A PRIMEIRA COISA que o meu pai me disse, depois de ter lido o que aqui escrevi, foi:
- Nunca te esqueças da data. Sem ela, nunca saberás quando as coisas aconteceram. E temos de saber situar tudo no seu tempo.
Eu pensava que o meu pai não ia ler este diário. Sempre achei que um diário era uma espécie de caixa dos nossos segredos.
Mas ontem ele passou-me para as mãos um livro, e disse:
- Lê isto. Gostava que um dia, ao terminares o teu caderno, ele tivesse uma história parecida com esta.
Nunca tinha visto este livro. Não era de Camilo, nem de Alexandre Herculano, nem de nenhum nome que eu conhecesse. Também não era de Júlio Verne, de quem eu gosto quase tanto como do Texas Jack.
Chama-se “CORAÇÃO”.
Pensei: o meu pai quer que eu seja médico, e já está a preparar-me.
Mas não era nada disso.
É um diário, escrito por um rapaz italiano da minha idade, chamado Henrique. Fala da família, da escola, dos colegas, dos mestres. E aqui, se não fosse o meu pai estar sempre a repetir que um homem não chora, eu teria chorado. Leio: ”lembro-me tanto do meu antigo mestre e do seu sorriso bom”.Eu também me lembro muito do meu antigo mestre, e do colégio na Rua das Pedras Negras, aonde nunca mais voltei.
E pelo meio do que Henrique escreve, há anotações do pai dele. Por isso não vou estranhar que o meu faça o mesmo.
Mas hoje, confesso que não me apetecem grandes leituras : acaba de entrar no Tejo uma esquadra francesa, e o meu sonho era visitar o couraçado “Saint Louis”! Tem quatro canhões grandes e dez mais pequenos.
Parece que o rei vai lá amanhã, e o almirante até lhe oferece um almoço.
O meu pai diz que o rei não faz outra coisa senão viajar, e visitar primos por essa Europa, e passar revista a quartéis, e entrar em barcos, e ir a almoços, e que não é assim que isto lá vai.
Quando o meu pai não a ouve, a minha mãe sai em defesa de D. Manuel:
- Não passa de uma criança…
- Tem 20 anos! Catorze tenho eu e já fico ofendido quando me chamam criança! — digo eu.
- Mas tu não és rei — diz ela.
E com essa é que ela me mata.
A minha mãe diz muitas vezes que a culpa é mais dos que rodeiam os reis do que propriamente dos reis.
- Desculpas…- resmunga o meu pai.
Apesar de tudo, a minha mãe não é talassa furiosa, como a vizinha de baixo, que ainda não retirou as tarjas negras das molduras com as fotografias de D. Carlos e de D. Luis Filipe. A minha mãe apostou comigo uma ida ao Coliseu em como elas as vão retirar daqui a 15 dias, quando fizer dois anos que eles foram mortos. Eu cá apostei que não as vão retirar nunca.
Mas Deus queira que o luto cá em baixo acabe - porque me está mesmo a apetecer ir ver o salto mortal que dizem que o Levy Jenochio vai fazer lá do alto da cúpula!
Razão tem a minha avó quando diz que isto só pode ser o fim do mundo…
- Nunca te esqueças da data. Sem ela, nunca saberás quando as coisas aconteceram. E temos de saber situar tudo no seu tempo.
Eu pensava que o meu pai não ia ler este diário. Sempre achei que um diário era uma espécie de caixa dos nossos segredos.
Mas ontem ele passou-me para as mãos um livro, e disse:
- Lê isto. Gostava que um dia, ao terminares o teu caderno, ele tivesse uma história parecida com esta.
Nunca tinha visto este livro. Não era de Camilo, nem de Alexandre Herculano, nem de nenhum nome que eu conhecesse. Também não era de Júlio Verne, de quem eu gosto quase tanto como do Texas Jack.
Chama-se “CORAÇÃO”.
Pensei: o meu pai quer que eu seja médico, e já está a preparar-me.
Mas não era nada disso.
É um diário, escrito por um rapaz italiano da minha idade, chamado Henrique. Fala da família, da escola, dos colegas, dos mestres. E aqui, se não fosse o meu pai estar sempre a repetir que um homem não chora, eu teria chorado. Leio: ”lembro-me tanto do meu antigo mestre e do seu sorriso bom”.Eu também me lembro muito do meu antigo mestre, e do colégio na Rua das Pedras Negras, aonde nunca mais voltei.
E pelo meio do que Henrique escreve, há anotações do pai dele. Por isso não vou estranhar que o meu faça o mesmo.
Mas hoje, confesso que não me apetecem grandes leituras : acaba de entrar no Tejo uma esquadra francesa, e o meu sonho era visitar o couraçado “Saint Louis”! Tem quatro canhões grandes e dez mais pequenos.
Parece que o rei vai lá amanhã, e o almirante até lhe oferece um almoço.
O meu pai diz que o rei não faz outra coisa senão viajar, e visitar primos por essa Europa, e passar revista a quartéis, e entrar em barcos, e ir a almoços, e que não é assim que isto lá vai.
Quando o meu pai não a ouve, a minha mãe sai em defesa de D. Manuel:
- Não passa de uma criança…
- Tem 20 anos! Catorze tenho eu e já fico ofendido quando me chamam criança! — digo eu.
- Mas tu não és rei — diz ela.
E com essa é que ela me mata.
A minha mãe diz muitas vezes que a culpa é mais dos que rodeiam os reis do que propriamente dos reis.
- Desculpas…- resmunga o meu pai.
Apesar de tudo, a minha mãe não é talassa furiosa, como a vizinha de baixo, que ainda não retirou as tarjas negras das molduras com as fotografias de D. Carlos e de D. Luis Filipe. A minha mãe apostou comigo uma ida ao Coliseu em como elas as vão retirar daqui a 15 dias, quando fizer dois anos que eles foram mortos. Eu cá apostei que não as vão retirar nunca.
Mas Deus queira que o luto cá em baixo acabe - porque me está mesmo a apetecer ir ver o salto mortal que dizem que o Levy Jenochio vai fazer lá do alto da cúpula!
Razão tem a minha avó quando diz que isto só pode ser o fim do mundo…
«JN» de 23 Jan 10
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