:
- Ó mãe, onde estão agora os deuses?
Lembro-me que me ri, que a irmã (possivelmente com vontade de fazer a mesma pergunta…) olhou para ele com aquele ar sobranceiro que um ano a mais lhe permitia e resmungou “és mesmo parvo!”
E, na sequência das histórias de Teresa, devo ter inventado uma história qualquer num distante Olimpo, onde estariam todos a velar por nós, porque era esse o trabalho que competia a um deus. Sobretudo a um deus grego.
Mas agora, de repente, diante dos meus olhos tenho as imagens de Atenas a ferro e fogo, as praças Syntagma e Omonia transformadas em campos de batalha, ruas incendiadas, lojas saqueadas, feridos, a polícia a carregar em quem protesta.
E eu não sei por que de repente me lembrei destes dias de paz em Atenas, há mais de trinta anos, com um filho pequeno em cada mão.
Se calhar, apenas por que de repente também me apeteceu perguntar:
- Onde estão agora os deuses?
-POR TODA a parte se ouvem as mesmas notícias.
Nas rádios, nas televisões, nos jornais.
Atenas a ferro e fogo.
Ouço palavras como “Syntagma” e “Omonia” – e, de repente, estou sentada numa das suas esplanadas, bebo café, e os meus filhos, que ainda não têm dez anos, bebem copos de leite e riem porque vieram acompanhados de enormes copos de água, coisa que em Lisboa não acontece.
Acabámos de chegar de mais uma ida ao Parthénon, estamos cansados.
Aterrámos em Atenas há uma semana, no meio de um mês de dezembro claríssimo e de uma aragem quase morna.
Eles esmeram-se a dizer “kaliméra” quando entram na sala do pequeno almoço do hotel, e “kalispéra” no café onde lancham, embaralha-se-lhes um bocado a língua no “eukaristó”, acham divertido que à laranja se chame uma palavra tão parecida com Portugal, e não param de rir quando ouvem dizer que “sim” é “ne”, “uma coisa que se está mesmo a ver que é não!”
É a sua primeira viagem de adultos. Nada de Badajoz ou Mondariz, onde às vezes vão, de carro, nas férias grandes.
Desta vez meteu avião, transbordo para outro avião, e pisar uma terra de língua estranha, que eles conhecem apenas das histórias que o pai lhes conta.
Estamos em Atenas sem nenhum programa, na época baixa, com raros turistas. Não nos integrámos em nenhuma excursão, ninguém orienta os nossos passos nem gere o nosso tempo.
Por isso todos os dias subimos à Acrópole, aquelas escadas todas, as oliveiras de um lado e doutro, e eles a correrem por ali acima.
(Nem nos passa pela cabeça que um dia isso venha a ser proibido, e os visitantes tenham de ficar a olhar tudo de muito longe…)
Temos o privilégio de contar com a amizade de Teresa, uma guia só para nós – que fala um espanhol que conseguimos entender, e que os chama os dois pelo nome, assim que nos vê aparecer, depois de lhes ter explicado que têm ambos nomes de origem grega.
Senta-se no meio deles e fala-lhes de Péricles, e do que significa a palavra “democracia”. E fala dos heróis e dos deuses, e inventa histórias para todas aquelas pedras.
Para cada dia tem sempre uma história diferente.
Subir e descer a Acrópole dá-nos um cansaço bom, ao fim da tarde. E por isso nos sentamos na esplanada, o Soldado Desconhecido lá ao longe, a guarda nos seus trajos típicos.
Dentro de dias voltamos a casa, Dezembro vai a meio e há que preparar o natal familiar.
As crianças acabam de beber o leite, olham em volta, sabem que certamente não voltarão aqui tão cedo.
Então oiço a voz do meu filho, a perguntar:
- Ó mãe, onde estão agora os deuses?
Lembro-me que me ri, que a irmã (possivelmente com vontade de fazer a mesma pergunta…) olhou para ele com aquele ar sobranceiro que um ano a mais lhe permitia e resmungou “és mesmo parvo!”
E, na sequência das histórias de Teresa, devo ter inventado uma história qualquer num distante Olimpo, onde estariam todos a velar por nós, porque era esse o trabalho que competia a um deus. Sobretudo a um deus grego.
Mas agora, de repente, diante dos meus olhos tenho as imagens de Atenas a ferro e fogo, as praças Syntagma e Omonia transformadas em campos de batalha, ruas incendiadas, lojas saqueadas, feridos, a polícia a carregar em quem protesta.
E eu não sei por que de repente me lembrei destes dias de paz em Atenas, há mais de trinta anos, com um filho pequeno em cada mão.
Se calhar, apenas por que de repente também me apeteceu perguntar:
- Onde estão agora os deuses?
«Tempo Livre» de Março de 2012