sábado, 5 de junho de 2010

O CENTENÁRIO DA ARGENTINA

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Por Alice Vieira


Estas crónicas integram-se num conjunto de crónicas semanais, a publicar no JN até ao dia 5 de Outubro 2010, destinadas a um público jovem, sob o título genérico "DIÁRIO DE UM ADOLESCENTE EM 1910".

POR TODA A PARTE se ouve falar da república e de conspirações. Pelo que ouço, toda a gente conspira. E toda a gente sabe que toda a gente conspira!
Acho mesmo que só o rei é que não sabe.
Um dia acorda, e tem uma grande surpresa, olá se tem.
Mas enquanto não acorda, anda nas festas do costume. Esta semana, por exemplo, festeja-se o centenário da Argentina.

A Argentina era uma colónia espanhola mas, depois de muitas lutas, conseguiu ser país independente — e republicano!
Quando penso que Portugal já é independente há quase oitocentos anos, fico espantado por haver países que são independentes há tão pouco tempo!
Segundo conta o meu pai, as coisas na Argentina andam complicadas (pelos vistos a república não resolve tudo…) e estes festejos, que têm carácter internacional, são mais para fazer esquecer o que verdadeiramente lá se passa.
Mas, apesar disso, lá fez a montra da livraria a chamar a atenção das pessoas para o acontecimento.
Só que em vez de pôr a fotografia do presidente (que passou esta semana por Lisboa, numa visita relâmpago, apenas o tempo de ir cumprimentar o rei e as rainhas ás Necessidades) pôs fotografias de heróis argentinos — e heróis, felizmente, todos os países têm.
A Argentina tem Simon Bolívar e José de San Martín.

No colégio, a propósito destas comemorações, aprendemos a sua história, as suas lutas, e como dedicaram a vida a libertar todos os povos do poder de Espanha, e saímos todos para a rua a berrar “liberdade ou morte!”
Ao lado dos retratos dos heróis o meu pai colocou ainda uma placa, onde ele próprio tinha escrito em letra desenhada, uma frase de Bolívar num dos seus primeiros discursos:

................“Juro pelo deus de meus pais
................Juro por eles
................Juro pela minha honra
................Juro pela minha pátria
................- que não darei descanso ao meu braço nem repouso à minha alma até ter conseguido quebrar as grilhetas que subjugam os nossos povos ao poder espanhol.”

Mas para não se dizer que não falava de livros — sempre era a montra de uma livraria… - colocou em lugar de destaque uma obra - “El Gaúcho Martin Fierro” e “La Volta de Martin Fierro” - de um poeta argentino chamado José Hernández.
O meu pai diz que se trata do livro mais importante da literatura argentina, que fala das lutas de gaúchos (uma espécie de cowboys) e de índios, dos combates pela terra quando começou a construção das linhas de caminho de ferro, a luta pelo domínio das pampas (uma espécie de pradaria) e contra a exploração.

- Uma espécie de “D.Quixote” — diz ele.

Eu não quero desdizê-lo mas parece-me mais uma espécie de Texas Jack-- mas com a desvantagem de ser em espanhol, em verso, e em dois volumes…
Fora isto, foi uma semana pacífica: está a decorrer o Concurso Hípico Internacional (lá vai o rei a todas as provas…), a minha mãe ainda não estreou a máquina de costura nova, e a casa toda cheira a Heno de Pravia.

«JN» de 5 Jun 10

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