Por Alice Vieira
ESTE FIM-DE-SEMANA traz toda a gente muito excitada.
Enfio-me no meu quarto e aproveito para escrever no meu diário.
(Há dias o meu pai disse-me que, daqui a uns anos, isto ainda vai ser um bom documento destes tempos. Nunca se sabe…)
Pois então lá temos outro governo. Desta vez, do ministro Teixeira de Sousa que, antes de vir para a política era médico em Trás os Montes - segundo o meu pai me disse. Acho que nunca o vi (ministro do reino é bicho que não frequenta a nossa livraria…), mas vi uma fotografia: velhote, como todos, de cabelo branco e grande bigode.
Desde que o rei andou aqueles dias todos por Inglaterra, as coisas por cá, se já estavam feias, mais feias ficaram, e nunca mais se recompuseram.
O chefe do governo dizia que não conseguia governar; o rei dizia-lhe que tivesse calma, muita calma (isto devia ele ter ouvido em Inglaterra: a minha mãe está sempre a dizer que os ingleses têm imensa calma, muito mais calma do que nós…); os partidos não se entendiam; a Polícia cada vez fazia mais prisões; e depois de muita confusão, lá se foi o outro governo e lá veio este.
Que não deve durar muito, pois já se fala em fazer eleições no mês de Agosto…
(Se calhar nem valia muito a pena tomar nota aqui do nome deste ministro, que não deve aquecer o lugar, mas como o meu pai diz que este diário ainda pode ser um bom documento, tenho de aqui assentar tudo.)
Também ouvi dizer que o governo é formado por mais seis ministros e que já há quem lhes chame “os sete satanazes”…
- Que país este, santo Deus, onde tudo tem alcunhas! — protestou a minha avó.
Para dizer a verdade não me preocupam muito as alcunhas, nem o novo governo, nem os novos ministros.
O que verdadeiramente me preocupa é que este ano ainda não ouvi ninguém falar das férias de verão.
Em anos normais, a esta hora já a minha mãe estava a organizar tudo para partirmos para a praia de Pedrouços.
A D. Etelvina vinha para nossa casa todas as tardes para arranjar a nossa roupa, deitar bainhas abaixo, alargar e apertar saias, pôr em ordem a roupa de mesa e de cama, essas coisas que é sempre preciso levar quando se vai de férias.
Todos os anos passamos as férias no Chalet Gonçalves, em frente da Drogaria Gonçalves. Pertencia tudo ao Sr. Gonçalves, que era amigo do meu avô, e que já morreu. Agora pertence tudo à D. Bebiana, que é a viúva.
Desde sempre que me lembro de alugarmos a casa para toda a temporada de verão.
Umas semanas antes, a minha mãe ia com a Rosa abrir as janelas, levar já algumas malas, e pedir à D. Bebiana para arranjar duas raparigas que pudessem ir lá para casa servir durante esses meses, porque a Rosa sozinha não dava conta do recado.
Depois mudávamo-nos todos para lá - menos o meu pai, que só ia ao fim de semana, porque não podia fechar a livraria.
Mas este ano, ou por causa da república, ou por causa do meu irmão, ainda ninguém começou a falar em férias.
E isto, sinceramente, isto é que verdadeiramente me preocupa.
.ESTE FIM-DE-SEMANA traz toda a gente muito excitada.
Enfio-me no meu quarto e aproveito para escrever no meu diário.
(Há dias o meu pai disse-me que, daqui a uns anos, isto ainda vai ser um bom documento destes tempos. Nunca se sabe…)
Pois então lá temos outro governo. Desta vez, do ministro Teixeira de Sousa que, antes de vir para a política era médico em Trás os Montes - segundo o meu pai me disse. Acho que nunca o vi (ministro do reino é bicho que não frequenta a nossa livraria…), mas vi uma fotografia: velhote, como todos, de cabelo branco e grande bigode.
Desde que o rei andou aqueles dias todos por Inglaterra, as coisas por cá, se já estavam feias, mais feias ficaram, e nunca mais se recompuseram.
O chefe do governo dizia que não conseguia governar; o rei dizia-lhe que tivesse calma, muita calma (isto devia ele ter ouvido em Inglaterra: a minha mãe está sempre a dizer que os ingleses têm imensa calma, muito mais calma do que nós…); os partidos não se entendiam; a Polícia cada vez fazia mais prisões; e depois de muita confusão, lá se foi o outro governo e lá veio este.
Que não deve durar muito, pois já se fala em fazer eleições no mês de Agosto…
(Se calhar nem valia muito a pena tomar nota aqui do nome deste ministro, que não deve aquecer o lugar, mas como o meu pai diz que este diário ainda pode ser um bom documento, tenho de aqui assentar tudo.)
Também ouvi dizer que o governo é formado por mais seis ministros e que já há quem lhes chame “os sete satanazes”…
- Que país este, santo Deus, onde tudo tem alcunhas! — protestou a minha avó.
Para dizer a verdade não me preocupam muito as alcunhas, nem o novo governo, nem os novos ministros.
O que verdadeiramente me preocupa é que este ano ainda não ouvi ninguém falar das férias de verão.
Em anos normais, a esta hora já a minha mãe estava a organizar tudo para partirmos para a praia de Pedrouços.
A D. Etelvina vinha para nossa casa todas as tardes para arranjar a nossa roupa, deitar bainhas abaixo, alargar e apertar saias, pôr em ordem a roupa de mesa e de cama, essas coisas que é sempre preciso levar quando se vai de férias.
Todos os anos passamos as férias no Chalet Gonçalves, em frente da Drogaria Gonçalves. Pertencia tudo ao Sr. Gonçalves, que era amigo do meu avô, e que já morreu. Agora pertence tudo à D. Bebiana, que é a viúva.
Desde sempre que me lembro de alugarmos a casa para toda a temporada de verão.
Umas semanas antes, a minha mãe ia com a Rosa abrir as janelas, levar já algumas malas, e pedir à D. Bebiana para arranjar duas raparigas que pudessem ir lá para casa servir durante esses meses, porque a Rosa sozinha não dava conta do recado.
Depois mudávamo-nos todos para lá - menos o meu pai, que só ia ao fim de semana, porque não podia fechar a livraria.
Mas este ano, ou por causa da república, ou por causa do meu irmão, ainda ninguém começou a falar em férias.
E isto, sinceramente, isto é que verdadeiramente me preocupa.
«JN» de 26 Jun 10
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