quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A avó do Hitler

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Por Catarina Fonseca

ACHAM QUE a História da Humanidade seria diferente se mais avós tivessem feito o que lhes competia?

No Dia dos Avós, tenho por hábito reunir os meus quatro sobrinhos e, pronto, obrigá-los (é triste mas a palavra é essa) a fazer uns cartõezinhos para oferecer às duas avós. Cada um pode fazer o que bem lhe apetecer: desenho, poema, rabisco, texto. Felizmente ainda nenhum deles se lembrou de imitar um amigo meu, mandar um envelope vazio com uma nota a avisar: “Mando-lhe ar de Paris…”
Claro que nem sempre a coisa corre como previsto. Há dois anos, foi particularmente complicado. O Pedro estava na fase do xixi-cocó. Olhei para o desenho dele, rezando para que não lhe desse para explicar à avó Cila o que eram aquelas bolinhas a sair do (“Quem é este?” “É o Afonso Henriques.” “O Afonso Henriques? Mas porquê?”, “Porque ele quis.” “Ah. De facto, é uma boa resposta.” “E olha, ele está a fazer…” “Já sei, já percebi o que é que ele está a fazer, obrigada”, “Pela muralha abaixo!”, “Que giro”). O Diogo, então com 8, trabalhava compenetradamente. De língua de fora, escrevia escrevia. Terminou com um desenho. Uma matrona numa… mota?
“É uma avó, a senhora da mota?”
Ele levantou a cabeça e franziu o sobrolho, com ar ofendido. Suspirou levemente (aquele suspiro com que brindamos os menos inteligentes que nós) e lá explicou: “É a avó do Hitler.”
Engoli em seco. Estava-me a ver a apresentar o cartão a alguma das avós: de um lado, o Afonso Henriques a desfazer-se em diarreia pela muralha abaixo, do outro a avó… do Hitler.
Ele defendeu-se: “Então, até ele havia de ter avó, ou não?”
Meditei por um momento. Os meus conhecimentos de História mundial não se alargavam à avó do Hitler. “E como é que lhe chamaste?”
Ele franziu o sobrolho novamente mas lá respondeu: “Helga.”
Bem, pelo menos não era Conceição. Helga. E tinha uma Harley Davidson, pelos vistos. E duas pistolas. E pelo que pude ler na legenda, estava a mandar o neto para o seu próprio campo de concentração.
Ele estava contente com a obra. “Tá fixe, não tá?”
“Não achas melhor” tentei eu, “fazer agora outro cartão para a outra avó?”
Ele encolheu os ombros. Rezei para que não saísse dali a avó do Mussolini. Do General Franco. Do Estaline ( Estava mesmo a ver. A avó Olga, a mandar o neto para os gulags da Sibéria). E o Salazar, teria avó?
Toda eu me preparava para o AVC quando peguei no segundo cartão. Um pacato cavaleiro de espadinha mais uma pacata dama com saia de balão.
“São os avós de quem?” inda arrisquei (Pedro o Grande? Ivan o Terrível?).
Ele olhou-me como se estivesse a gozar com ele.
“Não são avós de ninguém! São príncipes! Não querias uma coisa mais à avó? Fiz-te uma coisa mais à avó! As avós gostam de princesas!”
Bem, resta acrescentar que a avó Alice acabou a rir até às lágrimas quando se apanhou frente a frente com a avó do Hitler (inda lá está em lugar de honra na prateleira da sala) e a avó Cila adorou os príncipes. Eu fiquei a pensar. De facto, toda a gente teve uma avó. Ou não? Será que o Hitler foi o Hitler porque não teve uma avó? Se tivesse uma avó Helga, teria sido pacatamente Herr Schicklgruber toda a vida? E onde estavam as avós de Mussolini, Franco e Estaline, quando se precisou delas?
Não pensei mais. Para quê? Há coisas que são tão verdade que não servem para nada.

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