segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Crónica fútil

Por Catarina Fonseca

PASSAMOS A VIDA a comparar-nos com as outras. Ai eu sei que é inútil, mas são estes pequenos momentos que nos deitam (momentaneamente) abaixo.

Sabem aqueles dias em que nos sentimos mesmo giras? No outro dia, acordei assim. Saí de casa a pensar, Ai que gira que eu estou. Estou mesmo gira. É que se fosse homem saltava-me imediatamente para cima.

Eis senão quando se me pranta à frente uma tipa com três metros de perna, mais quatro de trança, mais bronze do Optimus Alive. Era eu em gira. Em muito muito muito mais gira. Fui condenada a segui-la rua abaixo. Inda por cima a rua era comprida. Vocês não odeiam metáforas?

Fiquei a pensar naquela cena deprimente de haver sempre quem seja muito melhor do que nós, o que quer que se faça ou seja na vida. Cheguei de autoestima arrasada à minha secretária e comecei logo bem o dia com um daqueles mailes de Bobis a precisar de lar: ‘Cãozinho acorrentado a uma casota, de família de etnia cigana, com fome, parasitas, e ferido…’ O pobre do Bobi cigano (dúvida que me ocorre de repente: e terão tirado o cão à família cigana com parasitas e deixado lá as crianças?) com parasitas e fome estava bem pior que eu, que a única desgraça que tinha na vida era não ser tão gira como a Rapunzel da minha rua (além de ter janelas que fecham mal e um estore avariado, que não chega a ser tão mau como ter parasitas, embora chegue ligeiramente mais perto). É verdade que a inveja é o pior dos parasitas, mas ainda assim não é tão grave como parasitas a sério.

Decidi portanto procurar ajuda especializada e embrenhei-me no livro ‘Os segredos das mulheres brasileiras’, da fantástica Nelma Penteado. De certeza que a outra rapariga o leu. Ou se calhar não precisava. Há quem tenha a sorte de nascer brasileira de alma (e ainda mais sorte em nascer de corpo). Estava eu embrenhada a divertir-me mais do que na Feira Popular (ai que saudades!) quando dou com o seguinte parágrafo sobre reforçar os nossos pontos positivos: “Não gosta das suas pernas? Há pessoas que não as têm! Não gosta do seu rosto? Há pessoas bem piores! Tem só uma perna? Passe-lhe creme, pinte as unhas dos pés e transforme a sua vida numa vida feliz.”
Ai meu Deus. Estou a tremer até hoje. Só uma perna? Imaginei-me só com uma pernita, a passar verniz nos meus cinco deditos únicos! Tive pesadelos a noite toda comigo mesma a tentar fazer RPM só com uma pernita. Isto sim, é mau! É muito pior do que ser cão com parasitas numa família cigana! Comparado com isto, já nem me atrevo a chorar no ombro da minha mãezinha e dizer-lhe “Ai porque é que não saio ao tio Olímpio que ele sim tinha três metros de perna!” ao que ela me responderia, se bem a conheço, “Pois tinha, e também era careca e estrábico, e não se chamava verdadeiramente Olímpio porque havia mais 16 irmãos e a mãe pôs o mesmo nome a dois filhos.”

Não liguem. É do calor. Da ressaca das férias. Conclusão disto tudo? Sejam o mais giras que possam e não olhem para as outras. Não abram mailes de cãezinhos abandonados ao princípio da manhã. E acima de tudo, passem creme na(s) perna(s).

P.S – Isto era para ser uma crónica séria e útil sobre o eterno retorno do Regresso às Aulas. Sendo que não tenciono regressar às aulas nem amarrada de pés e mãos, fiquem-se com a Nelma e sejam felizes. E giras. Se puderem.
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«Passiva» de Set 10

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