Por Alice
Vieira
PELA
PRIMEIRA vez na minha vida faço parte de uma equipa que está a fazer nascer um
novo jornal. Todos aqueles por onde passei tinham já dezenas e dezenas de anos
de trabalho, tradição e público.
Desta vez é
uma aventura.
E também, ao
que se diz, este é um jornal destinado àqueles a quem já cantaram os “parabéns
a você” muitas e muitas vezes.
Ótimo. Sinal
de que estão vivos – coisa de que nem todos os vivos se podem gabar.
Mas esta
coisa da idade é sempre muito relativa…”Coitado, já tinha uma certa idade”, diz-se
normalmente quando morre alguém não muito novo.
Mas eu nunca
percebi o que é ter “uma certa idade”.
Tenho sempre
diante dos meus olhos – colado na parede onde também estão coladas as
fotografias dos homens da minha vida, entre os quais os netos… - um postal que
em tempos um amigo me enviou de Berkeley e que, numa tradução tão aproximada
quanto possível, diz: “Que idade terias se não soubesses a idade que tens?”
E posso
garantir-lhes que a resposta varia todos os dias.
Neste
momento, por exemplo, a tentar sair de uma gripe que parece ter-se apaixonado
inabalavelmente por mim, se eu não soubesse a idade que tenho era bem capaz de
jurar que andava aí pelos 200, mais Manuel de Oliveira, menos Manuel de
Oliveira.
Mas antes de
a gripe me ter atacado, eu diria que andava aí pelos 30 ou 40.
“Esse é que
é o teu mal! Pensas que tens 20 anos, e não tens! ”, refilava ontem a minha
filha, quando entrou no meu quarto para me deixar os remédios na mesa-de-cabeceira.
(Não liguem. No fundo, no fundo, mas lá mesmo bem no fundo o que ela queria
dizer era “coitadinha, estás doentinha e a morrer” e fazer-me tap tap na cabeça.)
Isto tudo só
para dizer que velhice é coisa muito discutível. E que, por mais que se refile
e se entre em depressão, ainda não se inventou outro meio de se viver muito
tempo.
Mas para os
que, às vezes, estão quase a sucumbir a esse peso da idade, nada melhor do que
ligarem para o Canal Parlamento, e olharem para aquelas bancadas: há deputados
(não, não vou dizer o nome de nenhum embora às vezes bem me apeteça), aí na
casa dos 30/40, que eu juro que já nasceram com 100 anos em cada ombro: falam
com 100 anos em cada palavra; exibem ar de mau com 100 anos em cada
sobrancelha.
Se calhar a
maioria de nós, que entramos agora nesta extraordinária aventura de fazer um
jornal como este, não estará nos seus, digamos, verdes anos de adolescência e
juventude. Pois não. Mas, sem nenhuma espécie de saudosismo, assiste-nos a
todos a enorme vantagem de termos conhecido o antes e o agora.
A maioria de
nós foi do tempo da caneta, das máquinas de escrever com aquelas fitas metade
vermelhas metade azuis, que era preciso fazer render ao máximo porque eram
caras e o chefe fazia sempre cara feia quando era preciso requisitar alguma — mas
também é do tempo dos computadores.
A maioria de
nós foi do tempo do chumbo, das velhas rotativas, das linotypes, da maquetagem
a régua e esquadro nas enorme folhas de papel — mas também é do tempo das
páginas formatadas no écran.
A maioria de
nós foi do tempo em que o jornalismo se aprendia com os mais velhos, ali na
tarimba, com os nossos erros, com as dezenas de vezes que tínhamos de rescrever
a notícia e nem pensávamos que algum dia viria a ser de outra maneira — mas
também é do tempo das escolas de jornalismo.
Isto para
não falar da maior diferença de todas: a maioria de nós foi do tempo da
censura, das páginas retalhadas pelo lápis azul, da angústia de perder as ligações
se os jornais se atrasassem - mas também é do tempo da liberdade.
Mas, ó
gente, o que eu queria mesmo dizer – e juro que ninguém me encomendou o
discurso nem sequer falei com os chefes – era que, e parafraseando o título de
um filme dos Irmãos Coen, “Este jornal não é para velhos”!
Pois, se
calhar não vamos ter aqui todos os dias notícias e reportagens do Justin Bieber
(tadinho, acho que lhe foi apreendida droga no carro, vejam lá!, só tenho
coisas que me ralem…),nem me estou a ver de plantão à casa da Venda do
Pinheiro — mas não falharemos certamente o que acharmos de interesse, seja qual
for a nossa idade, e seja qual for a idade que tem quem nos vai ler.
Cá por mim, irei escrever com o mesmo espírito com que
escrevi em todos os jornais por onde andei.
E, já agora, bem podemos aproveitar um slogan que ainda aí
estampado na parte de trás dos assentos de muitos táxis -“Entre no dia com um
sorriso!” — e entrar também neste jornal com um enorme sorriso.
Pelo menos de quinze em quinze dias, a vida vai sorrir-lhes
um bocadinho mais.
Cá por mim, farei tudo por isso.
In «Sénior» de 23 Mai 13
A certa idade é a idade certa?
ResponderEliminarDepende da pessoa não do número de anos palmilhados.
Engraçado é que na fila estão todos, ninguém pretende tirar o lugar ao vizinho, chegar-se ao guichet para receber o bilhete simples de ida; e não adianta ser-se barra em matemática para calcular o dia da viagem.
Quanto àqueles senhores com 100 nos ombros, coitados, compreende-se pois trabalham muito, especialmente à noite, no chamado trabalho político. Fizessem eles as quarenta horinhas sentados no hemiciclo outro galo cantaria: andavam sem olheiras e o país não era o que é.
Quanto ao jornalinho, que venha ele. Embora o CM seja o diário da república, do povinho e do povão, espero que não sirva de modelo.Quem sabe se terá sucesso? Boa sorte!
As gripes de verão são mesmo chatas. As melhoras!