sábado, 20 de outubro de 2012

Manuel António Pina


Por Alice Vieira
AS NOVAS tecnologias têm isto de bom: quando estamos longe e temos saudades dos amigos, elas se encarregam de nos aproximar.
De cada vez que eu estava fora do país, mandava um sms ao Manuel António Pina. Porque normalmente estava em congresso, em encontro literário, em escola ou biblioteca e queria trocar impressões, género “já cá estiveste?”, “O que é isto?”, etc. Porque, normalmente, por razões daquilo que escrevíamos, eu e o Pina andávamos pelos mesmos sítios.
Um dia — vá-se lá saber porquê…- eu aterrei na cidade francesa de Périgueux, num Encontro de Literatura Gourmet!!!
Sms logo para o Pina: “o que é isto?”
Respondeu-me que também já lá tinha estado e até tinha gostado, — e faz-me um estranho pedido: “por favor, vai à Rua tal, é uma rampa e mesmo no fim, à esquina, há uma casa pequena, há de estar uma velha à porta com uma gata castanha, diz-lhe que lhe mando um abraço.
Pensei que estava a brincar comigo mas, num intervalo do congresso, lá fui.
Encontrei a rua, a rampa, a esquina, a casa, a velha, a gata.
Tudo como ele tinha dito.
Lá lhe expliquei a história (“sou portuguesa, e um escritor português meu amigo pediu-me…” etc…) — e logo a velha se abre num enorme sorriso: o Pina tinha estado em Périgueux há uns tempos e, nos seus passeios pela cidade, tinha-a visto à porta com a gata. Parou no passeio, foi ter com ela e ali tinham ficado tempos infindos, a conversarem…sobre gatos.
O Pina adorava gatos.
Espero que o céu esteja cheio deles.
NOTA (CMR): procurando uma fotografia para ilustrar as palavras da Alice, encontrei esta, [aqui]. Acho que fica bem…

3 comentários:

  1. Descobri-o este ano, em fevereiro, quando comprei o seu livro COMO SE DESENHA UMA CASA (tenho o costume de escrever, a lápis, a data da compra nos livros). Depois, em julho, na feira do livro de Viana comprei TODAS AS PALAVRAS.
    Interessei-me por este homem, que só conhecia das crónicas do JN. E como não gosto nada de política nem de economia e sendo esses os assuntos dominantes das suas crónicas, tinha uma ideia (mal)formada dele. Mas gostava da sua escrita e por isso as lia, sempre.
    Foi uma surpresa saber que ele era poeta. Mais, foi mesmo uma enorme surpresa saber que ele escrevia livros infantis! Fiquei tão interessada em saber mais dele que nem imagina... e lia com outro interesse as suas crónicas, tentando ver o escritor e não o crítico. lembro-me bem da última, em que fugiu ao tema e escreveu sobre os seus gatos.
    Então eu pensei: este homem está deprimido.
    Nos dias seguintes não se publicaram as crónicas, e nas semanas seguintes também não. O JN, depois de em todos os dias publicar uma nota explicando que por razões alheias não se publicava a crónica de M.A.P. publicou uma em que dizia que quando fosse possível voltariam a ser publicadas. Fiquei então preocupada.
    Pesquisei na net o nome dele, a ver se descobria alguma coisa, mas nada consegui.
    Até ontem, no noticiário das 19 horas da RR. Não percebi logo o que foi, só ouvi prémio Camões... mandei que se calassem os que estavam comigo, que queria ouvir a quem tinha sido atribuído, mas então já o locutor prosseguia e falava no valor do escritor que falecera... soube logo quem era, fiquei em choque!
    Tristeza, saudade, vazio, nem sei o que senti... vinham-me à ideia as palavras de santo Agostinho: "Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Tu estavas dentro de mim e eu te buscava fora de mim. Como um animal buscava as coisas belas que tu criaste. Tu estavas comigo, mas eu não estava contigo."
    Não sei as palavras de cor, só sei a primeira frase, pesquisei o resto no Google, mas senti-as verdadeiramente ontem à noite. E senti-me muito só, pois às pessoas a quem dizia que Manuel António Pina morrera isso não dizia nada, nunca tinham ouvido falar dele, era como se eu chorasse a morte de um desenho animado...
    Enfim, a vida continua, não é verdade? Cuidemos dos vivos, que os mortos já estão bem aconchegados nos nossos corações.

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  2. http://manuelaraujo.org/zurique/arquivo/arquivo_desde_2005/2012/novembro-2012.swf

    página 34

    Obrigado cara amiga.

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  3. Ouvi na TSF a notícia de que Manuel António Pina se tinha ido embora (18/11/1943 – 19/10/2012). Quando cheguei a casa ousei escrever.

    O Poeta voou

    Um coração abriu as asas e
    mil folhas agitaram ao vento
    da árvore onde morava
    um poema no derradeiro alento.
    Num voo crescente soltou-se no universo.

    Há de voltar ao Guarany
    os jornais dirão do evento
    o café com outros ausentes,
    no granito ficará o momento.
    A liberdade respira sempre num verso!

    AJ

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