Por Alice Vieira
DESLIGOU o telemóvel e ficou no meio do quarto, sem saber o que fazer.
Ouvia ainda a voz dele:
- Chego mais cedo. Temos de conversar.
Assim, seco. Nem sequer aquele habitual “estás onde?”, que nestes tempos de novas tecnologias substitui o velho e honrado “está lá?” Nem sequer o “beijinhos”, que nestes tempos de novas tecnologias substitui o velho e honrado “adeus, com licença”.
Uma frase curta e estava tudo dito.
Saiu do quarto e andou por ali, feita barata tonta, abrindo gavetas, fechando gavetas, tentando, por todas as maneiras, obter um sinal, uma pista nem ela sabia ao certo de quê.
Mas a verdade é que já há uns tempos o notava muito estranho. Chegava a casa e enterrava-se no sofá diante da televisão, pouco falava, chegou até a pedir-lhe um gin, ele que apregoava aos sete ventos que bebida a sério só mesmo vinho tinto.
Por várias vezes também tinha notado que ele desligava rapidamente o telemóvel se ela chegava perto, ou então mudava de conversa, naquele tom que as pessoas nesses casos habitualmente usam, voz mais alta, riso forçado - e que as denuncia imediatamente,…
Uma vez ia jurar mesmo que o tinha ouvido dizer qualquer coisa como “não a posso abandonar…”
Até as pernas lhe tremeram.
- Com quem falavas? – perguntou.
Ele inventou uma história qualquer de um colega de escritório, e ela fingiu acreditar.
Estava a acabar o jantar quando ele chegou.
De novo a secura do “temos de conversar”, e ela a limpar as mãos ao avental, a largá-lo na cozinha, e a segui-lo até à sala.
De repente vem-lhe à ideia uma situação semelhante, era ela miúda, o pai a chegar a casa e a chamá-la e à mãe, e elas diante dele, e ele a falar, a falar, e ela só a olhar para ele, sem ouvir uma palavra, a pensar que aquela gravata não condizia com a camisa, e que os sapatos precisavam de ser engraxados, e ele sempre a falar, e a mãe aos gritos, e depois ele a desaparecer pela porta da rua , e a mãe sem parar de chorar, e ela só a recordar a gravata velha e os sapatos sujos.
- Temos de conversar. – a voz do marido
Sentou-se à frente dele, esperando.
E então ele começou uma estranha e entaramelada conversa, de que ela não estava a perceber nada. Que aquilo tinha sido uma decisão difícil de tomar, ela que não pensasse que fora de ânimo leve porque não fora, mas que era a única solução.
- De qualquer maneira - disse - quero que saibas que esta será sempre a tua casa, e que tu terás sempre a última palavra. Se achares que isto é realmente uma loucura, que não vais suportar…
Parou, respirou muito fundo e acrescentou:
- Mas a verdade é que ela precisa de mim. Ela não diz nada mas, de cada vez que eu me venho embora percebo que aquilo que ela mais queria era que eu ficasse. Mas como isso não pode ser…Não vejo outra solução…
As pernas tremem-lhe, de repente deixa também de o ouvir, de repente também só tem olhos para a gravata que não condiz com a camisa, e para os sapatos que precisam de ser engraxados, só espera não desatar aos berros, não, com ela há-de ser tudo muito mais civilizado.
- Que solução? – consegue, finalmente, murmurar.
Ele olha bem para ela, tenta pegar-lhe na mão:
- A única que me pareceu possível: a partir do próximo mês, a minha mãe vem viver connosco.
«ACTIVA» de Março de 2012
DESLIGOU o telemóvel e ficou no meio do quarto, sem saber o que fazer.
Ouvia ainda a voz dele:
- Chego mais cedo. Temos de conversar.
Assim, seco. Nem sequer aquele habitual “estás onde?”, que nestes tempos de novas tecnologias substitui o velho e honrado “está lá?” Nem sequer o “beijinhos”, que nestes tempos de novas tecnologias substitui o velho e honrado “adeus, com licença”.
Uma frase curta e estava tudo dito.
Saiu do quarto e andou por ali, feita barata tonta, abrindo gavetas, fechando gavetas, tentando, por todas as maneiras, obter um sinal, uma pista nem ela sabia ao certo de quê.
Mas a verdade é que já há uns tempos o notava muito estranho. Chegava a casa e enterrava-se no sofá diante da televisão, pouco falava, chegou até a pedir-lhe um gin, ele que apregoava aos sete ventos que bebida a sério só mesmo vinho tinto.
Por várias vezes também tinha notado que ele desligava rapidamente o telemóvel se ela chegava perto, ou então mudava de conversa, naquele tom que as pessoas nesses casos habitualmente usam, voz mais alta, riso forçado - e que as denuncia imediatamente,…
Uma vez ia jurar mesmo que o tinha ouvido dizer qualquer coisa como “não a posso abandonar…”
Até as pernas lhe tremeram.
- Com quem falavas? – perguntou.
Ele inventou uma história qualquer de um colega de escritório, e ela fingiu acreditar.
Estava a acabar o jantar quando ele chegou.
De novo a secura do “temos de conversar”, e ela a limpar as mãos ao avental, a largá-lo na cozinha, e a segui-lo até à sala.
De repente vem-lhe à ideia uma situação semelhante, era ela miúda, o pai a chegar a casa e a chamá-la e à mãe, e elas diante dele, e ele a falar, a falar, e ela só a olhar para ele, sem ouvir uma palavra, a pensar que aquela gravata não condizia com a camisa, e que os sapatos precisavam de ser engraxados, e ele sempre a falar, e a mãe aos gritos, e depois ele a desaparecer pela porta da rua , e a mãe sem parar de chorar, e ela só a recordar a gravata velha e os sapatos sujos.
- Temos de conversar. – a voz do marido
Sentou-se à frente dele, esperando.
E então ele começou uma estranha e entaramelada conversa, de que ela não estava a perceber nada. Que aquilo tinha sido uma decisão difícil de tomar, ela que não pensasse que fora de ânimo leve porque não fora, mas que era a única solução.
- De qualquer maneira - disse - quero que saibas que esta será sempre a tua casa, e que tu terás sempre a última palavra. Se achares que isto é realmente uma loucura, que não vais suportar…
Parou, respirou muito fundo e acrescentou:
- Mas a verdade é que ela precisa de mim. Ela não diz nada mas, de cada vez que eu me venho embora percebo que aquilo que ela mais queria era que eu ficasse. Mas como isso não pode ser…Não vejo outra solução…
As pernas tremem-lhe, de repente deixa também de o ouvir, de repente também só tem olhos para a gravata que não condiz com a camisa, e para os sapatos que precisam de ser engraxados, só espera não desatar aos berros, não, com ela há-de ser tudo muito mais civilizado.
- Que solução? – consegue, finalmente, murmurar.
Ele olha bem para ela, tenta pegar-lhe na mão:
- A única que me pareceu possível: a partir do próximo mês, a minha mãe vem viver connosco.
Alicinha:
ResponderEliminarQue delícia de história! Depois de nos fazer imaginar coisas horríveis, dá-nos um fim, que ninguém adivinhava.
Eu, que fui nora e adorei a minha sogra, eu que tenho uma relação de mãe e filha com a minha nora, ri-me a pensar, como ficaria a minha cara, depois de ouvir um tal discurso. Não sei se ouviria o fim. Ciumenta como sou, se calhar não lhe dava tempo, para dizer que era a mãe.
Beijinho
Maria
Do mal o menos...
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