sexta-feira, 6 de maio de 2011

O MEU AMIGO JOÃO MARIA

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Por Alice Vieira

NESTES ÚLTIMOS tempos parece que anda qualquer coisa no ar que nos vai levando, um a um, aqueles amigos de que ainda precisamos tanto.
Dizem-me, em jeito de consolo, “já tinham uma certa idade”.
É mentira: nunca se tem uma “certa idade”. Porque nunca há uma “idade certa” para morrer.
Há amigos de que continuo a ter muitas saudades, e de quem ainda nem sequer tive tempo de fazer o luto - e, de repente, desaparece o João Maria Tudela.
Conhecia-o desde o dia em que, nos finais dos anos 60, ele me telefonou a pedir autorização para cantar poemas de uns jovens autores, que lera no “Diário de Lisboa-Juvenil”. Digo-lhe que não sou eu que tenho de dar autorização mas, de qualquer modo, previno-o:

- Olhe que são constantemente cortados pela censura. Nem sei como esses passaram. Os censores deviam estar distraídos.
- Não me importo – respondeu - Gosto, canto.

Musicou-os, cantou-os em espectáculos ao vivo, e incluiu-os num LP que editou.
Um dos poemas era da Hélia Correia, outro do Jorge Massada, dos restantes já esqueci o nome.
Ficámos amigo – ele sempre com uma enorme preocupação em tentar mostrar às pessoas que não era só o cantor de “Kanimambo”.
Falávamos ao telefone, almoçávamos muitas vezes – e era um prazer conversar com ele.
Ligou-me há poucas semanas, estava eu de partida para os Estados Unidos – e confesso que não lhe dei a atenção que devia. Mas achei-o, pela primeira vez nestes anos todos, muito preocupado com a família. A Filomena, o Joãozinho e a Carlota estavam sempre presentes em todas as conversas mas, desta vez, senti que o futuro deles o afligia muito.
Tentei acalmá-lo, devo ter-lhe dito qualquer coisa parva, género “isto tudo se resolve”, e prometi ligar quando chegasse.
Já não liguei.
Chego à Basílica da Estrela e ficamos todos nós, os seus amigos, naquela posição estranha de ter muita vontade de chorar mas de só nos rirmos, lembrados das histórias delirantes que com ele tínhamos passado.
E eu acho que é com o sorriso dos amigos que se ganha a eternidade.
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«JN» de 6 Mai 11

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