domingo, 10 de janeiro de 2010

O VESTIDO DE NOIVA

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PASSOU
a mão pelo tecido.
Já o podia imaginar sobre a sua pele, o vestido a cair suavemente sobre o corpo, e as mangas a escorregarem pelos braços, a nascerem de um grande decote, como ela viu uma vez num filme.
Era um filme passado em tempos muito antigos, e a noiva era rainha, e esperava a chegada do cavaleiro que a levaria ao altar.
Já quase nem se lembra da história, de resto ela esquece sempre rapidamente a história dos filmes que vê. Mas às vezes há pequenos pormenores que a toda a gente escapam e que ela guarda para sempre. Uma frase desgarrada. Um gesto. Uma paisagem fugaz. Um vestido de noiva. Branco, com a cauda a arrastar, e duas mangas compridas a nascerem de um grande decote
Desde esse dia sempre imaginou que o seu vestido de noiva seria assim.
Estende o tecido sobre a mesa, e a cliente murmura:
-É igualzinho ao tecido do vestido de noiva da minha filha. Ficam lindas as noivas com vestidos destes.
A senhora fala como se não estivesse mais ninguém na loja.
Ela está habituada. Habituada a que as clientes nem olhem para ela, que está ali apenas para as servir. Não tarda muito, será substituída por um robot, a tecnologia pode tudo, e é muito mais eficaz, e não faz reivindicações, nem fica grávida, nem pede aumento de ordenado.
-A minha filha casou-se no Rio de Janeiro - continua a cliente, e ela a pensar que para ela bastava-lhe a igreja da sua aldeia, com uma santa que tem fama de proteger quem vem de fora para ali se casar.
- Foi lindo…A cauda do vestido a arrastar por aquela escadaria imensa…
A igreja da aldeia dela não tem escadaria, mas ela, desde que tenha o Luís a seu lado, que lhe importa a escadaria.
- Na Igreja da Penha, já ouviu falar? - continua a senhora.
Ela diz que não, e a cliente admira-se.
- Não? Mas é tão conhecida…É aquela que fica no alto de um monte e tem uma grande escadaria. Há quem diga que são 382 degraus. Eu não os contei, claro, mas custaram-me tanto a subir que eu até acho que devem ser muito mais.
Faz uma pausa e insiste:
- Nunca ouviu falar?
Ela quer ser simpática, mas a verdade é que nunca ouviu.
Então a cliente vai contando a história toda, até parece daqueles folhetos das agências de viagem, ou então aqueles que às vezes aparecem nas caixas de correio.
E ela tem pena de não conhecer, ela até vê muitas telenovelas mas em nenhuma se lembra dessa tal igreja, ou estava distraída ou então adormeceu, às vezes chega a casa tão cansada que nem aguenta chegar ao primeiro intervalo.
A cliente vai continuando as explicações:
- E então agora ainda é mais conhecida, porque o vencedor de um dos Big Brothers do Brasil foi lá pagar a promessa que fez à Senhora da Penha antes de entrar no concurso.
- Se ele ganhou, então é porque a santa faz mesmo milagres…--diz ela,para ser simpática.
Mas a cliente fica subitamente muito séria:
- O homem ganhou o concurso, é verdade, mas a minha filha, um ano depois do casamento já estava divorciada.
Ela vai responder que os santos, se calhar, nem sempre estão atentos a tudo, mas a cliente já deu meia volta, e largou a seda sobre o balcão.
Ela suspira e arruma tudo com cautela, e volta a pensar que há-de casar um dia com um vestido daquele tecido. Na igreja da sua aldeia. Sem escadaria - mas com uma santa que olha por todos.

In “ACTIVA”, Fevereiro 08

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