sábado, 21 de agosto de 2010

QUIROMANTES E ESPANHOLAS

.
Por Alice Vieira

Estas crónicas integram-se num conjunto de crónicas semanais, a publicar no JN até ao dia 5 de Outubro 2010, destinadas a um público jovem, sob o título genérico "DIÁRIO DE UM ADOLESCENTE EM 1910".

O MEU PAI não veio este fim-de-semana ter connosco a Pedrouços.

Sabe-se agora que anteontem a revolução estava para sair para a rua — e mais uma vez não saiu.
Eu nem falo nestas coisas mas, palavra, estou cheio de medo que aconteça com a república o mesmo que aconteceu naquela história muito antiga, em que um pastor estava sempre na brincadeira a gritar “lobo! lobo!” e, quando apareceu um lobo mesmo a sério, ninguém acreditou.
Um dia a revolução vem mesmo a sério para a rua, a República ganha, e já ninguém acredita - e quando o rei for entrar no palácio já lá está um presidente.

Eu até acho que, em vez de mandarem os seus homens de confiança pela Europa a tentar arranjar apoios para a causa, os republicanos deviam era mandá-los a uma consulta da quiromante Madame Brouillard, que — segundo li há bocado no último número da “Ilustração Portuguesa”, - “prediz o futuro com veracidade e rapidez, sendo incomparável em vaticínios”. Tem consultório na Rua do Carmo (o que é muito mais económico do que viajar para França ou Inglaterra), atende das 9 da manhã às 11 da noite, e paga-se mil reis por cada consulta. Não é barato, mas o que são mil reis diante da possibilidade de sabermos o futuro?

Parece que desta vez o culpado do falhanço da revolução foi um oficial que, à última hora, com medo do conflito que iria estalar a seguir, atraiçoou a causa e denunciou tudo.

Quem me contou foi o Sr. Sebastião, que estava excitadíssimo:

- Lisboa está um barril de pólvora, menino Zé! Foram apreendidas mais de 150 bombas, a tropa está toda de prevenção…

O Sr. Sebastião, que é quem avia os fregueses na Drogaria Gonçalves, é republicano. Quando cá está, o meu pai passa horas e horas a conversar com ele. A minha mãe está sempre a queixar-se de que ele passa mais tempo na Drogaria Gonçalves do que passa em casa.

- Cada um tem a espanhola que merece… — murmurou uma vez a minha avó, e eu era pequeno e não percebi nada.

Mas agora já vou entendendo alguma coisa de histórias de homens… (De resto, daqui a uns meses faço 15 anos, já não sou nenhuma criança.)

Segundo me conta a Rosa, nalgumas praias há uns clubes onde se ouve música e se fazem muitos bailes, e onde os homens gostam muito de ir, porque há por lá umas bailarinas espanholas muito engraçadas. E passam lá imenso tempo…

A Rosa jura que nós vimos sempre para Pedrouços (as outras alternativas eram Paço d’Arcos e Cascais) exactamente porque aqui não há clube nenhum desses, e a minha mãe pode passar férias descansadas…

Mas o meu pai diz que escolheu Pedrouços porque, para lá dos bons ares reconhecidos no mundo inteiro, aqui não corre o risco de dar de caras com a realeza, que está toda em Cascais, nem com esses nobres de meia tigela, que estão todos em Paço d’Arcos.

De resto, agora com a revolução a anunciar-se dia sim, dia não, duvido que o meu pai tivesse muita vontade de bailar com as espanholas.

«JN» de 21 Ago 10

Sem comentários:

Enviar um comentário