NO DIA EM QUE LAURA FEZ 60 ANOS, o marido prometeu-lhe dedicação a tempo inteiro se ela se reformasse.
Ela riu com aquela expressão tão burocrática, e ele voltou a afirmar-lhe que estava farto de a ver sair de casa de madrugada, e chegar muito tarde, farto de jantar sozinho diante da televisão, farto daquela vida que não era vida, mas que era a sua desde que atingira os 65 e deixara a empresa.
Os filhos estavam criados e já casados, ela tinha mais que tempo de serviço para ficar com a reforma por inteiro, para quê esperar?
Nesse ano, Laura deu uma grande festa.
Nunca tinha gostado de comemorar os anos – mas sempre tinha dito que, quando fizesse os 60, ia festejar mesmo a valer.
E festejou mesmo a valer.
Quase 200 pessoas, baile a preceito num palacete lisboeta, desses que se alugam para fazerem de conta que são jóias de família —quando já não há nem família nem jóias.
Convidou chefes e subordinados, ex-ministros e antigas criadas, amigos e apenas conhecidos, para mostrar como se dava bem com toda a gente, e não fazia distinção de classes.
Mas só gente para lá dos 60, numa espécie de hino de louvor à terceira idade.
De cada vez que Laura ia ao cemitério pôr flores na campa da mãe, recordava-se sempre do que ela tantas vezes lhe repetia:”cautela com os homens de meia idade! Perdem a cabeça por qualquer rabo de saias com idade para ser sua neta!”
Dançou-se até de madrugada.
A festa teve honras de várias páginas em todas as revistas, mais por causa dos ex-ministros do que propriamente pela anfitriã.
O marido tinha sido dos mais animados. Ele que, regra geral, nem era muito de danças, não tinha parado um segundo.
Cada vez que Laura olhava para ele, lá o via a rodopiar, em grande animação, sempre com Maria Teresa, uma velha amiga de liceu que ela, ainda estava para saber porquê, se lembrara de convidar.
Maria Teresa nem tinha sido das colegas mais chegadas, até porque nem andavam no mesmo ano e, nessa altura, quatro ou cinco anos a mais faziam passar Maria Teresa, sem apelo nem agravo, para o estado de adulta, quase velha.
Ao fundo da sala, a filha de Maria Teresa. Desengraçada e sem a garra da mãe. Laura nem se lembrava do nome dela, nunca a tinha visto, e, se ali estava, tinha sido apenas porque Maria Teresa lhe tinha pedido, “para depois não voltar sozinha para casa, percebes?”
De vez em quando, olhando o ar tão sério de todos os convidados, as barriguinhas proeminentes de alguns, Laura sorria e pensava nos avisos da mãe, enquanto olhava para o marido, dançando com Maria Teresa.
Maria Teresa, com mais 5 anos do que ela.
Maria Teresa, já oficialmente na terceira idade, com direito a desconto nos transportes, nos museus e nos cinemas.
Maria Teresa, velha.
Quando, algumas semanas depois, o marido lhe veio com a conversa de que estivera a pensar melhor e se calhar a reforma antecipada talvez não fosse grande ideia, habituada a sair cedo e entrar tarde todos os dias, como iria ela reagir a dias e dias sem horários nem trabalho aturado—ela não achou estranho, e até lhe deu razão.
Depois, de repente, ele começou a ser requisitado pela antiga empresa para a representar no estrangeiro, ele tinha sido um alto funcionário, por isso nada melhor do que ser ele escolhido, apesar de reformado.
“Por uma questão de prestígio”, dizia ele.
Até ao dia em que, ao folhear uma revista no cabeleireiro, Laura deu de caras com ele, há dois meses, no Baile das Flores, na Madeira, dançando com Maria Teresa.
Maria Teresa, que não tinha idade para ser neta dele.
Maria Teresa, com mais 5 anos do que ela.
Maria Teresa, velha.
O divórcio veio rápido, ainda bem que as coisas agora estavam tão facilitadas, e eles eram pessoas civilizadas.
A vida continuou como sempre.
Mas Laura nunca mais foi ao cemitério pôr flores na campa da mãe.
Ela riu com aquela expressão tão burocrática, e ele voltou a afirmar-lhe que estava farto de a ver sair de casa de madrugada, e chegar muito tarde, farto de jantar sozinho diante da televisão, farto daquela vida que não era vida, mas que era a sua desde que atingira os 65 e deixara a empresa.
Os filhos estavam criados e já casados, ela tinha mais que tempo de serviço para ficar com a reforma por inteiro, para quê esperar?
Nesse ano, Laura deu uma grande festa.
Nunca tinha gostado de comemorar os anos – mas sempre tinha dito que, quando fizesse os 60, ia festejar mesmo a valer.
E festejou mesmo a valer.
Quase 200 pessoas, baile a preceito num palacete lisboeta, desses que se alugam para fazerem de conta que são jóias de família —quando já não há nem família nem jóias.
Convidou chefes e subordinados, ex-ministros e antigas criadas, amigos e apenas conhecidos, para mostrar como se dava bem com toda a gente, e não fazia distinção de classes.
Mas só gente para lá dos 60, numa espécie de hino de louvor à terceira idade.
De cada vez que Laura ia ao cemitério pôr flores na campa da mãe, recordava-se sempre do que ela tantas vezes lhe repetia:”cautela com os homens de meia idade! Perdem a cabeça por qualquer rabo de saias com idade para ser sua neta!”
Dançou-se até de madrugada.
A festa teve honras de várias páginas em todas as revistas, mais por causa dos ex-ministros do que propriamente pela anfitriã.
O marido tinha sido dos mais animados. Ele que, regra geral, nem era muito de danças, não tinha parado um segundo.
Cada vez que Laura olhava para ele, lá o via a rodopiar, em grande animação, sempre com Maria Teresa, uma velha amiga de liceu que ela, ainda estava para saber porquê, se lembrara de convidar.
Maria Teresa nem tinha sido das colegas mais chegadas, até porque nem andavam no mesmo ano e, nessa altura, quatro ou cinco anos a mais faziam passar Maria Teresa, sem apelo nem agravo, para o estado de adulta, quase velha.
Ao fundo da sala, a filha de Maria Teresa. Desengraçada e sem a garra da mãe. Laura nem se lembrava do nome dela, nunca a tinha visto, e, se ali estava, tinha sido apenas porque Maria Teresa lhe tinha pedido, “para depois não voltar sozinha para casa, percebes?”
De vez em quando, olhando o ar tão sério de todos os convidados, as barriguinhas proeminentes de alguns, Laura sorria e pensava nos avisos da mãe, enquanto olhava para o marido, dançando com Maria Teresa.
Maria Teresa, com mais 5 anos do que ela.
Maria Teresa, já oficialmente na terceira idade, com direito a desconto nos transportes, nos museus e nos cinemas.
Maria Teresa, velha.
Quando, algumas semanas depois, o marido lhe veio com a conversa de que estivera a pensar melhor e se calhar a reforma antecipada talvez não fosse grande ideia, habituada a sair cedo e entrar tarde todos os dias, como iria ela reagir a dias e dias sem horários nem trabalho aturado—ela não achou estranho, e até lhe deu razão.
Depois, de repente, ele começou a ser requisitado pela antiga empresa para a representar no estrangeiro, ele tinha sido um alto funcionário, por isso nada melhor do que ser ele escolhido, apesar de reformado.
“Por uma questão de prestígio”, dizia ele.
Até ao dia em que, ao folhear uma revista no cabeleireiro, Laura deu de caras com ele, há dois meses, no Baile das Flores, na Madeira, dançando com Maria Teresa.
Maria Teresa, que não tinha idade para ser neta dele.
Maria Teresa, com mais 5 anos do que ela.
Maria Teresa, velha.
O divórcio veio rápido, ainda bem que as coisas agora estavam tão facilitadas, e eles eram pessoas civilizadas.
A vida continuou como sempre.
Mas Laura nunca mais foi ao cemitério pôr flores na campa da mãe.
In “ACTIVA”, Agosto 2008
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