Por Alice Vieira
DETESTAVA festas de escola.
As mães a gabarem as gracinhas dos filhos, e os pais com as câmaras de vídeo apontadas ao palco para imortalizarem aquele segundo em que a Martinha, no seu fato de borboleta, se enganou no passo mas disse adeus à tia Henriqueta , ou em que o João Maria se estatelou entre as meninas e desatou num berreiro que parecia não ter fim, mas que engraçadinho que ele ficava quando fazia birras!
Por isso quando Miguel há tempos telefonara a dizer que este ano ia ele com a filha à festa de carnaval da escola, ela até tinha suspirado de alívio.
Claro que devia ter logo desconfiado.
O Miguel nunca na sua vida tomara nota de nada (“não sei como consegues viver sem agenda…”, repetia-lhe ela muitas vezes, nos cinco anos que aguentara casada com ele), não era agora que ia começar.
Ela devia ter-se lembrado de lhe telefonar todos os dias, ou de o bombardear com SMS, ou e-mails — mas a verdade é que descansara, e só o recordou mesmo na véspera.
- Ó diabo! Passou-me completamente! Tenho uma reunião e a esta hora já não dá para desmarcar… Mas para o ano não falto!
Mas ela está-se nas tintas para o ano, o que ela queria era que ele viesse hoje, agora, dentro de uma hora no máximo.
Porque ela também tem uma série de compromissos a que não pode faltar, e agora está ali no café, telemóvel colado à orelha, a filha vestida de Fiona sentada na sua frente, enquanto ela tenta arranjar solução.
São quase horas, a miúda não entende por que ainda ali estão, e murmura
- Quem é que me leva à festa, mãe?
E ela nem lhe responde, marca novamente um número, desliga, volta a marcar,
- Mãe, quem é que me leva…
- Está calada! Não me enerves mais do que eu já estou!
E passa o telemóvel para a outra orelha, mas ninguém atende, parece que toda a gente se esqueceu dos telemóveis em casa, ou estão longe deles, ou simplesmente têm-nos fechados.
Olha para o relógio, tira um cigarro da mala mas logo o volta a enfiar no maço, ali não se pode fumar, e os minutos voam.
- Mãe...
Faz que não a ouve, e volta a clicar nas teclas, e então, de repente, alguém atende, e ela respira fundo, e dá logo a ordem, rápida e seca, nem “olá,” nem “estás onde”, nem “então é assim”, nada.
- Tens de ir com a miúda à festa da escola, vem já ter ao café, depois explico.
Telemóvel desligado, sem dar possibilidade de resposta.
- Era o pai, mãe? — pergunta a miúda, tentando sorrir.
- Mas qual pai… Alguma vez o teu pai tem tempo para nós? Esqueceu-se outra vez de ti, está claro…
- Então quem é que me leva à festa, mãe?
Um fiozinho de voz, quase a tremer.
Ela bebe finalmente a bica, decerto gelada de tanto esperar, e enfia o telemóvel para dentro da mala.
- O Fernando. Está aqui está a chegar.
A filha baixa os olhos.
- O Fernando?...
- Sim, o Fernando. Que é que isso tem?
- Queria o pai…
- Ora…O teu pai ou o Fernando, que diferença faz? O que é preciso é chegares a horas.
A miúda leva as mãos aos olhos.
- Não me faças cenas , que farta de cenas ando eu…
Não faz.
Deixa apenas cair algumas lágrimas no vestido, mas logo as tenta enxugar com a mão.
Ela é uma princesa.
E as princesas, como dizem as histórias que ela ouve na escola, vivem felizes para sempre.
.
«ACTIVA» de Fev 2011
DETESTAVA festas de escola.
As mães a gabarem as gracinhas dos filhos, e os pais com as câmaras de vídeo apontadas ao palco para imortalizarem aquele segundo em que a Martinha, no seu fato de borboleta, se enganou no passo mas disse adeus à tia Henriqueta , ou em que o João Maria se estatelou entre as meninas e desatou num berreiro que parecia não ter fim, mas que engraçadinho que ele ficava quando fazia birras!
Por isso quando Miguel há tempos telefonara a dizer que este ano ia ele com a filha à festa de carnaval da escola, ela até tinha suspirado de alívio.
Claro que devia ter logo desconfiado.
O Miguel nunca na sua vida tomara nota de nada (“não sei como consegues viver sem agenda…”, repetia-lhe ela muitas vezes, nos cinco anos que aguentara casada com ele), não era agora que ia começar.
Ela devia ter-se lembrado de lhe telefonar todos os dias, ou de o bombardear com SMS, ou e-mails — mas a verdade é que descansara, e só o recordou mesmo na véspera.
- Ó diabo! Passou-me completamente! Tenho uma reunião e a esta hora já não dá para desmarcar… Mas para o ano não falto!
Mas ela está-se nas tintas para o ano, o que ela queria era que ele viesse hoje, agora, dentro de uma hora no máximo.
Porque ela também tem uma série de compromissos a que não pode faltar, e agora está ali no café, telemóvel colado à orelha, a filha vestida de Fiona sentada na sua frente, enquanto ela tenta arranjar solução.
São quase horas, a miúda não entende por que ainda ali estão, e murmura
- Quem é que me leva à festa, mãe?
E ela nem lhe responde, marca novamente um número, desliga, volta a marcar,
- Mãe, quem é que me leva…
- Está calada! Não me enerves mais do que eu já estou!
E passa o telemóvel para a outra orelha, mas ninguém atende, parece que toda a gente se esqueceu dos telemóveis em casa, ou estão longe deles, ou simplesmente têm-nos fechados.
Olha para o relógio, tira um cigarro da mala mas logo o volta a enfiar no maço, ali não se pode fumar, e os minutos voam.
- Mãe...
Faz que não a ouve, e volta a clicar nas teclas, e então, de repente, alguém atende, e ela respira fundo, e dá logo a ordem, rápida e seca, nem “olá,” nem “estás onde”, nem “então é assim”, nada.
- Tens de ir com a miúda à festa da escola, vem já ter ao café, depois explico.
Telemóvel desligado, sem dar possibilidade de resposta.
- Era o pai, mãe? — pergunta a miúda, tentando sorrir.
- Mas qual pai… Alguma vez o teu pai tem tempo para nós? Esqueceu-se outra vez de ti, está claro…
- Então quem é que me leva à festa, mãe?
Um fiozinho de voz, quase a tremer.
Ela bebe finalmente a bica, decerto gelada de tanto esperar, e enfia o telemóvel para dentro da mala.
- O Fernando. Está aqui está a chegar.
A filha baixa os olhos.
- O Fernando?...
- Sim, o Fernando. Que é que isso tem?
- Queria o pai…
- Ora…O teu pai ou o Fernando, que diferença faz? O que é preciso é chegares a horas.
A miúda leva as mãos aos olhos.
- Não me faças cenas , que farta de cenas ando eu…
Não faz.
Deixa apenas cair algumas lágrimas no vestido, mas logo as tenta enxugar com a mão.
Ela é uma princesa.
E as princesas, como dizem as histórias que ela ouve na escola, vivem felizes para sempre.
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«ACTIVA» de Fev 2011
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