RECEBI ontem
um postal de um amigo muito querido, que anda agora por terras de Espanha. Três
linhas, não mais – mas o suficiente para me iluminar o dia que, diga-se, andava
assim um bocado para o fusco.
Penso muitas
vezes no que seria de mim sem esta presença constante dos amigos .
Amigos que
escrevem cartas e postais: o Manel ensina-me o nome de todas as plantas que
cultiva lá em A-dos-Negros, acho que ainda não perdeu a esperança de me ver
ingressar no clube dos jovens agricultores; a Cristina manda-me desenhos e a
luz da ria vem com eles; a Marina descobre verdadeiras preciosidades do tempo
em que que éramos crianças; o António manda postais de todos os lugares onde
faz exposições; o Eduardo fala-me do seu Porto que ele tão bem fotografou; etc…
Amigos que
telefonam às horas mais improváveis — sem terem nada de transcendente para me
dizer…
Amigos que
me trazem pedras ou conchas ou folhas dos lugares por onde andaram, porque
sabem que essas são as verdadeiras prendas, as que não têm preço, as que
possuem real significado, as que guardo para sempre.
Claro que
lhes pago na mesma moeda — porque tem de haver sempre tempo para um amigo, se
não nos quisermos arriscar a um dia acordarmos e verificarmos que estamos
sozinhos.
Pocuramos
então os amigos… e qu’é deles?
Então depois
começam as lamúrias, ai que ingratos, ai que insensíveis, ai que isto, ai que
aquilo — sem nos perguntarmos se a culpa também não terá sido nossa.
Porque uma
boa rede de amigos prepara-se com antecedência (naquele tempo em que
pensamos que vamos ser jovens para sempre…), cultiva-se, aumenta-se, se possível . Não tem explicação a
quantidade de amigos que fiz nestes últimos anos. Amigos de verdade,
disponíveis, com quem é muito bom estar à mesa (na minha casa ou na deles) pela
noite fora, naquela conversa mole que anima as nossas almas.
Ora diga-me
lá: há quanto tempo não escreve a um amigo?
A sério,
escrever mesmo. Com “papel e tinta, caneta e mata-borrão” , como cantava a
Tonicha no “Resineiro” de boa memória.
Não são
precisos grandes discursos, às vezes duas ou três linhas são o suficiente –
exactamente como no postal que recebi ontem.
Um postal a
dizer estou aqui, pensei em ti, não estamos sozinhos.
Não sei se
conhecem as canções de um brasileiro chamado Oswaldo Montenegro. Basta ir ao
Youtube e procurar. Mas, para aqueles que ainda não estão muito familiarizados
com essas modernices, vou aqui deixar algumas estrofes de “A Lista, uma das
canções dele de que mais gosto — e em que devíamos reflectir um pouco.
Aí vai:
“Faça uma
lista dos grandes amigos/que você mais via há dez anos atrás/quantos você ainda
vê todo o dia/quantos você já não encontra mais/faça uma lista dos sonhos que
tinha/quantos você desistiu de sonhar/(…)onde você ainda se reconhece/ na foto
passada ou no espelho de agora?/ hoje é do jeito que achou que seria?/ quantos
amigos você jogou fora?/quantas mentiras você condenava/quantas você teve de
cometer/quantos defeitos sanados com o tempo/ eram o melhor que havia em você/
quantas canções que você não cantava/ hoje assobia para sobreviver/quantas
pessoas que você amava/hoje acredita que amam você?”
Se não nos
precavemos, com o andar dos tempos isto é o que acontece a quase toda a gente.
Por isso
vamos lá fazer a lista, e chamar os amigos que esquecemos (enquanto os podemos
chamar…), e inventar motivos para estarmos juntos (um concerto, uma peça de
teatro, um café na Baixa ) e para celebrar.
Para
celebrar o quê?
Tudo.
Seja o que
for.
O nosso dia
de anos. O dia da santa do nosso nome.
Comprei há
um ano uma mesa nova para a minha casa de jantar—e ainda não parei de fazer
jantaritos com amigos para festejar o acontecimento!
E não
esquecer a carta ou o postal. Mesmo que não tenham grandes novidades para dar.
Um dia,
teria ele para aí uns sete anos, o meu filho foi de viagem com amigos. “Escreve
um postal!”, recomendei-lhe imediatamente.
Escreveu.
Assim: “mãe,
não tenho nada para dizer, beijinhos”.
É o postal
que anda sempre na minha carteira, já lá vão quase 40 anos.
É o que eu
digo: às vezes bastam meia dúzia de palavras para iluminar os nossos dias.
«Sénior» de
20 Jun 13
Sem comentários:
Enviar um comentário