quarta-feira, 3 de março de 2010

A que grupo do Facebooker pertence você?

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Por Catarina Fonseca

HÁ QUEM apoie uma causa, quem ande na lavoura o dia todo e quem se dedique a angariar mais amigos. E há quem faça tudo isto. Qual é a sua ‘onda’ preferida?

- Os Apoiantes
São contra várias coisas: as touradas, o bloqueio em Cuba, o apedrejamento das afegãs, a criminalização da homossexualidade, os animais maltratados, o uso de cães como isco para tubarões e de tubarões como isco para cães, a pobreza, o cancro, as birras, ou a prisão de variados mártires à volta do mundo. Querem salvar as criaças dos pedófilos, os touros dos toureiros, as mulheres dos homens, e as empregadas da Carolina Patrocínio. Também são a favor de várias coisas, mas o que lhes faz mesmo bater o coração é ser Contra.

- Os Latifundiários
São IMENSOS! Aliás, quase toda a gente que está no Facebook tem uma quinta, e quem ainda não se converteu à reforma agrária é melgado incessantemente por todos os lados para se tornar no próximo vizinho. Quinta mais pequena ou maior, depende da dedicação e empenho do lavrador, e também da quantidade de ‘vizinhos’ dispostos a oferecer-lhes carneiros, galinhas e porcos. Enquanto os Apoiantes são uma comunidade solta, que nem sempre angariam muitos sócios para as suas causas, os Lavradores são solidários, até porque precisam uns dos outros. Ajudam-se uns aos outros desde a apanha do mirtilo (apostamos que a maioria deles nunca viu um mirtilo no seu estado natural) até à construção de um novo poço. Desunham-se a trabalhar para comprar tractores, flamingos e mega-morangos. Passam a vida a receber medalhas e prémios de ‘Melhor Lavrador à Face da Terra’. Levantam-se às 4 da manhã para regar os tomates. Encarregam os amigos mais próximos de lhes regarem a horta enquanto estão de férias (isto se forem para a floresta Amazónica entre os índios Tupi e for absolutamente impossível levar o portátil). Há esquemas no mercado negro para ganhar mais pontos. Também se fartam de acolher variados animais tresmalhados: “Uma pobre ovelha negra perdida veio parar ao celeiro de José…” Há quem já deva ter em casa exércitos de pobres ovelhas negras perdidas. Qualquer dia faz-se o Starwars 7 sobre exércitos de ovelhas-negras-clones. Não é que não pertençam a outros grupos: até podem ser imensamente dedicados a Cuba, mandar 340 beijinhos à Lindinha e apoiar a causa das geribérias amarelas, mas não há nada como um tractor pronto a estrear. Também há os que têm aquários e os que pertencem à Máfia, mas nada que se compare ao imenso ajuntamento de lavradores.

- Os Alarmistas
Vivem em permanente teoria da conspiração. Postam todos os avisos à comunidade, desde o Manual com as 356 Diferenças entre a Gripe A e a Reles Outra até àqueles avisos que dizem que se formos passear a um centro comercial com a família de um momento para o outro podem-nos chegar clorofórmio ao nariz, arrastam-nos para a casa de banho das senhoras e nunca mais ninguém sabe de nós, ou que entramos numa loja dos chineses, vamos lá ao fundo examinar as chaves de fendas em plástico de Taiwan e acordamos três dias depois em Dubrovnik sem um rim. Frases preferidas: “Sabiam que Andorra só tem um caso de gripe A?” e “Acabam de nos mandar um mail sobre a gripe, parece que em caso de espirro temos de avisar primeiro os Recursos Humanos e depois é que ligamos para a Saúde 24…”, “Ah, e as Seychelles também só tem três”.

- Os Ziriguidunzinhos
Têm um coração de ouro. Aliás, têm corações de várias espécies e feitios: de ouro, de veludo, de chocolate, com apliques, sem apliques, e mandam-nos a amigos e conhecidos sem dó nem piedade. Aliás, não mandam só corações: mandam tudo o que encontram pela frente, acompanhado de mensagens ternas:“Olá amiguinha, bom dia! Olá Luisinho, bom dia para ti também! Ó kiducha, começaste bem o fim de semana? Ó fofinho, tás pprado p mais uma manhã de trabalho? Ora toma lá um coraçãozinho! Um smile! Um vodka-limão! Uma galleta! Um chocolate! Um bombonzinho com mensagem em italiano! Um malmequer! Uma caixa de música! Ai põe-me a tocar, põe! Maria has sent you a warm hug! Sim sim! Mais abracinhos, que hoje acordei muito em baixo! Mais hugs, e kisses, e taças de champanhe, e presente por presente, já que não se paga nada, para que estamos com subtilezas, até há quem ofereça O MUNDO INTEIRO! Depois disto, que mais se pode oferecer? Há quem atire almofadas, há quem acumule beijinho atrás de beijinho como se não houvesse prá semana, há quem (Alice has just achieved 400 hearts!) seja um verdadeiro latifundiário do coração. Uuuuff!

- Os Testes-de-Ferro
Estes são os fanáticos dos testes. Inda não têm um sindicato como os do Farmville, mas para lá caminham. Geralmente, não se sabe bem como, a coisa funciona em cadeia: se alguém decide saber ‘Que tipo de Bolo de Natal seria você’ vai toda a gente atrás. Geralmente também, costuma dar a mesma coisa a toda a gente, ou haver pelo menos dois resultados ‘obtíveis’. Há testes em inglês, em francês, em espanhol, e até em sueco, para quem estiver apostado em apurar a parte direitado cérebro. Graças aos testes, descobrem coisas fantásticas todos os dias: se há fantasmas lá em casa, que tipo de gato são, que tipo de estrela de cinema, de realizador, de maluco, de sociopata, de doença, de difunção social, de série com médicos. Qual é o número que os representa, a invenção portuguesa que mais se lhes assemelha, a diva que levam dentro (pronto, este era em espanhol). A coisa pode ser levada a níveis intensos de esquizofrenia: é possível fazer um teste em sueco para descobrir que tipo de turco se é. Quem começar a ficar preocupado com o imparável galopar do vício, tem à sua disposição testes sobre… os testes! ‘Qu’est-ce qui te pousse à faire tous ces testes débiles ?’ Boa pergunta, de facto…

- Os Fantasmas
Eles estarem inscritos até estão, porque houve um amigo/namorado/marido/mulher/conhecido/desconhecido que lhes mandou uma mensagem a perguntar se queriam ser amiguinhos deles, e eles, coitados, lá disseram que sim só para o amigo/namorado/etc parar de lhes chagar a cabeça com um ‘ai mas é tão divertido! Mas anda lá! Eu depois mando-te um ziriguidunzinho! E recomendo-te a todos os meus amigos! E podes ser meu vizinho na quinta! E também lá está a prima Armindinha! E um gajo que é poeta tunisino!’ E atão pronto, eles renderam-se. Mas na prática, nunca lá põem os, eh, pés? São neuróticos que acham que a net está povoada de hackers prontos a entrarem-lhes no perfil pela calada, como as ovelhas negras da Farmville (‘Hello José, a lonely hacker has just wandered into you barn’) , para lhes destruirem os relatórios, invadirem a vida, e deixarem a conta a zeros. Também têm medo que haja por lá alguma ex-namorada que poste fotos deles com umas cuecas da Hello Kitty e uns tapa-mamilos com lantejoulas cor de rosa e uma bandelete com orelhinhas da Playboy. Mas pronto, apesar de tudo antes a bandelete das orelhinhas que a conta a zero. Resultado: ao fim de três meses no Facebook, continuam com os mesmos quatro amigos (a mãe, a mulher, a prima Armindinha e um desconhecido que achou que tinha ido com ele à Ovibeja em 1998 mas já percebeu que estava enganado). Não que eles saibam, claro…

- Os Deprimidos
Começam logo à segunda feira a postar qualquer coisa como: ai que tristeza de vida, estou para aqui abandonado e ninguém me pergunta o que é que eu tenho e tou com um ataque de tosse cheio de ranho daquele verde, de certeza que é gripe A, e mesmo que não for, estou mesmo mesmo em baixo’. A galheta anuncia-lhes catastroficamente: ‘Choramos ao nascer porque chegamos a este imenso cenário de dementes’. Não era preciso. Ele já tinha chegado lá mesmo sem ajuda. Quando lhe passam a mão pelo pêlo, ataca com citações de Fernando Pessoa do tipo ‘O dia deu em chuvoso’, e não há ziriguidunzinho que lhe anime a existência. Os testes também não ajudam: sem dó nem piedade, a bruxa do Facebook diz-lhe na cara que ele vai morrer /ter um tumor encefálico/ sofrer de artrite reumatóide até aos 97, que o seu tipo de velhinha é a Velhinha Saudosista, que o tipo de chocolate é Amargo, que o tipo de tempo é – adivinhem lá – Chuvoso. Os amigos mandam-lhe sóis, abracinhos e kisses, chocolates com sóis, abracinhos e kisses, mandam-lhe vídeos da rumba cubana, as Boswell Sisters a abanarem os folhitos no swing jazz, mais o ‘Canta Camarada’ do Zeca Afonso e o ‘Blue Sky’ do Sinatra, e nem isso o anima, nada, ‘Blue Skyyyyy, smiling at me’, e ele nada, quando muito responde com o ‘Je suis malade’ da Dalida, ou se estiver mais bem-disposto a Rita Redshoes a chilrear ‘I don’t want/ to die in a sunny day’… Suspiro…

- Os Familiares
“Estes são o Manel, a Mariana, a Madalena e o Martim Maria!, “Aqui a Mariana e o Martim Maria a correrem atrás do gato!”. “Aqui o Manel a amandar uma cadeira para cima da Madalena, que foooooofo!”. “Aqui a Mariana e o Martim Maria a tentarem atirar o gato pela janela.” “Aqui o gato a tentar assassinar a Mariana e o Martim Maria.”
“Agora uma cartinha do Paulinho dedicada à sua querida mãe.” Estes são os pais e mães babados do facebook. Uma vez mãe babada, mãe babada para sempre. Não já foto sem a Constança. Não há dia sem o Bernardo. Às vezes, o perfil deles é uma foto… das crianças. Não há posta sem um relato minucioso das gracinhas do Martim e das covinhas da Carlota. Quem não tem filhos, ataca com os sobrinhos, os enteados, ou mesmo o gato. Nada como uma criatura pequenina, fofinha, novinha em filha. Em folha.

- Os Musicais
Estes não se perdem em divagações líricas sobre o que o futuro pode trazer, que tipo de naperon português é, ou o que as nuvens de tempestade anunciam. Ataca logo de manhã com a ‘Tourada’ do Fernando Tordo, põe uns Mozzarts e uns Vivaldis para aquecer, estampa com um Chopin (mas não o concerto para violino), segue para bingo com o ‘My Funny Valentine’ (mas o do Chet Baker), atira com o ‘Ne Me Quites Pas’, não for dar-se o caso de estar a perder audiência. Depois de vir do ginásio pergunta se uma canção com o título de ‘Everytime I see you Falling’ não será uma escolha estranha para uma aula de trampolins, depois passeia pelos Brasis, que fica sempre bem gostar de Caetano (ai como é que é aquela muito machista em que ele chama cabra à mulher com todos os nomes), depois passa para o Roberto Carlos que lhe lembra uma namorada que teve em Porto Galinhas no verão de 1986 (‘se um outro cabeludo aparecer/ na tua rua) e a propósito lembra-se que a tipa o trocou pelo Válter e dedica-lhe o ‘Fuck You Very Much’ da Lily Allen (embora de facto não tenha nada a ver), e acaba às 4 da madrugada a fazer toda a gente (enfim, toda a gente que por lá pára às 4 da madrugada) chorar baba e ranho com a Audrey Hepburn no parapeito a sussurrar o ‘Moonriver’. Enfim, são vocações…

- Os Intelectuais
Levam a vida a sério: estes não estão aqui para brincar. Aliás, não estão em lado nenhum para brincar. Aliás, já não se lembram da última vez que brincaram. Rechaçam os ziriguidunzinhos, não sabem o que é um jagode, não querem saber onde vão estar daqui a 10 anos nem que personagem das ‘Mulheres Desesperadas’ é a sua, conseguem viver sem descobrir que Princesa Disney lhes corresponde e muito menos que Diva del Cine llevan dentro ou qual é o tempo (em sueco) que faz dentro da sua alma. Nunca saberão o trabalho que dá um mega-morango, nunca terão a alegria de oferecer uma faneca ao aquário de um amigo ou participar na apanha de mirtilos, e escusado será dizer que nenhuma vaca perdida há-de ir parar ao seu celeiro. Estes estão aqui para Educar o Povo e discutir o Estado da Nação. Falam da política do Sócrates, das reformas da Ferreira Leite, da dificuldade que o Obama vai ter em impor a sua visão do que deve ser um sistema nacional de saúde, e quando muito das crianças das favelas brasileiras e dos soterrados no Haiti. É uma chatice porque tem de se lhes explicar todas as graçolas. Petições, só assinam aquelas que forem para libertar mártires políticos ou candidatos ao prémio Nobel daqueles que vivem toda a vida presos e nunca hão-de poder sair nem para receber o guito a Estocolmo. Tambem estão sempre a protestar que o Facebook não é um recreio e que está tudo cada vez mais infantilizado, mas ninguém lhes liga nenhuma a não ser para lhe tentarem explicar que aquilo é suposto ser um recreio. Coisa que eles nunca vão entender porque nunca foram ao recreio em toda a sua vida, eram os que ficavam na sala de aula a rever a matéria. Coitadinhos.

- Os do Contra
São os protestantes de serviço: fartam-se de espernear contra tudo. Se a galheta do dia lhes deu ‘Do not vainly regret what is already past’ protestam, ‘Arependo-me sim senhor! Arrependo-me até ao osso! Volta, Maria José!’. Se o teste de ‘Onde é que vai estar daqui a um ano?’ lhes anunciou alegremente ‘Você vai ter um bebé!’ espanta-se (com uma certa razão) “Um bebé? Mas eu tenho 67 anos!” Os testes tiram-no do sério, o que é ainda mais estranho dado que ele não consegue deixar de os fazer. Já fez um teste em espanhol, ‘Eres adicto a los testes?’ e deu que sim, que era, pois que outra coisa, Eu, a Cinderela? Singing to rodents? A cantar para os ratos? Van Gogh? Não quero ser Van Gogh! Sou muito afeiçoado às minhas duas orelhas! Sou um Bugatti? Mas isso não é um carro um bocado gay? A Padeira de Aljubarrota? Por amor de Deus! Mas quem é que faz estes testes? Não, não devolvo o abracinho! Não quero mais sóis, que me irrita aquela cara deles cos óculos estampados. Não dou o meu coração, que tenho só um e faz-me falta! Não me peguem no braço! Não gosto que me peguem no braço! Não quero mais nada com quintas! Não me mandem mais coelhos, nem bananeiras, nem cabras, nem galinhas, e o que raio é uma ‘avocado tree’, que nunca vi nenhuma? Mas alguém me explica onde é que esta coisa se desactiva?’ Em vez da quinta o que ele queria era uma GulagVille! Uma GulagVille na Sibéria, onde seriam vizinhos de celas e mandariam jagodes uns aos outros, um GulagVille em chique, com check list e dress code, ‘José has just sent you a confinement cell and hopes for a confinement cell in return’! ‘A little lost black slave has just wandered into your prison!’ Exige que salvem as pessoas em vez dos touros, que lhe expliquem como é que se elege o Mr. Facebook que ele quer concorrer, e que a empregada da Carolina Patrocínio seja paga ao caroço.

6 comentários:

  1. Menina, só tu me pões a rir, sozinha, às gargalhadas.E é tudo tão verdade, que eu também tenho quinta e como me reconheci.

    Continua a escrever.Um grande beijo.

    P.S. também nunca vi uma árvore avocato, mas deve ser porque sou agricultora de secretária

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  2. Bem, e quem não está no Facebook? Ainda existe mais alguém assim, ou já estou sozinha no mundo?

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  3. Já tinha lido na Activa 'on line', assim todo "partidinho", mas acho este texto brilhante. E hilariante!

    Tal como te disse, Cat, vou colocar o link do texto lá no meu bloguito! :)

    Jinhos!

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  4. Não tenho vida para essas coisas!


    Gostei dos textos!

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  5. LOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL, demais, demais, demais|!!!!!!!!!

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  6. Nem sei bem o que é um Facebook, mas de todos os tipos apresentados sou de certeza um do tipo "Os Testes-de-Ferro"!

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