quinta-feira, 7 de março de 2013

CHÁ DAS CINCO


Por Alice Vieira

DIZEM que foi um imperador chinês que o descobriu.
Preocupado com longas epidemias que assolavam o império, ordenou que toda a gente bebesse água sempre fervida.
Um dia, estava ele à sombra de uma árvore e pediu água. Lá lhe trouxeram a água a ferver, e ele teve de esperar alguns minutos, pois até mesmo quem é imperador não aguenta água a escaldar pela goela abaixo.
Enquanto esperava, não reparou que umas folhas da árvore tinham caído para dentro do copo (chávena? caneca? malga?) e a água tinha ficado um bocado para o castanho.
O natural seria – sobretudo rodeado de epidemias por todos os lados… - que deitasse fora aquela mistela e voltasse a pedir mais água fervida, e nós nunca viríamos a saber de nada.
Mas não.
Ou porque a vista já não estivesse lá muito apurada, ou porque a sede fosse insuportável, ou porque – e eu aposto nesta... — pensou que a um imperador nada de mal podia acontecer, o certo é que bebeu tudo. E até gostou!
E como não morreu nem lhe aconteceu nada de grave nos dias seguintes, deve ter chegado à conclusão de que a planta não era venenosa e vá de se aproveitar dela.
Não sabemos que árvore seria exatamente aquela (Lapsang Su Chong, seria??) mas aquele foi o primeiro chá que se bebeu no mundo inteiro.
Também há quem tire o imperador dessa história e diga, muito simplesmente, que desde tempos muito antigos os monges budistas cultivavam chá nos Himalaias.
Seja como for, depois entra muita gente ao barulho, até que aparecemos nós, portugueses, que, ao chegarmos ao oriente, pegámos no chá e trouxemo-lo para o porto de Lisboa – donde partiu para outros mundos.
Como sempre, tivemos tudo nas mãos, e perdemos para outros, sobretudo para os holandeses.
 Adiante.
O mais importante é que os pais do british “five o’ clock tea” – somos nós.
É por nossa causa que os ingleses andam sempre de caneca na mão, e que não há personagem de livro, filme ou série britânica que, a dado momento, não diga "let’s have a cup of tea".
Já pensaram no inspetor Maigret ou em qualquer polícia americano a pedir chazinho???
Tudo porque no século XVII, a nossa princesa D. Catarina de Bragança, filha de D. João IV, quando foi para a corte inglesa casar com Carlos II, instituiu esse hábito. Às cinco da tarde, chazinho para a rainha e suas damas.
As minhas velhas tias eram burguesas e republicanas, mas isso não as impediu, séculos mais tarde, de seguirem o exemplo de D. Catarina: tocavam a campainha (vocês ainda são do tempo em que havia campainhas colocadas em todas as salas das nossas casas?), a criada aparecia e elas diziam “ Emília, traga o chá.”
Nunca lhes passou pela cabeça irem à cozinha pedi-lo, e muito menos fazê-lo…
E depois seguia-se todo um ritual, de folhas de chá, de bules escaldados, de chávenas de Vista Alegre.
Aprendi com elas que todas as doenças se podiam curar com chá — de cavalinha, de tília, de macela, de camomila, de carqueja, do hipericão do Gerês, de perpétuas roxas, de cascas de cebola, de pés de cereja, de raiz de valeriana, de erva-do-diabo, de hortelã, de hibisco, de calêndula… digam-me a maleita e eu receito o chá.
Nessa altura não me lembro de ouvir falar em chá verde, branco ou vermelho. Ou bem que era chá – preto, forte, a escaldar e sempre sem açúcar – ou bem que era “chá de” : a primeira vez que tomei contacto com a palavra ”tisana” foi nos livros do Poirot (que era belga!) e tive de ir ao dicionário ver o que era.
Para lá de ter herdado das tias a sabedoria do chá, herdei-lhes também os bules, para os quais de vez em quando olho. Mas confesso que hoje em dia já os uso pouco: a água a ferver é deitada na caneca e dispenso os rituais.
As tias devem dar voltas no túmulo.
D. Catarina também.
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In Revista “Epicuro”, Out. 12

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