sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

NA MORTE DE VÍTOR ALVES

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Por Alice Vieira

ESTAVA EM VISEU, quando um SMS me avisou: “Morreu o Vítor Alves”.
Infelizmente era uma notícia daquelas que se esperam — mas que, no fundo, nunca se esperam. Porque todos os nossos amigos são eternos e, quando descobrimos que não são, temos muita dificuldade em acreditar.
Vítor Alves pertencia àquele grupo de homens a quem devemos viver hoje em liberdade e em democracia. Para as gerações mais novas, isto parece um dado tão adquirido que nem lhes passa pela cabeça que alguma vez pudesse ter sido doutra maneira.
Mas foi. Durante muitos anos.
Até que um dia estes homens decidiram arriscar tudo -- vida, liberdade, carreira, saúde, família—em nome de um sonho que, com desvios e loucuras e erros e recuos, ainda é o que hoje nos mantém vivos e actuantes.
Esta é uma dívida que nunca poderemos pagar — nem eles estavam à espera disso.
Mas é muito triste descobrir como as pessoas têm a memória curta.
Foi vergonhosa a maneira como a morte de Vítor Alves foi tratada nos meios de comunicação — já para não falar das muitas horas de um velório quase vazio, quando deveria ter estado SEMPRE, em todas as horas, cheio de gente.
Atirada a notícia para o rodapé dos telejornais — que se enchiam do assassínio de Carlos Castro em Nova Iorque, com direito a um rol de jornalistas em directo, e entrevistas a meio mundo.
Reduzida, num jornal dito de referência, no dia a seguir ao enterro, a uma pequena fotografia em que se via a parte de trás do carro funerário e dois homens a ajudar a colocar o retrato junto do caixão — enquanto páginas inteiras continuavam reservadas ao crime passional de Nova Iorque.
Mas Vítor Alves não se meteu em escândalos, não morreu num hotel de luxo em Nova Iorque, não alimentou crónicas cor-de-rosa, nem sequer pertencia ao jet-set.
Pecados por demais suficientes para o atirar para o limbo dos que não merecem mais que uma breve evocação.
Mas se calhar é aí que ele fica bem — ao lado dos que deram tudo pela pátria, e que a pátria, vergonhosamente, esqueceu.
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«JN» de 14 Jan 11

2 comentários:

  1. Vergonhosamente mesmo, a ele e aos restantes.

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  2. AV: "Foi vergonhosa a maneira como a morte de Vítor Alves foi tratada nos meios de comunicação"

    Os meios de comunicação social tratam os temas na forma e dimensão que o seu público exige. A questão é muito mais profunda. Porque esquecemos nós (a sociedade), personagens como Vítor Alves?

    Gonçalo Rosa

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