sábado, 25 de setembro de 2010

O MEU IRMÃO JÁ TEM NOME

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Por Alice Vieira

Estas crónicas integram-se num conjunto de crónicas semanais, a publicar no JN até ao dia 5 de Outubro 2010, destinadas a um público jovem, sob o título genérico "DIÁRIO DE UM ADOLESCENTE EM 1910".

AS CORTES abriram anteontem.
Eu estava na livraria com o meu pai e ouvi-o falar disso com o Dr. Miguel Bombarda, que é um médico muito amigo dele (“um grande republicano!”) que vai lá muito comprar livros, e depois fica na conversa.
Segundo ouvi, D. Manuel fez um discurso que parecia não ter fim, prometendo reformas da instrução, da justiça, da administração, enfim, de praticamente tudo.

- Está louco…- dizia o Dr. Miguel Bombarda – Completamente louco…

(O Dr. Miguel Bombarda é especialista em tratar pessoas loucas, de maneira que está sempre a ver loucura em tudo…)
Mas o meu pai deu-lhe razão:

- Um discurso perfeitamente irrealista! Mas não podemos esquecer que o discurso foi feito na base das propostas de medidas que constavam do programa de governo!
- Loucos!...Todos loucos!...

O discurso, no entanto, não deve ter grande efeito, porque as Cortes voltaram a fechar hoje, e só devem abrir em 12 de Outubro. Até lá, muita coisa pode mudar.
E, mais uma vez, andamos em festa.

- Amanhã chega a Lisboa o Duque de Wellington — disse o meu pai, ao jantar.

Até me ia engasgando com a carne assada.

- O Duque de Wellington?? O verdadeiro?

A minha avó murmurou logo que todos os duques são verdadeiros, mas o meu pai olhou para mim de tal maneira que tive vontade de me enfiar pelo chão.

- Isso nem parece teu, Zé Joaquim! Vamos comemorar o centenário da batalha do Buçaco, e tu querias que o duque fosse o mesmo? Este é o neto!

Mas para mim, heróis são heróis, e netos de heróis não têm graça nenhuma , por isso desinteressei-me do assunto, e o meu pai ficou a discutir com a minha mãe a qualidade do ensino em Portugal e que se calhar, em Outubro, eu ia para outra escola, muito possivelmente para uma das que funcionam nos Centros Republicanos.
No fim do jantar a minha avó foi buscar o bastidor e ficou a bordar na roupa o monograma do meu irmão, tal como tinha feito quando eu nasci. Ainda hoje gosto de olhar para esses dois “J”, como duas minúsculas bengalas, bordados na roupa que era minha e que está agora guardada no roupeiro.
Agora o monograma é diferente: depois de alguma discussão, os meus pais chegaram a acordo e o meu irmão vai-se chamar Manuel Alfredo. Portanto a minha avó borda na roupa as iniciais MA entrelaçadas uma na outra.

- E tenho de me despachar, porque a parteira disse que a criança era capaz de nascer fora de tempo…- diz ela, não se importando de assustar ainda mais a minha mãe.

Não percebo porque é que escolheram aqueles dois nomes – eu sou José Joaquim em honra da minha mãe, Maria José, e da minha Avó, Joaquina — mas na família não há nenhum Manuel nem nenhum Alfredo, e duvido muito que seja em honra do rei…
Mas a minha avó deve saber qualquer coisa — e não lhe agrada, porque se farta de soprar enquanto borda as letras no bastidor, e há dias ouvia-a murmurar:

- Criminosos…Dois criminosos…

Mas o meu pai apareceu na sala nessa altura e ela pediu à Rosa água chalada para os nervos, e já não bordou mais.
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«JN» de 25 Set 10

1 comentário:

  1. Boa tarde, interessei-me muito nesta cronica, e gostava que me esclarecesse se possível, porque o irmão de José Joaquim vai se chamar Manoel Alfredo?
    Muito Obrigado!
    e-mail:
    tharcio@msn.com

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