sábado, 29 de outubro de 2011

Uma aventura no deserto

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Por Catarina Fonseca

É PRECISO dizer que não sou esquisita com as praias. Desde que tenham areia e mar, para mim servem. Mas há sempre uma legítima na nossa vida, sejam quais forem os affaires. A minha legítima é o Guincho. É verdade que a engano a torto e a direito com qualquer outra que se me atravesse à frente. Mas sempre que lá volto percebo por que é que me casei.

Aliás, casaram-me à força. Eu tinha 4 anos e nem conhecia o noivo. Vais aprender a amá-lo, disseram-me, e eu acreditei, porque aos 4 anos acredita-se em tudo (que remédio).

Nem me lembro do primeiro encontro, que deve ter sido traumático. Mas lembro-me desses primeiros anos. Era na Pré-História. Os dinossauros partilhavam a areia com as gaivotas e ainda não havia um surfista à vista (rima interna. Não façam isto em casa). Aliás, não havia mesmo mais ninguém.
A minha avó tinha decidido, não sei porquê, que aquela era a praia a que se devia levar as crianças. Escusado será dizer que, naquela altura (foi há muitos anos mas há pouco tempo), a única criança num raio de bué quilómetros era eu. A minha avó avançava deserto fora intrepidamente comigo à trela (não sei se literalmente), mais uma terrina de canja, mais a panela do arroz de pato, mais mesa e quatro cadeiras (nunca percebi para quem era a quarta, quem iria visitar-nos àquele fim de mundo?), mais a toalha de linho e respetivos guardanapos bordados, mais os talheres de prata mais o meu avô de fato completo, colete e chapéu preto (que nunca tirava).
Passávamos o barqueiro e a casa do barqueiro que rangia como um barco e cheirava a madeira molhada e a lona molhada e a basicamente quase tudo desde que molhado. Alugávamos uma barraca de lona (a única no areal) e lá ficávamos o s três, eu com creme Nívea no nariz, a minha avó a correr atrás de mim com a toalha aberta como uma gaivota gigante, o meu avô de fato completo sentado numa cadeira de realizador, como se estivéssemos à espera dos outros atores para começar o filme, os dinossauros e as gaivotas a passarinharem por ali.

Todos os dias me explicavam por que é que aquela praia se chamava Guincho. Todos os dias eu percebia porquê. Era um descanso que pelo menos qualquer coisa nesta vida respondesse pelo nome. Acho que era por isso que íamos tanto para lá. Era uma praia em quem se podia confiar, como aquelas pessoas que estão sempre maldispostas.

Hoje já chegaram muitos outros atores. Já não se pode estacionar depois das 8 da manhã. Há campeonatos de surfe todos os minutos. Os dinossauros já debandaram. As gaivotas quase. Até já me contaram que há dias em que nem vento faz. Não interessa. Um amor verdadeiro é para sempre.

«JL» - Lulho 2011

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