Por Alice Vieira
DIZEM que foi um
imperador chinês que o descobriu.
Preocupado com longas epidemias que
assolavam o império, ordenou que toda a gente bebesse água sempre fervida.
Um dia, estava ele à sombra de uma
árvore e pediu água. Lá lhe trouxeram a água a ferver, e ele teve de esperar
alguns minutos, pois até mesmo quem é imperador não aguenta água a escaldar
pela goela abaixo.
Enquanto esperava, não reparou que umas
folhas da árvore tinham caído para dentro do copo (chávena? caneca? malga?) e a
água tinha ficado um bocado para o castanho.
O natural seria – sobretudo rodeado de
epidemias por todos os lados… - que deitasse fora aquela mistela e voltasse a
pedir mais água fervida, e nós nunca viríamos a saber de nada.
Mas não.
Ou porque a vista já não estivesse lá
muito apurada, ou porque a sede fosse insuportável, ou porque – e eu aposto
nesta... — pensou que a um imperador nada de mal podia acontecer, o certo é que
bebeu tudo. E até gostou!
E como não morreu nem lhe aconteceu nada
de grave nos dias seguintes, deve ter chegado à conclusão de que a planta não
era venenosa e vá de se aproveitar dela.
Não sabemos que árvore seria exatamente
aquela (Lapsang Su Chong, seria??) mas aquele foi o primeiro chá que se bebeu
no mundo inteiro.
Também há quem tire o imperador dessa
história e diga, muito simplesmente, que desde tempos muito antigos os monges
budistas cultivavam chá nos Himalaias.
Seja como for, depois entra muita gente
ao barulho, até que aparecemos nós, portugueses, que, ao chegarmos ao oriente,
pegámos no chá e trouxemo-lo para o porto de Lisboa – donde partiu para outros
mundos.
Como sempre, tivemos tudo nas mãos, e
perdemos para outros, sobretudo para os holandeses.
Adiante.
O mais importante é que os pais do
british “five o’ clock tea” – somos nós.
É por nossa causa que os ingleses andam
sempre de caneca na mão, e que não há personagem de livro, filme ou série
britânica que, a dado momento, não diga "let’s have a cup of tea".
Já pensaram no inspetor Maigret ou em
qualquer polícia americano a pedir chazinho???
Tudo porque no século XVII, a nossa
princesa D. Catarina de Bragança, filha de D. João IV, quando foi para a corte
inglesa casar com Carlos II, instituiu esse hábito. Às cinco da tarde, chazinho
para a rainha e suas damas.
As minhas velhas tias eram burguesas e
republicanas, mas isso não as impediu, séculos mais tarde, de seguirem o
exemplo de D. Catarina: tocavam a campainha (vocês ainda são do tempo em que
havia campainhas colocadas em todas as salas das nossas casas?), a criada
aparecia e elas diziam “ Emília, traga o chá.”
Nunca lhes passou pela cabeça irem à
cozinha pedi-lo, e muito menos fazê-lo…
E depois seguia-se todo um ritual, de folhas
de chá, de bules escaldados, de chávenas de Vista Alegre.
Aprendi com elas que todas as doenças se
podiam curar com chá — de cavalinha, de tília, de macela, de camomila, de
carqueja, do hipericão do Gerês, de perpétuas roxas, de cascas de cebola, de
pés de cereja, de raiz de valeriana, de erva-do-diabo, de hortelã, de hibisco,
de calêndula… digam-me a maleita e eu receito o chá.
Nessa altura não me lembro de ouvir
falar em chá verde, branco ou vermelho. Ou bem que era chá – preto, forte, a
escaldar e sempre sem açúcar – ou bem que era “chá de” : a primeira vez que
tomei contacto com a palavra ”tisana” foi nos livros do Poirot (que era belga!)
e tive de ir ao dicionário ver o que era.
Para lá de ter herdado das tias a
sabedoria do chá, herdei-lhes também os bules, para os quais de vez em quando
olho. Mas confesso que hoje em dia já os uso pouco: a água a ferver é deitada
na caneca e dispenso os rituais.
As tias devem dar voltas no túmulo.
D. Catarina também.
-
In Revista “Epicuro”, Out. 12
O chá das cinco terá sido inventado ao mesmo tempo do relógio. bfds
ResponderEliminar