Por Alice Vieira
Estas crónicas integram-se num conjunto de crónicas semanais, a publicar no JN até ao dia 5 de Outubro 2010, destinadas a um público jovem, sob o título genérico "DIÁRIO DE UM ADOLESCENTE EM 1910".
A ROSA NÃO PÁRA de chorar, sem notícias do Alfredo.
O meu pai diz-lhe que não é caso para alarme, o mais provável é ele ter arranjado maneira de fugir e estar escondido num sítio qualquer.
- E por que é que não me dá notícias? — chora a Rosa
- Porque está escondido. Se está escondido é porque não quer que ninguém o veja — e faz ele bem!
E o meu pai desatou logo a resmungar que é por estas e outras que a revolução tem falhado sempre.
- Começam a falar com quem não devem, começam a aparecer às namoradas, dão com a língua nos dentes - e lá se vai tudo por água abaixo.
Fez uma pausa e murmurou:
- Mas desta vez não vai falhar…
A minha mãe sentiu-se logo maldisposta, e pediu um chá de tília.
- Fernando, não me esconda nada! É agora? Diga-me: é agora?
O meu pai sossegou-a:
- Esteja descansada! Então não sabe que o nosso rei está de férias? Se o rei - que, segundo diz a senhora minha sogra, só pensa na segurança e bem-estar do seu povo - foi tranquilamente para o Buçaco, ouvir os passarinhos - é porque está tudo bem.
A minha mãe não pareceu convencida:
- Eu conheço-o, Fernando…
Então o meu pai deu-lhe um beijo e saiu.
A minha mãe não sossegou nessa tarde.
A minha avó ainda pensou em mandar a Rosa chamar a Dra. Adelaide, mas a minha mãe não deixou:
- Nem pense, minha mãe! Se anda conspiração no ar, de certeza que a Dra. Adelaide está lá metida, e não vai ter tempo para acudir a achaques sem importância…Isto é nervoso, já passa. E realmente, o Fernando tem razão: se D.Manuel foi de férias para o Buçaco, é porque está tudo calmo.
- E ao que parece não está lá sozinho... — resmungou a Rosa, entrando com a tisana para a minha mãe – Esse ao menos manda chamar a namorada e não lhe esconde nada…
A minha avó saiu logo em defesa do bom nome do seu rei:
- D.Manuel não tem namorada nenhuma. Isso são más línguas!
- Ora essa! – defendeu-se a Rosa -Toda a gente sabe que a actriz está lá com ele! E que ele a cobre de jóias! E que até já lhe deu um automóvel!
- Pronto, já bebi o chá, leva a xícara — disse a minha mãe, para repor a paz na sala.
Finalmente fez-se silêncio.
A minha mãe tricotava qualquer coisa em tons de azul.
No bastidor, a minha avó bordava a palavra “BEBÉ” a ponto de cruz, no meio de um babeiro.
Eu tentava passar da primeira página de “Os Miseráveis”, de um escritor francês muito importante chamado Victor Hugo, que o meu pai me mandou ler há mais de um mês.
- Não há dúvida que os nossos reis não podem ver uma actriz na sua frente…--murmurou então a minha mãe - Já o avô, foi o que foi…
- Não é bonito falar mal dos mortos — disse logo a minha avó.
E era bonito D. Luís andar para todo o lado com a Rosa Damasceno? E é bonito este andar feito doido com a Gaby Deslys? O país numa situação tão grave, o povo a passar fome, e eles a gastarem dinheiro desta maneira?
A minha avó largou o bastidor sobre a mesa.
- Quando a menina fala como o seu marido fica insuportável.
E retirou-se para o quarto.
.Estas crónicas integram-se num conjunto de crónicas semanais, a publicar no JN até ao dia 5 de Outubro 2010, destinadas a um público jovem, sob o título genérico "DIÁRIO DE UM ADOLESCENTE EM 1910".
A ROSA NÃO PÁRA de chorar, sem notícias do Alfredo.
O meu pai diz-lhe que não é caso para alarme, o mais provável é ele ter arranjado maneira de fugir e estar escondido num sítio qualquer.
- E por que é que não me dá notícias? — chora a Rosa
- Porque está escondido. Se está escondido é porque não quer que ninguém o veja — e faz ele bem!
E o meu pai desatou logo a resmungar que é por estas e outras que a revolução tem falhado sempre.
- Começam a falar com quem não devem, começam a aparecer às namoradas, dão com a língua nos dentes - e lá se vai tudo por água abaixo.
Fez uma pausa e murmurou:
- Mas desta vez não vai falhar…
A minha mãe sentiu-se logo maldisposta, e pediu um chá de tília.
- Fernando, não me esconda nada! É agora? Diga-me: é agora?
O meu pai sossegou-a:
- Esteja descansada! Então não sabe que o nosso rei está de férias? Se o rei - que, segundo diz a senhora minha sogra, só pensa na segurança e bem-estar do seu povo - foi tranquilamente para o Buçaco, ouvir os passarinhos - é porque está tudo bem.
A minha mãe não pareceu convencida:
- Eu conheço-o, Fernando…
Então o meu pai deu-lhe um beijo e saiu.
A minha mãe não sossegou nessa tarde.
A minha avó ainda pensou em mandar a Rosa chamar a Dra. Adelaide, mas a minha mãe não deixou:
- Nem pense, minha mãe! Se anda conspiração no ar, de certeza que a Dra. Adelaide está lá metida, e não vai ter tempo para acudir a achaques sem importância…Isto é nervoso, já passa. E realmente, o Fernando tem razão: se D.Manuel foi de férias para o Buçaco, é porque está tudo calmo.
- E ao que parece não está lá sozinho... — resmungou a Rosa, entrando com a tisana para a minha mãe – Esse ao menos manda chamar a namorada e não lhe esconde nada…
A minha avó saiu logo em defesa do bom nome do seu rei:
- D.Manuel não tem namorada nenhuma. Isso são más línguas!
- Ora essa! – defendeu-se a Rosa -Toda a gente sabe que a actriz está lá com ele! E que ele a cobre de jóias! E que até já lhe deu um automóvel!
- Pronto, já bebi o chá, leva a xícara — disse a minha mãe, para repor a paz na sala.
Finalmente fez-se silêncio.
A minha mãe tricotava qualquer coisa em tons de azul.
No bastidor, a minha avó bordava a palavra “BEBÉ” a ponto de cruz, no meio de um babeiro.
Eu tentava passar da primeira página de “Os Miseráveis”, de um escritor francês muito importante chamado Victor Hugo, que o meu pai me mandou ler há mais de um mês.
- Não há dúvida que os nossos reis não podem ver uma actriz na sua frente…--murmurou então a minha mãe - Já o avô, foi o que foi…
- Não é bonito falar mal dos mortos — disse logo a minha avó.
E era bonito D. Luís andar para todo o lado com a Rosa Damasceno? E é bonito este andar feito doido com a Gaby Deslys? O país numa situação tão grave, o povo a passar fome, e eles a gastarem dinheiro desta maneira?
A minha avó largou o bastidor sobre a mesa.
- Quando a menina fala como o seu marido fica insuportável.
E retirou-se para o quarto.
«JN» de 10 Jul 10
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