Por Catarina Fonseca
ÀS VEZES, uma pessoa está sem
inspiração. Acordei assim. Raio de país mais cinzento. Raio de mês mais vazio.
Há dias que mais vale voltar para a cama. Tristemente, este não foi um deles.
Corri o Facebook à procura de
iluminação. Nada. Tirando fado, crise e futebol, nada. Então lembrei-me da
secção que o Miguel Esteves Cardoso tinha no ‘Independente’. Chamava-se
‘Encomendação das almas’, onde os leitores lhe davam o mote.
A má notícia foi quando
descobri que ninguém se lembrava da ‘Encomendação das Almas’. Os cotas têm
memória curta. O Google ainda não era nascido. E os mais novos nem sabem o que
foi o ‘Independente’. A boa notícia, é que pelo menos assim podia plagiar à
vontade. Pedi então a amigos e conhecidos que me ‘encomendassem’ qualquer
coisinha.
Prestimosamente, assim fizeram.
Passei a tarde a rir. Houve temas a sério: por que é que as mulheres riem mais
do que os homens; pessoas que foram morar para o campo; porque é que se
constroem tantas igrejas que parecem hospitais psiquiátricos finlandeses. Houve
temas a gozar com a minha cara e o meu drama: Como passar uma tarde de Inverno
a colecionar selos; A plantação de cebolas e os fundos comunitários do QREN; A
literatura búlgara na segunda metade do século XVIII; como fazer mergulho na
costa da Jordânia; A importância do sudoku nas salas de embarque dos
aeroportos; porque é que as mulheres não sabem mudar o pneu de um carro (hmmm.
E quantos homens saberão?); A vida e obra de Ângela Merkel em quatro volumes;
Uma ode ao António Zambujo; Uma ode ao Jerónimo de Sousa; As amantes do
ministro húngaro dos negócios estrangeiros; O impacto da Bimby nos homens que
vivem sozinhos.
Quando a malta começou a votar
em massa nas cebolas e nas amantes do ministro húngaro, achei que era tempo de
falar daquilo que mais oprime os portugueses: o roubo dos feriados.
Não sei que raio de contas
eles fizeram, mas não me parece que quatro dias façam um rombo assim tão grande
na economia do país. É tão ridículo como a meia hora de trabalho extra.
Quem é que queremos enganar?
Toda a gente sabe que ninguém passa o 5 de Outubro a meditar na República ou o
1 de Dezembro a dizer ‘ai que bom que não somos espanhóis’, e contam-se pelos
dedos os fiéis que celebram o Corpo de Deus. Mas a malta precisa de balões de
oxigénio para ir mantendo a sanidade num país onde ela não é muito acarinhada.
O que interessa é que isto é o
princípio do fim: qualquer dia tiram-nos os 25 de Abril (nada de instigar o
povo à revolução), o 1º de Maio (o dia do trabalhador deve ser passado,
precisamente, a trabalhar), o Carnaval (já chega de palhaçadas), o Dia de
Portugal (qual Portugal?) e todos os feriados religiosos (afinal, isto é um
Estado laico) exceto o Natal, que é bom para o comércio.
De qualquer maneira, nada
disto interessa. A minha colega Bárbara que fez o artigo do fim do mundo acaba
de me dizer que não adianta nada o saquinho dos terramotos porque isto vai
mesmo tudo a eito, e nada vai voltar a ser o mesmo. Ó céus. E achava eu que
janeiro era um mês sem graça.
«Passiva» de Janeiro de 2012
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