domingo, 10 de janeiro de 2010

TREZE TERÇAS-FEIRAS

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SE NÃO FOSSE a insistência de Cláudia, nunca Helena se teria metido naquela aventura das terças-feiras.
Mas Cláudia garantira que o santo, depois daquele sacrifício, nunca falhava.
Ao princípio até se divertiu, Helena gostava de ir à Baixa, de meter o nariz naquelas lojas de balcão de madeira, todas a cheirarem a sabonete Nally e a benzovac, que era aquilo com que se tiravam as nódoas em casa da avó.
- Vais ver como resulta. É tiro e queda — repetia Cláudia.
Cláudia era muito devota de Santo António e, embora já tivesse desistido do casamento (“já não tenho paciência para aturar homens”) não desistia de interceder pelas amigas, assegurando que a novena, feita em 13 terças-feiras seguidas, era remédio infalível. Quer dizer: era marido garantido.
Então, todas as terças feiras Helena saia de casa e encontrava-se com Cláudia numa pastelaria que servia croissants espectaculares.
- Será que não estamos a cometer o pecado da gula? – perguntou na primeira terça feira.
Cláudia riu e disse que não era preciso exagerar, já não se estava nos jejuns da Idade Média.
Depois de engolidas as últimas migalhas, e de Cláudia acenar a um senhor de fato escuro sentado junto à janela (“é um verdadeiro cavalheiro, há dias eu não tinha troco e pagou-me a bica”) entravam na Igreja e faziam a novena.
Nas primeiras terças-feiras Helena ainda achou graça, sobretudo à convicção de Cláudia:
- Podes ter a certeza, depois destas treze semanas em honra de Santo António, o homem da tua vida bate-te à porta.
Mas depois chegou a uma altura em que já começou a baralhar as semanas, teriam passado sete?, ou seriam já dez?, ou não passariam de cinco? Devia ter tomado nota, mas fiara-se em Cláudia e agora tem a impressão de que já há muito ultrapassou o tempo previsto, e que Cláudia está a fazer render o peixe, que é como quem diz, o santo.
Mas Cláudia não desiste: as terças feiras são sagradas, os croissants na pastelaria, o senhor de fato castanho a sorrir, a pequena igreja onde o santo morava, o responso que tinha de ser repetido para que tudo resultasse, e Helena, mesmo meio baralhada, a pôr naquelas palavras toda a fé que tinha e sobretudo a que não tinha.
E agora está ali na pastelaria, porque Cláudia lhe pediu que chegasse mais cedo, tinha uma coisa para lhe contar.
Mas pelos vistos Cláudia atrasou-se, e se calhar vão chegar tarde à novena, e se calhar depois o efeito perde-se. Para dizer a verdade, ao fim destas semanas todas Helena ainda não sentiu efeito nenhum, mas Cláudia garante que o santo não falha.
Está a acabar o croissant quando Cláudia entra, afogueada.
-Hoje não dá para ir contigo!
Helena nem acredita. Cláudia vai faltar à novena? Vai trair o santo? Ou será que as treze semanas já acabaram? E, se acabaram, que é do marido que lhe prometeram, prontinho a usar?
-O Henrique quer ir comigo ver uma casa e…
Helena não sabe quem é o Henrique, Helena não está a perceber nada, até que, olhando pela janela, descobre, no passeio da rua, o senhor de fato castanho, acenando-lhe.
-Olha, aconteceu…- murmurou Cláudia, rindo--Ainda nem percebi como…Depois conto com mais pormenores.
Cláudia sai, o senhor de fato castanho dá-lhe o braço (“é um verdadeiro cavalheiro”) e volta a acenar a Helena.
Que fica com ar de parva a olhar para a porta, a saia cheia de migalhas de croissant, e a estúpida sensação de ter entrado na anedota errada.

in "ACTIVA" Junho de 2009

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