Quando as filhas se querem armar em casamenteiras das mães, regra geral não se saem bem da empreitada... Nem com a ajuda dos santos.
JÁ NÃO estava com paciência para aquelas coisas.
Mas a filha tanto insistira (“ó mãe, até um cego consegue ver que o Firmino está mesmo caidinho por ti!”) que ela acabara por ceder.
A princípio concordou em convidá-lo para um café, coisa normal entre vizinhos, mais do que isso estava fora de causa.
A filha franziu o sobrolho.
“Um café? Que graça é que isso tem? Não, senhora, vais convidá-lo para um jantar aqui em tua casa. Não és tu que, por tudo e por nada, fazes jantarinhos cá em casa? Ou e porque o Benfica ganha, ou e porque o Benfica perde…Não me digas que não consegues encontrar agora um motivo para o convidares… Dizes que é para festejar, sei lá, a lua cheia, o equinócio, uma coisa qualquer que te passe pela cabeça… “
Ela ainda tentou reagir, mas no dia seguinte a filha entrou-lhe em casa a rir e com um jornal na mão:
“Olha, motivo já aí tens: depois de amanhã é dia de S. Firmino! Diz aqui! Não é tarde nem é cedo: bate-lhe a porta ou pega no telefone e liga-lhe para o convidares a festejar o dia do seu santo.
“E que fez o S. Firmino para merecer ser santo?”
A filha leu:
“Dia 25 de Setembro, dia de S. Firmino, 1.º bispo de Amiens, e martirizado nessa cidade.”
Fez uma pausa.
“Não dará para grandes conversas, mas serve como motivo do convite.”
Ainda protestou. Que era um disparate, o Firmino era apenas um vizinho do prédio, simpático mas nada mais do que isso.
A filha nem a deixou continuar:
“Às vezes, quando eu vou contigo no elevador e ele entra, até faz pena ver aqueles olhinhos de carneiro mal morto…Aquilo não é amor, mãe, aquilo é paixão!”
E o convite foi feito (“S. Firmino? Olhe que nem sabia…”) e aceite.
E a carne foi assada lentamente no forno, com todos os temperos que a receita exigia (“carrega no açafrão, mãe, que e afrodisíaco!”).
E os morangos foram misturados com framboesas e temperados com folhas de hortelã, cortadas directamente da planta, que crescia no vaso junto da janela.
Chegou a hora marcada.
De casaco e gravata, apesar do calor, e a rosa da praxe embrulhada em celofane.
“Parece que me vem pedir em casamento”, pensou, e por pouco não desatou a rir na frente dele.
Pôs um CD do Andre Rieu, cheio de violinos, para dar ambiente.
Mas a conversa tardava.
Não era fácil, para quem nunca tinha passado do bom-dia-boa-tarde-que-calor-que-faz-hoje, iniciar, de um momento para o outro, uma complexa discussão sobre os assuntos candentes da humanidade.
Ou até mesmo uma simples discussão.
Ou até mesmo sobre os assuntos do país.
Ou do prédio.
Foi no momento em que ela ia perguntar “bebe café?”, que ele, depois de aclarar a garganta (“ai não me digam que vai cantar!”), perguntou por Beatriz.
Se estava bem, como ia o trabalho, se já tinha namorado.
Ela vai respondendo a tudo com poucas palavras, decerto não estão ali para falar da filha, que sim, que estava bem e o trabalho também, e que não, que ainda não tinha namorado.
O sorriso dele iluminou a sala. Gaguejou ligeiramente e arrancou:
“Sabe, posso parecer-lhe um pouco, como é que se diz, antiquado, e se calhar sou, mas queria primeiro falar consigo antes de, enfim, antes de me atrever a falar com… a falar com ela…”
Beberam o café e não disseram nem mais uma palavra.
Ele saiu, agradecendo o jantar.
Ela agradeceu a flor.
Quando a filha ligou, já perto da meia-noite para saber o resultado, respondeu apenas que, tal como previa, o pobre do Firmino não estava nem aí, ela que deixasse de se armar em casamenteira.
E, já agora, que não lhe desse muita conversa se, por acaso, o encontrasse no elevador.
Mas a filha tanto insistira (“ó mãe, até um cego consegue ver que o Firmino está mesmo caidinho por ti!”) que ela acabara por ceder.
A princípio concordou em convidá-lo para um café, coisa normal entre vizinhos, mais do que isso estava fora de causa.
A filha franziu o sobrolho.
“Um café? Que graça é que isso tem? Não, senhora, vais convidá-lo para um jantar aqui em tua casa. Não és tu que, por tudo e por nada, fazes jantarinhos cá em casa? Ou e porque o Benfica ganha, ou e porque o Benfica perde…Não me digas que não consegues encontrar agora um motivo para o convidares… Dizes que é para festejar, sei lá, a lua cheia, o equinócio, uma coisa qualquer que te passe pela cabeça… “
Ela ainda tentou reagir, mas no dia seguinte a filha entrou-lhe em casa a rir e com um jornal na mão:
“Olha, motivo já aí tens: depois de amanhã é dia de S. Firmino! Diz aqui! Não é tarde nem é cedo: bate-lhe a porta ou pega no telefone e liga-lhe para o convidares a festejar o dia do seu santo.
“E que fez o S. Firmino para merecer ser santo?”
A filha leu:
“Dia 25 de Setembro, dia de S. Firmino, 1.º bispo de Amiens, e martirizado nessa cidade.”
Fez uma pausa.
“Não dará para grandes conversas, mas serve como motivo do convite.”
Ainda protestou. Que era um disparate, o Firmino era apenas um vizinho do prédio, simpático mas nada mais do que isso.
A filha nem a deixou continuar:
“Às vezes, quando eu vou contigo no elevador e ele entra, até faz pena ver aqueles olhinhos de carneiro mal morto…Aquilo não é amor, mãe, aquilo é paixão!”
E o convite foi feito (“S. Firmino? Olhe que nem sabia…”) e aceite.
E a carne foi assada lentamente no forno, com todos os temperos que a receita exigia (“carrega no açafrão, mãe, que e afrodisíaco!”).
E os morangos foram misturados com framboesas e temperados com folhas de hortelã, cortadas directamente da planta, que crescia no vaso junto da janela.
Chegou a hora marcada.
De casaco e gravata, apesar do calor, e a rosa da praxe embrulhada em celofane.
“Parece que me vem pedir em casamento”, pensou, e por pouco não desatou a rir na frente dele.
Pôs um CD do Andre Rieu, cheio de violinos, para dar ambiente.
Mas a conversa tardava.
Não era fácil, para quem nunca tinha passado do bom-dia-boa-tarde-que-calor-que-faz-hoje, iniciar, de um momento para o outro, uma complexa discussão sobre os assuntos candentes da humanidade.
Ou até mesmo uma simples discussão.
Ou até mesmo sobre os assuntos do país.
Ou do prédio.
Foi no momento em que ela ia perguntar “bebe café?”, que ele, depois de aclarar a garganta (“ai não me digam que vai cantar!”), perguntou por Beatriz.
Se estava bem, como ia o trabalho, se já tinha namorado.
Ela vai respondendo a tudo com poucas palavras, decerto não estão ali para falar da filha, que sim, que estava bem e o trabalho também, e que não, que ainda não tinha namorado.
O sorriso dele iluminou a sala. Gaguejou ligeiramente e arrancou:
“Sabe, posso parecer-lhe um pouco, como é que se diz, antiquado, e se calhar sou, mas queria primeiro falar consigo antes de, enfim, antes de me atrever a falar com… a falar com ela…”
Beberam o café e não disseram nem mais uma palavra.
Ele saiu, agradecendo o jantar.
Ela agradeceu a flor.
Quando a filha ligou, já perto da meia-noite para saber o resultado, respondeu apenas que, tal como previa, o pobre do Firmino não estava nem aí, ela que deixasse de se armar em casamenteira.
E, já agora, que não lhe desse muita conversa se, por acaso, o encontrasse no elevador.
«ACTIVA» de Agosto de 2011
B
ResponderEliminarBoa noite. No blog sorumbático deixei-lhe um comentário que espero que tenham encaminhado para si - só depois soube que só os deste blog lhe chegam directamente.
ResponderEliminarAcabei de ler o seu último livro de crónicas há uns dias e já anseio pelos Pezinhos de Coentrada que estão a tardar a emprestar-me. No meu comentário, além de explicar como estimo e acompanho a sua escrita desde sempre (literalmente), falo também do meu blog onde me descobri como contadora de histórias a pedido - entre as muitas que não o são - um bocadinho à la Karen Blixen. Gostaria muito que passasse por lá historiasdenos.blogspot.com e se pudesse - não querendo abusar, mas abusando -, dar-me a sua opinião. Obrigada!