quarta-feira, 10 de março de 2010

Casais que conhecemos

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Por Catarina Fonseca

ENCONTRAMO-LOS todos os dias, no trabalho, na rua, na casa de amigos. Um casal é mais do que a soma de duas pessoas, e algumas duplas podem ser mesmo explosivas.

Dos felizes aos disfuncionais, esta é apenas uma pequena amostra do que podemos encontrar:

- O calado e a matraca – Podem estar juntos há 3 meses ou há 30 anos, que o esquema é sempre o mesmo: ela fala fala fala como se não houvesse amanhã, ele não responde ou responde com uns grunhidos. Prognóstico de duração: depende. Ou já estão casados há tanto tempo que já se acomodaram ao esquema, ou então há um dia em que ele se revolta e dá o salto com a Sãozinha da contabilidade, deixando a ex de rastos porque nunca lhe passou pela cabeça que ele tivesse coragem para roer a corda.

- O intelectual e a bomba – O que ele viu nela é claro, o que ela viu nele nem por isso, o que corresponde ao nosso racismo cultural de achar que a beleza é mais importante que os neurónios. Ela nunca faz nada sem falar com ele. Ele dá-lhe pelo ombro e vai ao dobro das festas desde que anda com ela, com um braço pela cintura da bomba e aquele sorrizinho de ‘vejam lá o que eu consegui’. Prognóstico de duração: Pode resultar, mas geralmente a bomba acaba por cansar-se e partir em busca de novos neurónios. Ou vice-versa…
- Os marretas – Toda a gente os conhece: ela diz mata, ele diz esfola. Têm um único objectivo na vida: fazerem a cabeça em água um ao outro. Qualquer pormenor é pretexto para uma refrescante discussão: a escola do filho, a tigela do cão, quem é que vai pôr o lixo lá fora, se estão a ter um ataque de coração ou um ataque de fúria, em que restaurante é que se janta e se o vestido da Vanda era cor de rosa choque ou cor de rosa escuro. Prognóstico de duração: Geralmente, é prisão perpétua, e aquilo dura até algum deles morrer de exaustão e surdez aos 89 anos.

- Os colas – Não falam com ninguém, nem sequer um com o outro. Andam encolhidinhos como se estivessem sempre cheios de frio, nos restaurantes entretêm-se a observar a mesa do lado, nas festas não descolam um do outro, mal abrem a boca, e não é que sejam antipáticos, partilham é um mal-estar constante perante o mundo. Prognóstico de duração: Se o mal estar é um com o outro, a relação está por um fio, se é timidez partilhada, é para a vida.

- Os pombinhos – Ainda têm aquele ar fresquinho de felizes com a vida e um com o outro. Ela chama-lhe kiducho e ele chama-lhe fofinha e isto por tudo e por nada, ‘ó kiducho passa-me aí o sal’, ‘ó fofinha como é que se chamava aquela tua tia de Alfornelos que fazia muito bem tigelada’, e não saem de cima um do outro, ele ao colo dela, ela ao colo dele, as mãozinhas eternamente dadas e aquele ar babado de quem não sabe que o resto do mundo existe. É muito irritante sair com eles porque, como vivem um para outro, tem-se sempre a sensação de que se está a mais, ou mesmo de que se está sozinha. Prognóstico de duração: Depende dos pombinhos, mas quando a coisa é demasiado melada geralmente dura o tempo que dura um pacote de açúcar.

- O engatatão e a inocente – Ele é um lobo com pele de cordeiro: dorme com todas as outras (a amiga dele, as amigas dela, a melhor amiga de ambos, a menos amiga, a prima, a patroa, a secretária, a colega, a conhecida, a quase desconhecida, a mesmo desconhecida) e trata a mulher nas palminhas. Aparentemente são um casal modelo, não fosse o pormenor de toda a gente saber das traições menos ela. Prognóstico de duração: se ele fizer bem as coisas e ela aprender a fechar os olhos, para sempre.

- Os felizes para sempre – São raros, não porque os casais felizes sejam raros mas porque os casais felizes sem que a gente tenha vontade de lhes furar as almofadas são raros. São felizes mas não alardeiam a sua felicidade, não a atiram à cara dos outros, não a exibem como um troféu. Prognóstico: Há duas hipóteses: a mais provável é que seja mesmo para sempre. Mas também pode acontecer que sejam tão felizes que um dia se possam separar docemente, sem as mágoas e as lutas que afectam os outros casais.

- Os sócios – Lembram-nos que há outros motivos para casar que não o amor e a paixão, o que nos desconcentra ligeiramente, mas vistas bem as coisas, por que não? Geralmente são um casal modelo, que não briga em público, não exige amor eterno um ao outro, e tolera escapadinhas que não ponham em causa o contrato. Prognóstico: É muito civilizado no papel, mas a verdade é que já não estamos na Idade Média e a maioria das pessoas quer mais de um casamento. Aguenta até algum deles se apaixonar de verdade por alguém: ou exigir ao outro mais sentimento do que o contrato estabeleceu.

- Os ‘Que Giros que Nós Somos’ – Escolheram-se mais porque ficavam bem ao lado um do outro do que por qualquer outra coisa. Pertencem a um mundo onde a imagem é parte do sucesso, e ambos sabiam isso quando se escolheram. Prognóstico de duração: Quando se cansarem da cara um do outro, escolhem outro bibelô.

- Os que não assumem – Vão sempre juntos para todo o lado mas não, não há nada entre ambos, juram eles, passam a vida a jurar e a aparecer juntos, andam de mãozinha dada mas são só amigos, ou pior, já vivem juntos há 30 anos e têm dois filhos mas quando se apresentam um ao outro ainda é só ‘A Ana, a minha namorada’. Não se percebe de onde lhes vem o medo do compromisso mas como a vidinha é deles e não chateiam ninguém e os amigos já se habituaram àquilo, ninguém liga. Prognóstico: Dura a vida toda.

- Os que vivem para os filhos – Nem se percebe como é que têm tempo um para o outro. Funcionam em equipa: ambos passam a vida a correr atrás das crianças, ‘Ó Madalena não se bate no Salvador, ó Tomás tire a cadeira de cima da Maria, e alguém viu a Teresinha?” Uma conversa típica com os amigos é: “Olhe, tem por acaso uma fralda nº3?”, “Sim, acho que a Pilar já não precisa delas, largou-as no mês passado”. Curiosamente, são pais despachados e pouco dados ao drama, o que é necessário quando se tem cinco filhos. Não se acham sacrificados, acham que serem pais é uma missão que têm na vida. Prognóstico: Dura até os filhos saírem de casa.

- Os sempre em crise – Nunca se sabe muito bem se estão juntos ou separados. Ora estão apaixonados ora não se podem ver, ela atira-lhe com a panela de massa à cabeça e ele sai de casa, ela pede-lhe desculpa e ele volta, ele diz-lhe que a mãe dela é insuportável e ela sai de casa, e etc. Prognóstico: Parece que podem andar nisto a vida toda, mas chega uma altura em que um deles fica pelos cabelos e a ruptura é de vez. Sai de casa batendo a porta, com a panela da massa debaixo do braço e o estômago cheio de farfalle.

- Os loucos por cães – Aqui não há crianças mas há caniches, cockers, e rafeiros daqueles irritantes com as pernitas curtas e a barriga a rasar o chão, que têm a cara da nossa tia Augusta (também sofrem do coração e têm cataratas e um dente desalinhado como ela) e ladram indignadíssimos pela noite dentro se alguém no último andar do prédio deixa cair uma colher. Quanto mais feinhos, mais digno e terno o nome: São as ‘Ladies’ e as ‘Bonecas’ para as ‘meninas’, ‘Piruças’ ou ‘Bolinha’ para os ‘meninos’. Fazem-lhes festas de anos e vestem-lhes t-shirts para cão e cozinham-lhes carne de borrego com arroz e dão-lhes bolos de chocolate que lhes fazem pessimamente. Raramente se atrevem aos Grand-Danois, quem tem Grand-Danois são os rapazes atléticos que vivem sozinhos. Prognóstico: Depende do Piruças.

- Os casados há 30 anos – Não vivem em estado de paixão mas ainda têm coisas que os unem, a rotina, o filho, os amigos. O tempo encarregou-se de arrefecer a paixão mas não foi o suficiente para arrefecer a amizade. Prognóstico: Pode acontecer que de repente um deles se canse de viver só de amizade, mas geralmente, se aguentou até aqui, aguenta o resto.

- O clandestino – Geralmente são os dois casados com outras pessoas. Deitam-se olhares pelo canto do olho, encontram-se às escondidas, vão às mesmas festas sem que ninguém se aperceba que há ali alguma coisa entre eles, e divertem-se com o jogo do gato e do rato. Prognóstico: Um deles – geralmente ela – cansa-se e encosta o outro à parede. Tudo depende do que acontece depois.

´"ACTIVA" - 2009

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