domingo, 10 de janeiro de 2010

QUINZE ANOS

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SENTA-SE NO CADEIRÃO da sala e estende as pernas para que o sol que vem da janela as cubra.
Está na praia, tem 15 anos e espera que chegue o homem da vida dela, que também tem 15 anos, e passa o verão de calções e chinelas, e ri muito, e promete que nunca há-de pôr uma gravata, e há-de amá-la até ao fim da vida, e hão-de ter muitos filhos, e ao jantar há-de vir para a mesa uma grande terrina de sopa, e ela há-de distribuí-la por todos, sorridente e a cheirar a alfazema.
Tem 15 anos, e a certeza absoluta de que há-de ter sempre 15 anos, e que nunca há-de ser igual à mãe, que cheira a óleo de fritar batatas e anda sempre de avental.
Tem 15 anos, está de férias e acabou de ler “Brigitte Solteira, Brigitte Casada”, onde as mulheres amam muito os maridos, e os maridos amam muito as mulheres, e os pais amam muito os filhos, e os filhos amam muito os pais, e os amigos amam muito os amigos, e todos juntos amam muito Deus e a pátria.
E ela sonha em ter uma vida assim, sobretudo quando o pai chega a casa e grita com a mãe, e a mãe grita com o pai, e depois chamam-na e fazem dela intermediária de brigas que ela não conhece, “ó Teresa, diz aí à tua mãe”, “ó Teresa diz aí ao teu pai” e é então que ela jura que nunca há-de ser assim.
As pessoas não entendem por que é que os pais não se separam, sempre em brigas, mas quando ouve isso a mãe põe ar grave e diz que, na família dela, casamento é para sempre.
Mas agora ela não quer pensar nisso, agora quer apenas ter 15 anos, apanhar todo o sol do mundo, e sonhar com o dia em que o homem da vida dela, que também nunca há-de ter mais de 15 anos, entre em casa a cheirar a “Cuir de Russie”, que ela não sabe o que é mas que no livro é aquilo a que cheira Olivier, o namorado da Brigitte, que há-de ser seu marido e amá-la (e também aos filhos, aos amigos, a Deus e à Pátria) até à morte.
E jura, com toda a força, que nunca há-se ser igual à mãe, que há-de ter sempre todo o tempo do mundo para os filhos, e há-de compreendê-los, e eles vão crescer e amá-la sempre muito, como a Brigitte e o Olivier amam as respectivas mães, e todos os domingos virão a sua casa almoçar, e a terrina com a sopa há-de estar no meio da mesa, e ela a cheirar a alfazema
Estende as pernas e repete, sorrindo, “ tenho 15 anos, hei-de ter sempre 15 anos, e nunca serei igual a ela, nunca, nunca”
De repente estremece com o som da porta da rua que se abre.
“Fartei-me de ligar mas não atendeste, por isso tive de cá vir”.
Ela olha para o telemóvel que regista 5 chamadas não atendidas. É o que dá sonhar ao sol.
“O meu advogado quer saber quando pode falar com o teu”, diz ele.
“Quando quiser”, diz ela e, de repente, sorri porque, com aquele calor, ele vem de blazer e gravata, deve ter tido uma reunião importante.
“Disse alguma graça?”, pergunta ele, mal-humorado, num tom que o Olivier nunca usaria
Ela encolhe os ombros e não responde
Ele larga as chaves em cima da mesa, “aproveito para as devolver, não faz sentido nenhum ficar com elas”, e sai.
Ela volta a estender as pernas para apanhar o sol que ainda resta.
Tem 15 anos, há-de ter sempre, sempre 15 anos.
O mal é que o homem da vida dela afinal andou sempre mascarado, e já devia ter nascido com 50.
E, evidentemente, nunca leu “Brigitte Solteira, Brigitte Casada”.

in "ACTIVA" Setembro 2009

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