Por Alice Vieira
Estas crónicas integram-se num conjunto de crónicas semanais, a publicar no JN até ao dia 5 de Outubro 2010, destinadas a um público jovem, sob o título genérico "DIÁRIO DE UM ADOLESCENTE EM 1910".
AFINAL O COMETA chegou, e não aconteceu nada!
O dia 18, que muita gente dizia ser o fim do mundo, foi uma quarta feira igual a todas.
Devo mesmo dizer que foi um dia particularmente calmo, sem bombas, sem rusgas, sem prisões - pelo menos que eu desse por isso.
O meu pai saiu à hora do costume para abrir a livraria, avisando que não esperássemos por ele para jantar, porque possivelmente ia até S. Pedro de Alcântara ou até ao monte de S.Gens, os melhores lugares da cidade para se ver a passagem do fenómeno.
A minha mãe ainda pensou em ir com ele mas depois teve medo que aquilo deitasse para muito tarde — os cometas nunca têm hora certa de chegar… - e a médica está sempre a dizer-lhe que agora tem de dormir muito.
A minha avó passou o dia todo a rezar a Sto. Expedito, e a Rosa andou sempre com a garrafa de oxigénio dentro do bolso do avental.
Eu tive as aulas do costume, e às quatro horas já estava em casa.
Até ao fim do dia ainda esperei que acontecesse qualquer coisa, mas às dez da noite estava tão cheio de sono que caí na cama e só acordei na manhã seguinte.
Ao pequeno almoço o meu pai contou que no alto de S. Pedro de Alcântara se tinha visto um clarão no céu lá pelas duas da madrugada — e mais nada.
Deste fim do mundo já nos livrámos.
É claro que o meu pai não perde nenhuma oportunidade para fazer um discurso — e lá foi dizendo, entre dois goles de café com leite, que os cometas, quando aparecem, são sempre sinais de grandes mudanças.
- Desgraças! – murmurou a minha avó
- Mudanças, senhora minha sogra — emendou ele — eu disse “mudanças”! Não tenho dúvidas nenhumas de que este irá ficar conhecido como “o cometa da República”, porque também não tenho dúvidas nenhumas de que a monarquia está por um fio…Atentai no que eu vos digo: a República está a chegar!
- O rei é que nunca mais chega! — exclamou a minha mãe.
De facto, está toda a gente admirada com a demora de D. Manuel II em Londres. Jorge V, o novo rei inglês, já foi coroado, e o nosso parece que não tem pressa nenhuma de regressar à pátria…
Saiu de cá no dia 15, já hoje estamos a 22, e ele nada.
- A Gaby deve andar a mostrar-lhe a cidade… - e a minha mãe deu uma gargalhada.
Segundo me contou a Rosa (que lhe contou o Alfredo), o rei anda apaixonado por uma actriz francesa que se chama Gaby Qualquer Coisa (a Rosa diz que é um apelido complicado, e nomes complicados não é com ela…)
Conheceu-a numa das viagens que fez, e agora, sempre que vai ao estrangeiro, aproveita para estar com ela.
- Coitadinho… - diz a Rosa (que é muito republicana mas que, em questões de coração, deixa de ter partido) — tem de aproveitar enquanto pode, pois qualquer dia obrigam-no a casar, e lá se vai a actriz!
E pronto, lá passámos mais uma semana.
Sem fim do mundo e sem rei.
Se demorar muito, se calhar ainda a República chega primeiro do que ele.
O dia 18, que muita gente dizia ser o fim do mundo, foi uma quarta feira igual a todas.
Devo mesmo dizer que foi um dia particularmente calmo, sem bombas, sem rusgas, sem prisões - pelo menos que eu desse por isso.
O meu pai saiu à hora do costume para abrir a livraria, avisando que não esperássemos por ele para jantar, porque possivelmente ia até S. Pedro de Alcântara ou até ao monte de S.Gens, os melhores lugares da cidade para se ver a passagem do fenómeno.
A minha mãe ainda pensou em ir com ele mas depois teve medo que aquilo deitasse para muito tarde — os cometas nunca têm hora certa de chegar… - e a médica está sempre a dizer-lhe que agora tem de dormir muito.
A minha avó passou o dia todo a rezar a Sto. Expedito, e a Rosa andou sempre com a garrafa de oxigénio dentro do bolso do avental.
Eu tive as aulas do costume, e às quatro horas já estava em casa.
Até ao fim do dia ainda esperei que acontecesse qualquer coisa, mas às dez da noite estava tão cheio de sono que caí na cama e só acordei na manhã seguinte.
Ao pequeno almoço o meu pai contou que no alto de S. Pedro de Alcântara se tinha visto um clarão no céu lá pelas duas da madrugada — e mais nada.
Deste fim do mundo já nos livrámos.
É claro que o meu pai não perde nenhuma oportunidade para fazer um discurso — e lá foi dizendo, entre dois goles de café com leite, que os cometas, quando aparecem, são sempre sinais de grandes mudanças.
- Desgraças! – murmurou a minha avó
- Mudanças, senhora minha sogra — emendou ele — eu disse “mudanças”! Não tenho dúvidas nenhumas de que este irá ficar conhecido como “o cometa da República”, porque também não tenho dúvidas nenhumas de que a monarquia está por um fio…Atentai no que eu vos digo: a República está a chegar!
- O rei é que nunca mais chega! — exclamou a minha mãe.
De facto, está toda a gente admirada com a demora de D. Manuel II em Londres. Jorge V, o novo rei inglês, já foi coroado, e o nosso parece que não tem pressa nenhuma de regressar à pátria…
Saiu de cá no dia 15, já hoje estamos a 22, e ele nada.
- A Gaby deve andar a mostrar-lhe a cidade… - e a minha mãe deu uma gargalhada.
Segundo me contou a Rosa (que lhe contou o Alfredo), o rei anda apaixonado por uma actriz francesa que se chama Gaby Qualquer Coisa (a Rosa diz que é um apelido complicado, e nomes complicados não é com ela…)
Conheceu-a numa das viagens que fez, e agora, sempre que vai ao estrangeiro, aproveita para estar com ela.
- Coitadinho… - diz a Rosa (que é muito republicana mas que, em questões de coração, deixa de ter partido) — tem de aproveitar enquanto pode, pois qualquer dia obrigam-no a casar, e lá se vai a actriz!
E pronto, lá passámos mais uma semana.
Sem fim do mundo e sem rei.
Se demorar muito, se calhar ainda a República chega primeiro do que ele.
«JN» de 22 Mai 10
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