Por Alice Vieira
RUY BELO chamava às esplanadas “as nossas pequenas pátrias provisórias”.
Completamente dependente de esplanadas, vou estabelecendo muitas pátrias dentro da minha.
Mas há aquelas que se guardam apenas na memória, aquelas que só de longe em longe visitamos - e aquelas a que voltamos sempre.
A Costa Nova (com o prolongamento da Barra acoplado) é a pátria a que todos os anos regresso no verão.
Mas também às vezes no outono. E também às vezes no inverno. Pátria é onde um homem (e quando um homem) quiser.
Tenho de adormecer a olhar para o farol, tenho de acordar a olhar para o farol.
Tenho de me embrulhar em casacos e camisolas de lã no pino do verão, porque senão nem é verão nem é nada, e a gente até pode pensar que está, sei lá!, (bater três vezes na madeira) no Algarve.
Dantes a Costa (cá em casa a Costa foi sempre só uma, a Nova e mais nenhuma), tinha a ria a entrar quase até às casas da avenida. Apanhava-se o barco num pequeno ancoradouro que agora é posto de turismo, e os novatos olham e não percebem por que é que aquilo tem o feitio da proa de um moliceiro…Dantes apanhava-se aí o barco e ia-se à ”bruxa”, do outro lado da ria. Passávamos a tarde a beber ginjinha e a jogar matraquilhos. Houve campeonatos famosos…
Depois a terra entrou pela ria dentro, e as coisas nunca mais foram o que eram.
Dantes na Costa vendia-se o refugo da loiça da Vista Alegre – com aqueles minúsculos defeitos que o nosso olhar de simples mortal não descobria mas que fazia com que fosse vendida ao preço da chuva. Agora há loiça turística, com a cara do Papa e de Nossa Senhora.
A Costa/Barra tem o mais belo pôr do sol do mundo.
A Costa/Barra tem a praia mais limpa do mundo : seja a que horas, seja a que dia (fins de semana incluídos) não se vê um papel na areia.
A Costa/Barra tem o melhor rodovalho do mundo. E as melhores enguias do mundo.
E sobretudo é a pátria incontestada…da tripa.
Há quiosques do Zé da Tripa em todas as esquinas. (E, por favor, não confundir com bolacha americana, que um velhote anda a vender pelas praias!)
Há filas para comprar tripa até depois da meia noite. Há quem vá para marcar lugar para amigos, há quem vá com uma lista de encomendas (“duas simples”, “três com doce de ovos”, “ meia dúzia com chocolate”) e o maralhal a aguentar até chegar a sua vez.
E nada de refilar : estamos todos unidos na veneração por uma maravilha gastronómica que só ali existe.
Sei que há infelizes que nunca a provaram, e ignorantes que nem sabem o que isso é. Dizer que leva farinha, ovos, açúcar, manteiga, que é uma espécie de massa de crepe enrolada, mas muito mal passada-- não quer dizer absolutamente nada, porque não é isso.
O “Zé da Tripa” é um verdadeiro empório, que já deve ir para aí na terceira ou quarta geração. Lembro-me de estar um ano no Salão do Livro de Genève, com aquele ar com que todos nós ficamos quando estamos há mais de uma semana na Suiça – e de repente, oh visão criadora!, avisto um quiosque do Zé da Tripa no meio dos restaurantes internacionais daquele internacionalíssimo Salão! Foi o delírio…
Mas a Costa/Barra é também o lugar onde as pessoas se podem vestir da maneira que entenderem porque ninguém liga nenhuma ; onde o posto de correios nem sempre tem selos mas tem sempre CD´s da Filarmónica Gafanhense; onde há lojas de chineses, claro, mas também lojas que vendem tudo e (ainda) não são de chineses – e uma até tem um bicho empalhado à entrada , que diz uma asneirola quando se passa pela frente e é, como se compreende, grande atracção turística.
A Costa é a avenida com os palheiros às riscas, e nós a sonharmos passar a nossa velhice lá dentro, debruçados das janelas viradas todas para a luminosidade única da ria, e o sabor distante da ginjinha, e o som dos bonecos de madeira a meterem golos na baliza do adversário.
RUY BELO chamava às esplanadas “as nossas pequenas pátrias provisórias”.
Completamente dependente de esplanadas, vou estabelecendo muitas pátrias dentro da minha.
Mas há aquelas que se guardam apenas na memória, aquelas que só de longe em longe visitamos - e aquelas a que voltamos sempre.
A Costa Nova (com o prolongamento da Barra acoplado) é a pátria a que todos os anos regresso no verão.
Mas também às vezes no outono. E também às vezes no inverno. Pátria é onde um homem (e quando um homem) quiser.
Tenho de adormecer a olhar para o farol, tenho de acordar a olhar para o farol.
Tenho de me embrulhar em casacos e camisolas de lã no pino do verão, porque senão nem é verão nem é nada, e a gente até pode pensar que está, sei lá!, (bater três vezes na madeira) no Algarve.
Dantes a Costa (cá em casa a Costa foi sempre só uma, a Nova e mais nenhuma), tinha a ria a entrar quase até às casas da avenida. Apanhava-se o barco num pequeno ancoradouro que agora é posto de turismo, e os novatos olham e não percebem por que é que aquilo tem o feitio da proa de um moliceiro…Dantes apanhava-se aí o barco e ia-se à ”bruxa”, do outro lado da ria. Passávamos a tarde a beber ginjinha e a jogar matraquilhos. Houve campeonatos famosos…
Depois a terra entrou pela ria dentro, e as coisas nunca mais foram o que eram.
Dantes na Costa vendia-se o refugo da loiça da Vista Alegre – com aqueles minúsculos defeitos que o nosso olhar de simples mortal não descobria mas que fazia com que fosse vendida ao preço da chuva. Agora há loiça turística, com a cara do Papa e de Nossa Senhora.
A Costa/Barra tem o mais belo pôr do sol do mundo.
A Costa/Barra tem a praia mais limpa do mundo : seja a que horas, seja a que dia (fins de semana incluídos) não se vê um papel na areia.
A Costa/Barra tem o melhor rodovalho do mundo. E as melhores enguias do mundo.
E sobretudo é a pátria incontestada…da tripa.
Há quiosques do Zé da Tripa em todas as esquinas. (E, por favor, não confundir com bolacha americana, que um velhote anda a vender pelas praias!)
Há filas para comprar tripa até depois da meia noite. Há quem vá para marcar lugar para amigos, há quem vá com uma lista de encomendas (“duas simples”, “três com doce de ovos”, “ meia dúzia com chocolate”) e o maralhal a aguentar até chegar a sua vez.
E nada de refilar : estamos todos unidos na veneração por uma maravilha gastronómica que só ali existe.
Sei que há infelizes que nunca a provaram, e ignorantes que nem sabem o que isso é. Dizer que leva farinha, ovos, açúcar, manteiga, que é uma espécie de massa de crepe enrolada, mas muito mal passada-- não quer dizer absolutamente nada, porque não é isso.
O “Zé da Tripa” é um verdadeiro empório, que já deve ir para aí na terceira ou quarta geração. Lembro-me de estar um ano no Salão do Livro de Genève, com aquele ar com que todos nós ficamos quando estamos há mais de uma semana na Suiça – e de repente, oh visão criadora!, avisto um quiosque do Zé da Tripa no meio dos restaurantes internacionais daquele internacionalíssimo Salão! Foi o delírio…
Mas a Costa/Barra é também o lugar onde as pessoas se podem vestir da maneira que entenderem porque ninguém liga nenhuma ; onde o posto de correios nem sempre tem selos mas tem sempre CD´s da Filarmónica Gafanhense; onde há lojas de chineses, claro, mas também lojas que vendem tudo e (ainda) não são de chineses – e uma até tem um bicho empalhado à entrada , que diz uma asneirola quando se passa pela frente e é, como se compreende, grande atracção turística.
A Costa é a avenida com os palheiros às riscas, e nós a sonharmos passar a nossa velhice lá dentro, debruçados das janelas viradas todas para a luminosidade única da ria, e o sabor distante da ginjinha, e o som dos bonecos de madeira a meterem golos na baliza do adversário.
Os melhores verões da minha vida, as férias da minha infância... eram 3 meses na Costa Nova, com aquela avenida cheia de gente a andar de um lado para o outro, com música na rua e a fila da tripa. Que saudades!
ResponderEliminarAgora vou lá tão poucas vezes... estive lá há poucas semanas e aquela tripa de chocolate quentinha sabe-me sempre a eternidade, ao tempo imenso que tem a vida quando somos pequenos.
E voltam tantas memórias e todas tão deliciosas.
Andreia Rasga
ResponderEliminarUm texto que me leva a revisitar algumas memórias...Desde sempre a Costa/Barra foi o meu mar,confidente de momentos só meus...Hoje não se bebe ginjinha,mas cerveja com tremoços,muito próprio desta pátria,também muito nossa.saudades,muitas,mas tenho a sorte de ter este "meu" sempre que o quero para admirar,enaltecer ou simplesmente,chorar com ele...Obrigada por tão belo texto.